Gravações do Trio Fragata no bandcamp

domingo, 31 de dezembro de 2006

"SHOAH" de Claude Lanzmann (1985)

9 horas e meia A VER COM ATENÇÃO

o filme é inevitável para se pensar o "acontecimento mais negro da História". 'Shoah' é o termo hebraico para 'catástrofe' e que passou a designar a tentativa de destruição dos judeus pelos nazis. Para alguns estudiosos é um termo mais adequado do que o termo 'Holocausto'. Este tem também o significado religioso de sacrifício pelo que o seu uso poderá ser ofensivo para as vítimas. Uma "obra de arte - e mesmo assim ser fidedigna" como um documentário (Lanzmann) - feita a partir de entrevistas a três grupos de pessoas: sobreviventes dos campos de concentração, testemunhas passivas e antigos nazis.
Lanzmann, ao entrevistar antigos nazis (a entrevista a Suchomel despertou-lhe tanto ódio que desejou "matá-lo com a câmara", Lanzmann, in Todorov, p.277), não se coíbe de os filmar sem eles saberem disso ou de não lhes garantir o anonimato (no exemplo que escolhi o controlo da gravação é feito a partir da Wolkswagen). Tem por isso sido criticado (veja-se Todorov, Facing the Extreme, pp. 271-278).

A principal preocupação de Lanzmann foi criar um objecto artístico que fosse capaz de recriar a verdade de um acontecimento histórico a partir dos testemunhos daqueles que nele participaram. Por isso não usa nenhuma imagem de arquivo e chega mesmo a afirmar que se descobri-se um filme dos campos de concentração destruia-o.
Lanzmann tem sido também acusado de "alguma manipulação" e instrumentalização dos entrevistados. Ele opta por continuar a filmar e incluir no filme aqueles momentos em que o entrevistado 'se vai abaixo' e afirma que não pode continuar. É o caso da entrevista a um barbeiro (a entrevista com o entrevistado a trabalhar na barbearia terá sido montada para que a recordação fosse o mais autêntica possível) que tinha o trabalho de cortar o cabelo às mulheres que já se encontravam dentro das câmaras de gás e completamente nuas. Ele, e mais uns tantos, deveriam fazer o serviço como se as mulheres fossem apenas tomar um duche. Este entrevistado fraqueja e diz não querer continuar no momento em que recorda o facto de ter encontrado a mulher de um amigo seu e de não lhe poder dizer que a sua vida estava no fim.

quinta-feira, 28 de dezembro de 2006

The Isenheim Altarpiece, by Matthias GRÜNEWALD






Por sugestão de um dos contos de W. G. Sebald incluídos no livro: Os Emigrantes (Teorema).

sexta-feira, 24 de novembro de 2006

Lógica e Progresso

Como com todas as citações boas para serem usadas como epígrafes, muito haveria a dizer sobre a citação de Shaw. Uma primeira consideração seria dizer que o argumento:

1) o homem razoável adapta-se ao mundo
2) o homem não-razoável faz tudo para que seja o mundo a adaptar-se a ele
Logo, todo o progresso depende do homem não-razoável

constitui aquilo que os lógicos designam de entimema, uma vez que transporta consigo uma premissa escondida:

3) toda a mudança no mundo (fazer o mundo adaptar-se) é fonte de progresso.

Um das perguntas colocadas parece questionar se todos os homens não-razoáveis tentam mudar o mundo. Um possível solução, também ela algo silogística, seria afirmar que haverá alguns homens razoáveis que tentam mudar o mundo (será este o caso da ministra?), como haverá alguns homens não-razoáveis (por exemplo, aqueles que só são não-razoáveis em privado ou às escondidas ) que não tentam mudar o mundo público.

O problema do progresso é delicado. Há quem diga que depois
de Auschwitz - a que Shaw ainda assistiu (1856-1950) e certamente a pior mudança no mundo realizada por um não-razoável - não faz sentido falar de progresso e de que valores faz sentido falar ninguém sabe bem.

(LFB)

quinta-feira, 23 de novembro de 2006

"(...) all progress depends on the unreasonable man."

... on all unreasonable men?

quarta-feira, 22 de novembro de 2006

Aos que duvidam inconsequentemente

"The reasonable man adapts himself to the world; the unreasonable one persists in trying to adapt the world to himself. Therefore all progress depends on the unreasonable man."
George Bernard Shaw, Man and Superman (1903) "Maxims for Revolutionists"

Partindo desta premissa, deverá então, a nossa ministra da Educação, ser uma mulher razoável ou não?
(LE)

domingo, 29 de outubro de 2006

Apontamentos de um preceptor (1)

Da leitura da "constituição de Hipodamus":

1) na polis aristotélica andar armado seria uma condição necessária de cidadania?

2) deverá a polis oferecer "honras" aos que descobrem algo vantajoso para ela?
Aristóteles recomenda prudência. Os perigos são a introdução de informadores e a alteração inusitada das leis da politeia. A alteração das leis por si não é má, as razões é que podem ser. Por comparação com a medicina, a física e as artes (skill/tecnhe) em geral, onde a mudança (de métodos e de técnicas) é benéfica, somos levados a pensar que, uma vez a "cidadania (statesmanship/politiké) deve ser vista como uma destas" (1268b38), o mesmo se lhe aplica e até mesmo as leis escritas não devem ser imutáveis. Também aqui, como nas ciências, seria impossível "escrever toda a organização da politeia" (os princípios são gerais, as acções dependem de circunstâncias particulares).
Mas, de outro ponto de vista, diz-nos Aristóteles, que é preciso pesar a relação custos/benefícios entre o hábito de se mudar constantemente as leis e o valor da própria lei. É melhor ser tolerante para com os erros dos políticos do que ficar habituado à mudança constante das leis, pela razão de que isso enfraquece o poder da lei. Há uma diferença significativa entre a alteração das artes e a alteração das leis, estas só pelo hábito garantem obediência. Aristóteles termina com interrogações: todas as leis podem ser mudadas? E em todos os tipos de politeia? E quem deve realizar a mudança?

3) comentários de Strauss (pp. 17-20); o erro de Hipodamus foi querer compreender todas as coisas à luz da simplicidade das tríades, não prestando atenção "ao carácter peculiar das coisas políticas", nem percebendo que elas formam uma classe em si.
O facto de, no início do capítulo, Aristóteles fazer - pela única vez em todo o livro - alusões a boatos acerca da vida de Hipodamus e de expor o ridículo de "querer ser um perito em todas as coisas naturais" teria o razoável propósito de anunciar o referido erro. Não pode pois Hipodamus ser o fundador da filosofia política porque nunca chegou a colocar a questão 'o que é a política?'. E a sua ridicularização revela que a "filosofia política é mais questionável do que a filosofia em si" pois o primeiro filósofo foi ridicularizado por uma escrava bárbara e o suposto primeiro filósofo político foi ridicularizado por todos os "homens livres".

domingo, 22 de outubro de 2006

Apontamentos de um preceptor

Como iniciar o estudo da Política de Aristóteles?

lendo:

"Segue-se que a polis pertence à classe dos objectos que existem por natureza e que o homem é, por natureza, um animal político (politikón zôon). (...) animal político num sentido que as abelhas, ou todos os outros animais que vivem reunidos, não são". tr. de 1253a1-3, 1253a7-8, Aristotle, The Politics, (Penguin Classics).

Começando pela oposição entre Phusis/natureza/essência e nomos/lei/contingência, descubra-se, seguindo a orientação de Leo Strauss, o modo como Aristóteles valoriza e justifica o domínio da política (do homem político por natureza) e dá continuidade à crepuscular ciência política de Hipodamus.


Mas não é a política o domínio do contingente e a natureza o domínio do essencial?

Como pode a política ser natural?

Comece-se pelo livro II, viii, designado "a constituição de Hippodamus", 1267b22 até 1269a28, que foi o primeiro a pensar sobre a "melhor ordem política". A ordem natural?

Depois, livro III, x e xi, 1281a 16, b18, para perceber o porquê de "a mais fundamental discussão da Política, incluir aquilo que é quase um diálogo entre um oligarca e um democrata" (Strauss, p. 21)

sábado, 21 de outubro de 2006

Boas razões para estar em Lisboa


doclisboa, em particular a retrospectiva Amos Gitai
com "master class"


"(...) Falou em bombardeamento dos media. Vai começar a rodar uma ficção sobre a retirada de Gaza. Quando a retirada aconteceu, o que fez?

Nós, colectivamente, israelitas e palestinianos, temos colaborado – e uso esta palavra, que tem um sentido de "colaborador", deliberadamente – na intoxicação da nossa imagem. O que quer dizer que achamos que é útil para nós usar o nosso sofrimento, as nossas perdas como argumentos políticos. Criamos facilidades de acesso a todos estes terríveis sofrimentos dos dois lados. E a não ser que decidamos ser um pouco responsáveis, não andaremos para a frente. Somos parceiros nesta infindável "soap opera" das notícias. E as notícias são cínicas porque precisam das audiências. Nos seus gabinetes confortáveis de Jerusalém, receberão as bombas de Telavive ou de Gaza e irão montá-las de acordo com a redacção em Paris, Portugal, América, Palestina ou Israel querem. [sic]

Estou a falar de televisão, não da imprensa escrita. Nos anos 70 ou 80 a televisão teria aberto uma janela para compreendermos algo, agora é mero intertenimento.

O Médio Oriente, e especialmente o conflito israelo-palestiniano, consome dois terços de todas as notícias internacionais. Estamos habituados a que seja assim. Portanto, ninguém se rala com o Darfur, a Indonésia, a Tchetchénia.

O pico da última Intifada durou quatro anos. O pico da guerra da Jugoslávia durou quatro anos. Na Jugoslávia, 250 mil pessoas foram mortas, mulheres foram violadas, aldeias foram destruídas. Na Intifada, dos dois lados, três mil pessoas foram mortas. É muita gente, muitas biografias, mas não é um quarto de milhão. Nenhum palestiniano violou israelitas, nenhum israelita violou palestinianas, as duas sociedades mantêm fronteiras invisíveis que ainda não foram atravessadas. E se formos por qualquer rua da Europa perguntar qual é a guerra mais terrível, a jugoslava ou a israelo-palestiniana, em termos de vítimas, toda a gente dirá que é a israelo-palestiniana.

Qual é a sua explicação para isso?

Em parte porque a Europa se sente culpada em relação aos judeus, aos acontecimentos da II guerra e quer que os judeus sejam piores do que experimentaram nos anos 40. (...)"

(Amos Gitai excerto da entrevista ao Y, jornal Público, 20 Outubro 2006)

segunda-feira, 11 de setembro de 2006

"... Qualquer que tenha sido a história passada e presente das relações do Ocidente com o resto do mundo, é uma falácia pretender que os pecados desta história justificam (versão forte, que diz o que quer dizer) ou permitem compreender (versão fraca, no fundo ininteligível: compreender seria qualquer coisa como uma desculpa mole) o que se está a passar. E é uma falácia a vários títulos, sem ter sequer de kantianamente se lembrar que nunca o mal que me é feito pode justificar o mal que faço. O que se está a passar e a construir, e nos ameaça aqui onde estamos, onde cada um de nós está, é uma frente de ódio que inaugura algo de inédito. Dando-se misturadamente com coisas velhas em que é difícil distinguir causas e efeitos, em que ninguém tem completamente culpa porque todos têm alguma ou muita razão - estou antes de tudo mais a pensar, evidentemente, no conflito entre israelitas e palestinianos -, aquilo que desde há alguns anos irrompe e é radicalmente novo é a rejeição sem apelo, e sem quartel, da sociedade livre ocidental. (...) (p.228) "...estou certo de que, face ao terrorismo, os governos ocidentais ficarão eternamente agradecidos a quem for capaz de lhes ensinar a maneira adequada de conciliar plena liberdade e segurança - a sua, e a minha. Será talvez pathos de mau gosto mas não consigo evitar pensar que se a polícia italiana não tivesse controlado, provavelmente ilegalmente, as conversas dos telefones dos terroristas - foi por esse meio que os descobriram -, eu poderia neste momento estar debaixo da terra. (...) Por fim, há excelentes razões - pelo menos! - para presumir que as limitações às liberdades terminarão mal a guerra teminar, como aconteceu depois das duas guerras mundiais do século xx. Obviamente. Estejamos descansados, comemoremos em liberdade o oitavo centenário da Magna Carta em 2015! Entre parênteses, permito-me recordar (será ainda de mau gosto?) que há cem mil cruzes brancas americanas nos cemitérios da costa francesa do desembarque. Porque não são estas evidências reconhecidas, e menos ainda assumidas? A resposta só pode ser uma, e vejo nela a manifestação mais forte do niilismo. É que no fundo não se quer aceitar que a guerra nos foi imposta - e que estamos em guerra.(...)" Fernando Gil, "dois artigos", em Gil, Tunhas e Cohn, Impasses, Europa-América, 2003, pp.236-237.

segunda-feira, 3 de julho de 2006

Umas boas Botas em Portugal


Se não se lamber umas boas botas
(exemplar à esquerda) de vez em quando,
não se vai longe neste país...

(D.O.)

quarta-feira, 14 de junho de 2006

Vivo noutro país?!

Qual não é o meu espanto, quando, ao chegar à farmácia, me recusam os medicamentos!

"Não aceitamos receitas prescritas na Madeira e nos Açores... não as aceitam para IRS."

Assim, aconselho aos doentes do meu país (Açores e Madeira) - sobretudo com doenças crónicas - a previnirem-se quando imigrarem para Portugal.

Entretanto, aguardarei (im)pacientemente que me enviem os medicamentos pelo correio...


(D.O.)

segunda-feira, 5 de junho de 2006

AUTONOMIA

Hoje foi dia dos Açores e por isso feriado. Ver a classe política discursar sobre a conquista da autonomia dá que pensar. Os discursos políticos oficiais são, por natureza, coisas chatas que servem, sobretudo, para preencher a cerimónia de propaganda antes do jantar de gala. O tom é quase sempre o mesmo: é a identidade açoriana e o seu valor (é sempre de bom tom falar no valor económico e turístico das "nossas" ilhas); o amor à terra, o contributo "inestimável" (e o benefício próprio) de figuras "ímpares" para o desenvolvimento dos Açores (a forma única como Carlos César pronuncia a palavra é, por si só, sintomática); a nossa importância enquanto açorianos; e sempre alguns números que mostram "claramente" como as coisas mudaram para melhor nos últimos anos; e blá, blá, blá. O tom é menor porque trás consigo a ideia de que o mundo somos nós e apenas nós. Nós, o nosso umbigo e a autonomia política; o que esconde os perigos do egocentrismo e do nacionalismo que muito servem o discurso político pois são uma forma politicamente correcta de "aumentar os índices de confiança" e de manter alguma cegueira. Nada mais falso: o mundo é muito mais do que estas ilhas; se olharmos bem veremos o quanto insignificantes somos e o quanto desperdiçamos com a nossa insignificância; estamos economicamente dependentes da República e da Europa (o que os permite ter o discurso e a vida que têm) e a nossa autonomia individual (que é a fundamental) está longe de ter sido conseguida. Na lógica deste frenesim autonomista, ainda há pouco tempo num programa surreal da ainda mais surreal (pelo menos no custo) RTP Açores, uns moços iluminados discutiam o significado da "Nação açoriana", nem mais!
Não vejo nada de sobrenatural em ter nascido nos Açores como os Media, a cultura (exageradamente subsidiada pelo governo regional) as comunidades (uma secretaria inteira para levar e trazer a cultura aos açorianos) os políticos, etc., me querem fazer crer. Sou açoriano porque sou humano, e não o contrário. E se bem que compreenda a defesa da qualidade de vida da província feita neste blog por PVC, não deixa de ser para mim verdade que os seis anos que vivi em Lisboa contribuíram muito mais para a minha identidade do que todos os que aqui vivi. Sem conhecer algum cosmopolitismo seremos sempre menores e incompletos. É nas grandes cidades, em contacto com a diferença, com a Cultura, com a multidão que se desenvolve e se reconhece a importância do auto-conhecimento. Nas grandes cidades é-se um indivíduo que constrói a sua identidade; aqui, tem-se a identidade que o destino nos deu; e aqueles a quem o destino tramou dificilmente serão algo na vida.
Temos autonomia política e ainda bem, mas não temos tudo, nem está tudo cor-de-rosa. O que as pessoas precisam, aqui e em qualquer parte do mundo, é de autonomia individual; de capacidade de pensar por si e de, na medida do possível, decidirem sobre as medidas que lhes dizem respeito. Pôr os açorianos a votar numas pessoas já escolhidas por uns partidos para legislar respeitando uma constituição nacional pode dar azo a grandes discursos mas não esvazia aquilo que é possível fazer para alterar o que está mal.


(LFB)

sábado, 3 de junho de 2006

EL SUEÑO

Si el sueño fuera (como dicen) una
tregua, un puro reposo de la mente,
¿por qué, si te despiertan bruscamente,
sientes que te han robado una fortuna?


¿Por qué es tan triste madrugar? La hora
nos despoja de un don inconcebible,
tan íntimo que sólo es traducible
en un sopor que la vigilia dora


de sueños, que bien pueden ser reflejos
truncos de los tesoros de la sombra,
de un orbe intemporal que no se nombra


y que el día deforma en sus espejos.
¿Quién serás esta noche en el oscuro
sueño, del otro lado de su muro?


Jorge Luis Borges, 1964

segunda-feira, 29 de maio de 2006

Imagens da mostra de cinema antigo feito nos Açores







O mais antigo filme - 1927 - que se conhece feito em Angra pelo 'fotógrafo Lourenço' revelou alguns aspectos curiosos. As pessoas sempre muito bem vestidas ocupam toda a estrada como se ela fosse apenas sua. Hoje fazem-no os carros - esses objectos que vistos (ou não vistos) naquela distância são monstruosos, e são-no em parte por terem ocupado totalmente a estrada e até os passeios (haverá alguma razão para já não se fazerem passeios nas estradas?)

As pessoas olham para a câmara como se ela fosse um outro com o qual se pode brincar, ou então como um objecto estranho do qual se deve fugir a correr.

Os filmes de propaganda política, e simultaneamente turística, das visitas dos presidentes Carmona (1941) e Américo Tomás (1963) às "ilhas adjacentes" mostram como tudo então estava sob controlo. Desde o momento da partida em Lisboa - Salazar sempre sorridente à partida e chegada dos presidentes (como se mais de vinte anos não se tivessem passo entre as duas viagens)- todos acodem aos Portos (nas Flores, só uma pessoa, por estar gravemente doente, não compareceu); todos batem palmas, todos gritam 'aqui também é Portugal', todos sorriem alegremente e atiram literalmente flores à cara do presidente e seus acompanhantes.
Pelo meio houve também uma visita do presidente craveiro Lopes (1957?), mas desta visita não se viu documentário; estaria o regime demasiado ocupado com a onda gigante Humberto Delgado?

O filme sobre os Capelinhos é obra de arte feita por cientistas (Orlando Vitorino) que aparecem com aquele ar de pessoas sábias que desejam saber.

Continuo sem ter revisto "Quando o mar Galgou a Terra".














sábado, 27 de maio de 2006

A propósito de uma conversa

Acabei há pouco de conversar com a minha professora de MOP (Métodos de Observação em Psicologia): discutimos o estado do ensino superior, particularmente na nossa faculdade.
Formada em Inglaterra, a minha revolucionária - e brilhante- professora não consegue compreender uma série de coisas absolutamente incomcebíveis que acontecem por aqui:


1- Quando cá chegou de Inglaterra (há 4 anos), propõs-se a trocar impressões com os restantes docentes do 1º ano, de forma a promover um ensino integrado e sustentado, onde convergissem métodos e conteúdos; "Só consegui gerar más vontades". Os professores (a maioria, porque há, pelo menos na minha opinião, algumas excepções a confirmar a regra)não falam uns com os outros! Cada um faz o que quer e o que bem (ou mal?) entende, sem sequer lhes ocorrer que os alunos afinal existem!


2- Vou exemplificar: no primeiro semestre, o outro professor de métodos incumbiu-nos de procurar e ler artigos científicos, de modo a estabelecer diferenças entre artigos qualitativos e quantitativos; para que pudéssemos fazê-lo, disponibilizou um diagrama com as principais características dos métodos quantitativo e qualitativo, mas sem que explicasse qualquer uma delas. Deu-nos um prazo para submetermos o trabalho na internet. Até boje ninguém ouviu dizer- e estamos no final do 2º semestre!- que se tivesse corrigido qualquer trabalho (porque, como este, existiram outros!). Como aprender se não há qualquer feed-back por parte do professor?


3-Mais gritante do que esta demonstração de incopetência, só o desempenho do professor das aulas práticas de Introdução às Ciências Sociais(ICS): encomendou-nos um trabalho apropriado para alunos do 3º ano, sem que tivessemos quaisquer conhecimentos, quer metodológicos, quer estatísticos que nos permitissem elaborar um questionário minimamente decente e fazer as análises adequadas após a recolha de dados. Nunca nos deu uma orientação esclaredora acerca de nada; pelo menos em duas das aulas, entregou a folha de presenças e desapareceu, deixando-nos ao sabor do vento, ou melhor ao sabor da incerteza e desconhecimento...
É no final do ano, após as apresentações, que vêm as criticas: deviam ter feito isto ou aquilo, ter feito esta ou aquela análise, quando nunca tinha falado da sua existência e muito menos da sua importância!


4- Mesquinhez, complexo de superioridade são características comuns entre os todo-
-poderosos detentores do conhecimento e do destino dos (pobres) alunos.
"Os psicólogos cognitivos têm a mania que são melhores que os sociais... Mas sem bolbo raquidiano não existiam as actividades mentais superiores!" (Professor das teoricas de ICS). Como é possível dizer isto numa aula? Classificar como "melhor" ou "pior" duas áres da Psicologia, quando abrangem domínios diferentes, mas complementares?


5- "Eu sou um ser estranho, ameaçador", diz a professora de MOP, afirmando que não fala com os outros professores porque a maioria encara-a como uma ameaça à estabilidade, como o rosto da "perigosa" mudança.


6- Um colega invisual; apenas dois professores (a de Métodos, o de Epistemologia) se preocuparam em entregar-lhe pessoalmente apontamentos e em perguntar-lhe como preferia fazer o exame. Como é possível esta insensibilidade, esta descriminação por parte de Psicólogos?!


7- Mas não são só os professores o símbolo da incompetência e do individualismo; nós alunos também somos responsáveis por esta situação...
Um estudo recentemente divulgado pela Faculdade de Psicologia da Universidade de Coimbra revela que o estudante de hoje é profundamente individualista e que raramente se interessa pelos problemas académicos. Isto é absolutamente condenável. Moral da história: Cada um que se desenrasque! Durante o ano ouvi coisas como "espero que o professor goste" ao invés de "espero que o trabalho esteja bem feito". Agradar é o fundamental. Sorrir para o professor é imprescindível. A qualidade não é critério.
Nesta faculdade, as chamadas "comissões de curso" tratam da essencial viagem de finalistas, das festas, de assuntos relacionados com a praxe. Quanto a assuntos relacionados com as disciplinas (material necessário, esclarecimentos sobre assuntos académicos), nada.

8- "Em Inglaterra, os professores o que querem é que os alunos sejam melhores que eles, que os suplantem(...)Eu já presenciei professores desta faculdade a chamarem de burros alunos de mestrado e de doutoramento!"


9- Como é possível ambicionar um país desenvolvido, quando nas próprias universidades públicas se vive uma espécie de impotência (e de desinteresse) por parte dos alunos, paralelamente a uma atitude autoritária e irresponsável por parte de muitos professores, sem que estes sejam responsabilizados? Não deveriam as universidades ser percursoras do espírito científico, do espirito democrático?


(D.O.)

sexta-feira, 26 de maio de 2006

O cinema e as ilhas dos Açores este fim de semana no CCCAH.
Filmes antigos, documentários, ficção e publicidade são alguns dos temas que esta mostra de cinema oferece, terminando com a ficção Quando o Mar Galgou a Terra que julgo ter visto numa das primeiras emissões da RTP Açores embora, para além do título e de uma vaga ideia de mar a preto e branco, não me lembre de nada. Certamente uma boa forma de percebemos melhor o que somos através do registo daquilo que fomos e da forma como fomos vistos pelos outros.
(LFB)

A dizer

Alvíssaras às germinadas farpas de Policloreto de Vinilo, este, que um dia desafiou os heróis do povo a descalçar os ténis perante a besta tauricórnea.
À moda de Sophia: vemos, ouvimos e lemos, não podemos ignorar(!) logo, encaremos, falemos e escrevamos, sim devemos actuar!
Satisfaz-me a lógica poética deste PVC.
Hei dito.
(LE)

quinta-feira, 25 de maio de 2006

Apesar da hora avançada...

Vi! Foram de uma fraqueza extrema as declarações do Sr. Carrilho, atingindo o "fundo do poço" quando fez aquele triste apelo ao currículo, já na fase de desespero...
É profundamente lamentável a pobreza argumentativa daquele senhor que, já não sabendo para onde se virar, diz "Olhem para o meu currículo!", como se este conferisse algum tipo de credibilidade ao livro e ao que nele expõe e defende! Não o li (nem vou ler) mas bastaram algumas frases (lidas por Pacheco Pereira) para compreender a sua péssima qualidade.

Foi absolutamente fantástica a a viragem do seu discurso: ao ser bombardeado pelas críticas, quis fazer parecer que, com este livro, pretendeu contribuir para a discussão sobre os problemas do jornalismo e o papel das agências noticiosas em Portugal, quando era óbvia a intenção de se vitimizar fazendo uma série de acusações com base numa nuvem de suspeitas...


Só não compreendo porque dedicaram um "Prós e Contras" inteirinho ao livro deste senhor...


(D.O.)

quarta-feira, 24 de maio de 2006

Bons mas incompletos




Em relação à colecção 'Compreender' que é oferecida pela vossa revista gostaria de manifestar a minha indignação pelo facto de nos últimos dois volumes oferecidos – A Globalização e O Terrorismo – ter sido amputado o capítulo das referências bibliográficas (ou das leituras suplementares, como queiram chamar-lhe). Que retirem o índice analítico (como têm feito com os volumes anteriores) é errado mas suportável, agora que retirem as referências que o autor usou e sugere é não só diminui-lo perante aqueles que desconhecem o livro original, como é dificultar o acesso a um maior aprofundamento do tema. Será que a vossa revista assume a responsabilidade por esse erro, ou o erro é apenas das Edições quasi?

email enviado à revista Sábado
(LFB)

segunda-feira, 22 de maio de 2006

Pelas ruas do Porto

Na segunda maior cidade portuguesa, cidade que se apregoa civilizada, há algo que salta à vista em todas as suas ruas (pelo menos nas que passei): anúncios de produtos tão diversos (desde água até Rock in Rio) cujas/os modelos aparecem de cuecas e em ângulos mais ou menos idênticos.

E eu pergunto-me: durante quanto tempo mais serei obrigada diariamente a ver a roupa interior destas criaturas? Será o apelo constante e invasivo a instintos - básicos!- humanos sinal da tão reclamada civilização?



(D.O.)

quarta-feira, 17 de maio de 2006

iniciativa legislativa inédita

A notícia é digna de registo, nem que seja pela originalidade: pela primeira vez em Portugal, um grupo de cidadãos conseguiu fazer com que um projecto lei fosse hoje discutido na assembleia nacional. Apesar de exigir 35 mil assinaturas, significa que, em democracia, nem todos os processos estão fixados, significa abertura política das instituições e significa que os partidos nem sempre são necessários.

E nas assembleias regionais dos Açores e da Madeira quantas assinaturas serão necessárias para propor uma discussão legislativa?



(LFB)

terça-feira, 16 de maio de 2006

Um verdadeiro teste


A ser verdade, a notícia - até agora apenas dada pelo jornal A União - de que os professores terão que passar 35 horas nas escolas constitui um teste real a todos os envolvidos ( ainda que seja necessário ressalvar algum populismo anti-professores que a notícia denota e alguns pontos que ela não esclarece).


1) É um teste aos professores e à sua capacidade de resistência; será que vão anuir, como vem sendo seu hábito, sem sequer se manifestarem? Nas escolas já se ouvem alguns dizer como é que vão organizar a sua vida em função dessa nova imposição, estes já dão a medida por aceite. Todos terão que, muito por culpa própria, passar pelo vexame de serem igualados a meros funcionários que fazem fila enquanto esperam pela hora de picar o ponto. Será que vamos aguentar?


2) É um teste às escolas e seus conselhos executivos (estes, de certa maneira, são pagos para anuírem em silêncio); se no ano lectivo que decorre os professores ocuparam todos os espaços de trabalho dos alunos (bibliotecas, salas de alunos, etc), imagine-se o que acontecerá se todos tiverem que passar 35 horas nas escolas. Antevejo atropelos, empurrões, maus-olhados, aulas e correcção de trabalhos preparadas nas piores condições imagináveis: ruídos de todo o tipo (desde gritos, até telemóveis, passando pela audição das desgraças da vida privada que os/as colegas contam uns aos outros/as), campainhas estridentes de 45 em 45 minutos, etc. Em casa está-se melhor, mas se é para degradar ainda mais o ensino, se é apenas para se ser funcionário público (sem o título de professor) vamos a isso. Assim nunca mais chegamos à Finlândia, mas vejamos a coisa pelo lado positivo: assim já não se leva trabalho para casa! Até digo mais: assim já não se trabalha, tem-se um emprego. E é isso que todos queremos, não é? A ideia, ou o ideal, de haver gabinetes individuais de trabalhos para professores é do mais surreal que se possa imaginar. Nem as universidades conseguiram isso quanto mais escolas com centenas de professores. Vamos todos trabalhar ao magote, que a mais não estamos obrigados nem a mais somos capazes.


3) É um teste ao próprio idealista legislador Álamo Meneses que, tendo saído por cima do anterior conflito, voltará a ser confrontado com os agora serenos sindicatos (com os quais ele sabe bem lidar, veja-se o ponto seguinte) e, provavelmente, terá que levar mais um puxão de orelhas de Carlos César que, aquando da aplicação do diploma que obriga os professores a permanecer mais horas nas escolas não se sabe bem a fazer o quê (no meu caso fico sentado a cansar-me numa sala de alunos a vê-los entrar e a sair; dado o barulho é difícil fazer o que quer que seja), veio a público dizer que 'se os professores não têm onde se sentar não necessitam de estar nas escolas'.


4) É um teste aos sindicatos que ainda agora se revelam contentes com os resultados das negociações (a estratégia de Álamo Meneses de tirar muito com uma mão e depois dar um pouco menos com a outra tem se revelado frutífera); a componente não lectiva seria apenas de mais duas horas contra as quatro (ou serão seis?) actuais, os cargos seriam todos pagos; dar mais uns tostões aos professores é sempre uma medida recebida com agrado; o preço a pagar é que nem tanto. Este - que até ditador (se calhar com razão) chamou ao secretário - na sua última revista de informação em papel (não disponível no site) revela-se satisfeito com a "abertura" e "dignidade" manifestada pela administração. Que dirão agora?


Será a notícia verdadeira? Até agora ainda não ouvi ninguém dizer que não é.

(LFB)

segunda-feira, 15 de maio de 2006

Uma guerra de Esquerda



Para ler com atenção redobrada, um texto de 2004 de Paul Berman (um liberal de esquerda, coisa que os europeus têm dificuldade em compreender) que mostra porque é que a guerra do Iraque é uma guerra anti-fascista de esquerda.
(LFB)

quarta-feira, 10 de maio de 2006

Excesso de peso

A coisa deve ter-se passado mais ou menos assim:

- Oh sô Zé, não quer ir pôr-me esta cartinha no correio? Aqui tem uns tostões pra pagar isto...

(...)
Já nos correios:

- Boa tarde, queria mandar esta cartinha... É pro ministério da educação.

- Sim, claro: dê-me cá isso pra eu pesar... São 15 tostões, por favor.

- Desculpe lá, o meu patrão só me deu 14... Fica pra segunda! Adeusinho e bom fim-de-semana!


E foi o excesso de peso, mês amis, que impediu a FPCEUP (Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto) de ser abrangida pelo Tratado de Bolonha...


(D.O.)

terça-feira, 9 de maio de 2006

GERMINAÇÕES


São pelo menos 4 : Um ministro, um benemérito cidadão, uma líder de movimento cívico e mais um outro sujeito que nem sei quem é, só sei que não vai com a argumentação do ministro. Estão os 4, num canal de televisão, a debater a questão do encerramento das maternidades !...
É mesmo de adormecer ...
Muito civilizadamente, cada um na sua, sem arredar pé das suas convicções, tipo combate de focas : sem saír do lugar.
Deveriam mas é ir ao botequim, ou ao bar da sociedade filarmónica ver como é que se debate uma coisa dessas ! Trak !Ptrek ! Com'a quem bate pedras de dominó ! Isso sim, é que é botar palavra !... E contar pontos... que naquele estúdio ninguém ganha, ficam todos empatados, com os palhitos quietos nos pontos. Fica tudo na mesma... Isso não é vida pr'a quem tem de se levantar cedo e pegar numa lavoira...
Muito sinceramente, acho que a combater a desertificação do interior não se faz com SCUTS, que só serve para baixar temporariamente os índices de desemprego da mão-de-obra não qualificada; se calhar, se mantivessem as maternidades a funcionar lá onde germinam jovens casais, mesmo que poucos, talvez isso fosse melhor, do que obrigá-los a ir para a cidade, a enfiarem-se num trabalho de manhã à noite, a enfiarem um rebento na creche, ou na ama, enfiarem-nos num bloco de apartamentos com pão-quente e café no rés-do-chão, vista sobre a urbanização feia de matar, enfiarem-nos ao fim-de-semana a deambular pelos centros comerciais, naquela pasmaceira zombie de quem não vai comprar nada, porque naquele lugar de acrílicos e halogéneo não se vende avós, nem borralho e pão caseiro, nem caminhos de pedra e lama fresca, nem pássaros com céus e ninhos, nem urze e tojo bravio, nem outros cheiros que não sejam metidos dentro de frasquinhos caríssimos, nem ecos de granito, nem fontes, nem foguetes, nem romarias, nem fogos de Verão ...
Estamos entregues aos estudos técnicos, às estatísticas e ao germicida ...

(PVC)

segunda-feira, 8 de maio de 2006

AULA ABERTA

ESCOLA SECUNDÁRIA VITORINO NEMÉSIO
FILOSOFIA.
A actividade está relacionada com a passagem dos 32 anos sobre o 25 de Abril de 1974 e consistirá numa AULA ABERTA subordinada à seguinte questão: “O que é a liberdade nas democracias e o que é que as escolas têm a ver com isso?”.

Sumário: Tentativa de relacionar quatro conceitos fundamentais da nossa cultura política: ‘liberdade’, ‘democracia’, ‘privado’ e ‘público’. Exposição de algumas contradições resultantes dessa relação e destaque para o modo como elas estão presentes na vida de uma escola.

Data: 9 de Maio de 2006
Hora: 14:15 às 15:45
Local: biblioteca da escola
Professor: Luís Filipe Bettencourt
Assistência: Ensino secundário em geral, 10º ano em particular.

Enquanto

Enquanto penso no que queria agora ler,
não estudo.
Enquanto penso se me apetece estudar,
não estudo.
Enquanto penso no que tenho para fazer,
não estudo.
Enquanto penso na importância do que estudo,
não estudo.
Enquanto penso no que realmente quero saber,
não estudo.
Enquanto penso se realmente sei ou saberei alguma coisa,
não estudo.
Enquanto penso,
não estudo.

(D.O.)

Ainda acredito na educação (embora cada vez menos)

porque depois de ler os motivos de depressão de um professor, sei que fiz bem em leccionar o programa do 11º ano de Filosofia a partir do Mil Novencentos e Oitenta e Quatro de G. Orwell e do Admirável Mundo Novo de A. Huxley. Sei que é possível ser inovador, ousado, desobediente e arriscado - numa palavra: ANORMAL - no ensino secundário. E sei que isso é que faz a diferença. Embora a corrente nos puxe em sentido contrário. Sei que existem ex-alunos meus que estão neste momento na Universidade e sabem quem foi Orwell e o que é o Big Brother. É claro que essa turma foi excepcional. Mas outras virão - e é isto que que me faz acreditar ainda na educação.


(LFB)

domingo, 7 de maio de 2006

Que quimera é o homem? Que novidade, que monstro, que caos, que sujeito de contradição, que prodígio! Juiz de todas as coisas verme imbecil; depositário da verdade, cloaca de incertezas e de erro; glória e nojo do universo. Quem deslindará esta embrulhada?

Pascal

sexta-feira, 5 de maio de 2006

De uma pergunta pode nascer um mundo!

E, eu também, "desta não me livro".
Como se já não tivesse "saga" para me coçar.
E a "chamada vida real" - a "normal" ou a minha que não tua mas também?!
(LE)

Da Vida Normal

Sempre me fascinou a utilização do adjectivo "normal". Não por apreciar de forma especial qualquer das suas características (pressupõe pertença a uma maioria, uma certa constância, entre outras), mas pela carga emocional/moral que acarreta.
Este belo adjectivo, tão pesado e robusto, enobrecido pela importância que lhe é atribuida, é ainda a esperança e a confiança de muitos!

Eu sou normal. (Sensação de segurança, de estar no caminho certo, de ter como fundamento uma base sólida de milhões que fazem, pensam o mesmo que eu. Eu quero ser normal, ter uma vida normal.)

Indissociável da normalidade está a utilidade. Sou pragmático, faço quando obtenho, especialmente quando obtenho rapidamente. O resto é perda de tempo.
Ora, "exprimir(...) pensamentos e ideias que não nos levam a lado algum!" não é normal. Isto para não discutir acerca do que se pode considerar "lado algum". Não vale a pena... O "Lado algum" também é abrangido pelos dogmas da normalidade: fazer alguma coisa de palpável, que altere rapidamente de modo observável o que nos rodeia de modo a justificar a minha acção. Assim vale a pena.

(Nota: quase nunca uma acção tem repercursão rápida, a não ser as de natureza elementar como comer, por exemplo.)

O que é isso de vida normal?
Parece que já tenho uma resposta: uma vida normal não contempla que pessoas normais, por qualquer motivo, dediquem algum tempo a "exprimir ideias, demonstrar ao mundo absurdos, coisas inexplicáveis". Estas práticas jamais podem ser integradas no conjunto de possíveis actividades rotineiras! Porquê? Haverá nelas algo de extraordinário, quando consistem apenas em olhar o mundo, as pessoas e o modo como ambos se articulam e tentar compreender/interpretar relações? Não será simplesmente inevitável fazê-lo quando se pensa, quando se vive? Não estará a escrita tão perto da mão? E as ideias, não são o combustível da mente? E não é precisamente tudo isto que nos distingue do restante mundo vivo, o que nos confere humanidade?


(D.O.)
Comentários dos leitores

"Este site mostra a vida ? a filosofia? ou simplesmente a filosofia da vida? Pensando melhor parece que três pessoas se juntaram para exprimir ideias, demonstrar ao mundo absurdos, coisas inexplicáveis ou então pensamentos e ideias que não nos levam a lado algum! E no fim descem todos à terra e voltam às suas vidas do dia-a-dia, à chamada vida real ! "

Bruno Ázera

domingo, 30 de abril de 2006

o livrinho grátis


A revista Sábado oferece todas as semanas (um livro por semana e durante oito semanas) aos seus leitores, sem que se tenha que pagar mais por isso, livrinhos introdutórios extraordinários; os autores são autoridades na matéria, os livros são muito bem escritos e contém ilustrações ilucidativas e informativas o que torna a leitura leve e interessante, os temas são actuais...
Os originais ingleses sempre foram para mim importantes e fascinantes. Fazem parte de uma reformulação que a Oxford University Press a bom tempo submeteu à sua velha colecção de introduções a grandes personalidades intitulada "Past Masters" (a introdução a Wittgenstein de A. C. Grayling, ou a introdução a Machiavelli de Quentin Skinner são dois exemplos que me marcaram pela clareza, rigor e capacidade de se fazer entender). Em Portugal, nos anos oitenta, a editora Dom Quixote traduziu alguns destes livros numa colecção que intitulou "Mestres do Passado", mas as traduções eram más e as revisões simplesmente inexistentes ao ponto de nunca conseguirem ser uma substituição digna do original inglês (embora mantivessem o precioso índice analítico). A referida reformulação da O.U.P. passou por um novo grafismo (muito melhor e muito mais atraente que o da "Past Masters") ao qual a edição portuguesa se mantém fiel; por dar um novo título à colecção – agora designada de "A Very Short Introduction"; e por alargar o seu âmbito a temáticas e já não apenas a autores, bem como por incluir novos títulos. Desta nova colecção já li e recomendo Democracy de Bernard Crick (publicado pela primeira vez em 2002 e que irá ser oferecido pela Sábado, a mim custou-me 15 euros, incluindo transportes!) e Anarchism de Collin Ward (2004).
As traduções portuguesas agora oferecidas trazem também a chancela da editora Quasi e a cedência de licença da Editorial Temas e Debates, o que indicia que se calhar iremos ter em português mais títulos do que os oito agora anunciados. Pelo que me apercebi da leitura da primeira oferta – O Alcorão – a tradução e a revisão parecem cuidadas o que é um bom presságio. Só é pena que uma peça tão boa tenha sofrido a amputação do índice analítico. Nunca compreendi a razão que leva tantos editores portugueses a cometer tal acto. Será que mais duas ou três páginas encarece assim tanto o resultado? Será por descuido? Será por pensarem que essa parte do livro não interessa?
Vou enviar este post aos editores pode ser que me saibam responder (presunção minha) ou, melhor ainda (e maior a presunção), que o dito índice seja incluído nos próximos volumes.



(LFB)

quarta-feira, 26 de abril de 2006

sábado, 15 de abril de 2006

uma religião refundada



Não será a recente descoberta do evangelho de Judas suficiente para refundar a religião cristã? Para recomeçar a contagem do zero outra vez? Um Jesus que ri à gargalhada, um Judas descrito como o apóstolo dos apóstolos, uma crucificação ausente e os especialistas a afirmar que a verdade acerca do que realmente se passou nunca será descoberta, parece-me suficiente para repensar os principais dogmas do cristianismo.


(LFB)

quinta-feira, 13 de abril de 2006

A invenção da "nossa vida"

Um das causas da doença da República e dos parlamentos (nacionais e regionais) é precisamente a invenção da vida privada e as suas nuances contemporâneas. Pode ser-se presidente da Republica, presidente de uma região autónoma ou de um parlamento, pode ser-se deputado, secretário, director regional, professor, médico, ou até dirigente sindical, etc., mas não se deixa por isso de ter a "nossa vida" e esta não deixa de ser mais importante e de estar acima da nossa vida pública; embora, nestes exemplos, seja esta o sustento daquela.
Vem isto a propósito da recorrente inferiorização da classe política que se revela em actos nacionais como a falta de quórum de ontem na assembleia nacional (e falta de ética, muitos deputados assinaram mas não estiveram presentes) e em actos regionais como o episódio discutido no plenário do mês de Fevereiro, relacionado com o facto de alguns deputados terem sido acusados por outros de não fazerem nada; até se poderia dizer que a discussão foi acerca do facto de nada haver para se fazer no parlamento regional. Houve um deputado que respondeu – como que a corroborar a ideia aqui esboçada – que se era para não fazer nada ele tinha coisas mais importantes para fazer em sua casa! O problema é que todos temos a nossa vida e esta tornou-se mais interessante (porque nos dá mais prazer) e mais viciante (porque exige muitas compras) do que qualquer assunto público, até mais importante do que a aprovação de leis em assembleia nacional.
Os gregos clássicos – que pensaram profundamente a democracia – tinham parte desse problema resolvido porque entregavam as questões da economia privada às mulheres e aos escravos ('economia' significa etimologicamente as leis da casa) e porque ligavam o ideal democrático à liberdade exigindo que qualquer homem que se quisesse dedicar ao serviço da polis (a vida virtuosa por excelência) fosse livre o suficiente para isso; quer dizer, tivesse liberdade política para participar nas decisões colectivas, mas também que tivesse liberdade privada, que pudesse viver como quisesse. Aí era o exercício da cidadania activa que conferia direitos políticos; se não se fosse capaz de exercer a cidadania (como se julgava ser o caso das mulheres e dos escravos) não se era simplesmente cidadão. Em muitos aspectos somos mais romanos (foi a Roma, e não à Atenas democrática, que os revolucionários republicanos do século XVII foram buscar inspiração política para acabar com os monarquias) do que gregos, e conseguimos alargar a cidadania ao ponto de já não sabermos bem o que ela significa. Tal como os romanos, procuramos estabelecer regras de equilíbrio entre os governantes (a classe dos senadores) e os governados (o populus) mas, de alguma maneira, perdemos a confiança nos políticos. Aqui surge um problema fundamental: o que fazer quando os cidadãos de uma republica democrática deixaram de confiar naqueles que foram escolhidos para serem os dirigentes da nossa vida comum?

(LFB)

terça-feira, 11 de abril de 2006

O valor da vida

O protesto e a marcha de indignação que se realizaram na ilha Terceira no passado fim-de-semana, relacionados com a morte inesperada de uma jovem de 17 anos por alegada negligência médica (a jovem foi por várias vezes ao serviço de urgência do Hospital tendo sido mandada para casa com diagnóstico de gripe) e as exigências serenas e razoáveis (o que é difícil perante uma tragédia desta natureza) que se ouviram por parte dos manifestantes – que nas urgências sejam tratadas como "pessoas e não como animais"; que as autópsias sejam feitas por médicos de fora; que se acabe com o corporativismo nos hospitais; isto é, médicos a proteger médicos, entre outras – são uma demonstração (ainda que pelas razões mais trágicas que se possam imaginar) do que se pode, e do que se deve, fazer para exibir o nosso descontentamento perante o ultraje que é ser mal atendido por um médico do sistema nacional de saúde. Independentemente de haver, ou não, neste caso concreto, negligência médica, o facto é que existem problemas graves no atendimento médico público. Muitas das pessoas presentes na manifestação e que deram a cara, tinham sido também elas vítimas de descuidos médicos. Todos nós temos o poder de protestar e de exigir que cada um cumpra bem a sua função. Este acontecimento mostra que as pessoas, se unidas em torna de um problema que as afecta, só por si – independentemente dos partidos – são capazes de chamar a atenção para o que está mal e de fazer exigências razoáveis para o melhorar. O que se irá seguir a isto, ninguém sabe. Pode até ser que tudo fique na mesma; que quem pode seja atendido nos consultórios, e que quem não pode seja atendido nas urgências. Que as pessoas continuem a formar-se em medicina, não por vocação e dever de ajudar os outros, mas por ser uma profissão economicamente muito gratificante. Os médicos têm muito poder (mas as pessoas também!), o tempo apazigua o sofrimento e o dia-a-dia transmite-nos a ilusão da normalidade. Mas o facto de um movimento civil se erguer contra as injustiças e de falar, e bem, para a comunicação social demonstra que, contra o que muitos nos querem fazer querer, outros caminhos para a justiça, que não apenas os traçados pelos políticos de secretária, são possíveis.

(LFB)

domingo, 2 de abril de 2006

o tubo de Santa Catarina










Santa Catarina é uma praia de basalto venerada pelos surfistas e localizada no cabo da praia, ilha Terceira. É considerada a praia com melhores tubos dos Açores e uma das melhores de Portugal. Ontem assisti a um encontro dos 'cavaleiros das ondas', um movimento de surfistas local que alerta para os perigos que o seu santuário sofre. São dois esgotos que lá despejam as suas águas – um do matadouro e outro vindo da fábrica de conservas. Para além disso, a zona circundante foi invadida por tetrápodes, esses gigantes pés de galinha de cimento que aguardam a sua vez para irem quebrar as ondas lá mais fora. Enquanto isso, à nossa volta a costa visível perde a sua beleza natural.
Ontem, infelismente, o mar não permitiu que as pranchas entrassem na água; "Mortífero" foi como o classificou um dos presentes. Só os "bifes" (americanos que por ali aparecem) são ingénuos o suficiente para entrarem ali com um mar destes. No dia anterior, com um mar semelhante, estiveram lá dois "bifes"; resultado: duas pranchas partidas, um ombro descolado e alguns cortes e arranhões.

(LFB)

terça-feira, 28 de março de 2006

Freakonomics e a educação - alguns comentários

Freaknomics é um livro surpreendente e interessante sobretudo pela forma inovadora com que trata de assuntos que regra geral não aparecem tratados pela Economia; no livro é definida como "o estudo dos incentivos: a explicação de como é que as pessoas conseguem o que querem, sobretudo quando as outras pessoas querem ou necessitam das mesmas coisas" (p.20).
Muito se tem escrito acerca da frescura inteligente (uma novidade na Economia) das questões que o livro coloca – por exemplo, "o que é que os professores têm em comum com os lutadores de Sumo?" – bem como acerca das suas polémicas teses – por exemplo, acerca da sua tese de que a legalização do aborto nos EUA (estabelecida em 1973 através da decisão Roe vs Wade do supremo tribunal) terá contribuído, em cerca de 30 por cento, para a diminuição, na década de noventa, da criminalidade violenta. Para os autores tal descoberta tem tanto de "chocante" como de irónico relembrando-lhes a frase de G. K. Chesterton "quando não existem chapéus para todos, o problema não se resolve cortando algumas cabeças" (p. 141).

Os resultados sobre a educação derivam da aplicação da técnica da análise regressiva a um enorme estudo realizado nos EUA nos anos noventa que envolveu mais de vinte mil crianças de todo o país. A análise não mostra que um factor é a causa de outro, mostra apenas as correlações existentes entre diferentes factores. Isto é importante porque, por exemplo, ter muitos livros em casa está, segundo o estudo, correlacionado com boas notas na escola, mas não significa que todas as casas que tenham muitos livros tenham filhos com boas notas, ou que seja suficiente ter livros em casa para que os filhos tenham boas notas.
Em muitos aspectos (talvez em mais do que aqueles que muitos de nós desejaríamos), e também na educação dos nossos filhos nós europeus somos muito americanos, pelo que teremos alguma coisa a aprender com os resultados que o livro apresenta.

No que diz respeito aos oito factores que influenciam os resultados escolares, não parece haver grande surpresa em relação àquilo que é o senso comum acerca da melhor forma de educar os nossos filhos. O que desperta interesse e curiosidade são alguns dos factores que, segundo os autores, não influenciam os resultados dos alunos. É o caso da família estar intacta ou não. Estudam demonstram que a estrutura familiar tem pouca importância nos resultados escolares (só nos EUA cerca de 20 milhões de crianças são criadas apenas por um dos pais) da mesma maneira que parece ter pouco influência na formação da personalidade das crianças. Estes resultados deveriam dar que pensar àqueles que por aqui usam o argumento de que a adopção de crianças por casais homossexuais seria errada porque deformaria a personalidade da criança adoptada.
Surpreendente é também a ideia de que os pais obsessivos que deixam de trabalhar até os filhos irem para a pré-escola com a ideia de que estão a cuidar melhor da educação dos seus filhos estão enganados (pelo menos na realidade americana). O mesmo se passa com os pais que levam os filhos aos museus, ou com os pais que lêem em voz alta aos seus filhos; regra geral os pais obsessivos saem mal vistos deste estudo. A educação parece dar-se mal com a obsessão educativa.
Colocar as crianças na pré-escola estatal americana (um programa de educação infantil intitulado Head Start) também não contribuir para melhores resultados na escola. Os autores sugerem que tal se deve ao facto de muitas educadoras infantis americanas não terem sequer o bacharelato e de este trabalho ser mal pago. Neste ponto estamos, parece-me, muito melhor.
Outro resultado surpreendente é o que nos diz que ver muito televisão não prejudica os resultados escolares (e ter um computador em casa também não está correlacionado com melhores resultados na escola). Muita discussão tem havido sobre este tema. Pais conservadores e obcecados com a educação dos seus filhos gostariam de proibir a TV, ainda que eles próprios tenham crescido com o aparelho e passem muito tempo à sua frente. Pais liberais e despreocupados desvalorizam os efeitos supostamente negativos do aparelho. Como comentário os autores referem a Finlândia – esse bastião da educação tantas vezes citado pelos políticos portugueses – cujo sistema educacional foi considerado um dos melhores do mundo e onde as crianças só vão para a escola aos sete anos e, regra geral," aprendem a ler por si vendo televisão americana com subtítulos em finlandês" (p. 172).

A conclusão a retirar, segundo os autores, é que na educação parece ser mais importante aquilo que os pais são (primeira lista) do que aquilo que os pais fazem (segunda lista).



(LFB)

Freakonomics e a educação



Oito factores fortemente relacionados com os resultados dos testes:

1. Os pais da criança têm formação superior (+)
2. Os pais da criança têm um estatuto socio-económico elevado (+)
3. A mãe da criança tinha trinta anos ou mais quando o primeiro filho nasceu (+)
4. A criança nasceu com pouco peso (-)
5. Os pais da criança falam inglês em casa (+)
6. A criança é adoptada (-)
7. Os pais da criança estão envolvidos na associação de pais (+)
8. A criança tem muitos livros em casa. (+)

+ = Correlação positiva
- = Correlação negativa

Oito factores que não estão relacionados com os resultados dos testes:

1. A família está intacta
2. Os pais da criança mudaram-se recentemente para um bairro melhor
3. A mãe da criança não trabalhou entre o nascimento e a entrada para o infantário
4. A criança frequentou um programa pré-escolar estatal
5. Os pais da criança levam-no regularmente a museus
6. A criança é regularmente agredida
7. A criança vê frequentemente televisão
8. Os pais da criança lêem-lhe em voz alta todos os dias.


(tr. e adp. LFB, pp. 166-168)

quinta-feira, 16 de março de 2006

"Numa democracia liberal, o desafio de uma vida ética é vivermos, enquanto indivíduos, à altura dos compromissos expressos nas nossas constituições... É também vivermos de forma que cada um de nós acredite na nossa sociedade. Num tempo onde os indivíduos são – quer pela tecnologia quer pela liberdade – monstruosamente dotados do poder de fazer cair o Armagedão sobre os seus concidadãos, a questão de haver entre nós pessoas que já não acreditam na democracia liberal e que professam uma variedade de paranóias como se de política se tratasse já não é uma questão menor. A existência de opiniões políticas selvagens, vingativas e enganadoras, quando associadas a uma tecnologia letal e na posse de um único indivíduo, tornam-se repentinamente uma ameaça para todos. Estou assombrado, e penso que todos estarão, pelo espectro dos solitários super poderosos; como se fosse uma punição inevitável resultante da preocupação moral que a nossa sociedade coloca, de forma generosa, na ideia do indivíduo."

Michael Ignatieff,The Lesser Evil: Political Ethics in an Age of Terror, p. 181. (tr. LFB)

segunda-feira, 13 de março de 2006

A serpente que morde a cauda

Agora que Nuno Crato expôs as fragilidades e o ridículo das concepções que orientaram, nos últimos trinta anos, as ciências de educação em Portugal; agora que os quadros de professores estão praticamente cheios, o governo nacional quer implementar um exame aos candidatos a professores do ensino público. Deu-se conta de que afinal nem toda a gente pode ser professor e deu-se conta de que as escolas estão repletas de professores que não sabem o suficiente para poder ensinar alguém a ler, escrever ou falar acerca do que quer que seja. A medida é gratuita e risível. Em vez de atacar as causas – como foi possível chegar a este estado de coisas? –, ataca os efeitos – como remendar os buracos criados por tal situação?
Partindo da hipótese altamente improvável de que haverá em Portugal alguém capaz de conceber um exame que realmente separe o trigo do joio, não se percebe por que razão não se há-de realizar um exame também a candidatos a professores do ensino superior? Não está também o ensino superior cheio de professores que não deveriam sê-lo? E não é este ensino directamente responsável pela ignorância que preenche as escolas dos outros níveis de ensino? E o que fazer com os estágios pedagógicos que, como toda a gente reconhece, não servem para nada de pedagogicamente útil e são orientados por ideias descabidas? E o que fazer com os quadros existentes? Enviá-los outra vez para a Universidade?

(LFB)

sexta-feira, 3 de março de 2006

A ler

uma explicação e argumentação acerca do modo como as democracias constitucionais liberais podem manter a dignidade dos seus cidadãos - uma visão moral da democracia onde os indivíduos têm valor intrínseco - e ao mesmo tempo dar conta do interesse da maioria em ter a segurança garantida - uma visão formal da democracia - e, mesmo assim, lutar contra o terrorismo.
O livro defende a tese de que, em certos casos, a necessidade pode exigir acções em defesa da democracia que se afastam do compromisso para com a sua própria dignidade: é a doutrina do mal menor; defende o autor que numa emergência causada pelo terrorismo nem os direitos, nem a necessidade devem triunfar. Deve procurar-se encontrar uma ética do equilíbrio e da prudência. Um meio-termo dificil de encontrar...

quinta-feira, 2 de março de 2006

A propósito da lei e da sua qualidade

o agora deputado Pina Moura veio recentemente a público dizer que as leis na República são a sua Ética. Se a lei permite que ele seja deputado e presidente de uma empresa com fortes interesses nos negócios da electricidade em Portugal, então o que ele faz é eticamente correcto. Esta identificação entre a Ética e a Lei, há muito discutida pelos filósofos, sofre de males irrecuperáveis. Se a identificação fosse boa, então não poderíamos classificar algumas leis como sendo boas ou más. O 'certo' e o 'errado' são usados na avaliação das leis e, por isso, são diferentes das leis. Por exemplo, podem haver leis que proibem coisas boas; é o caso de uma lei que proiba criticar o governo. Como também podem haver leis que decretam coisas erradas, como é o caso de uma leis que imponha a segregação racial. Pina Moura deveria recorrer à sua racionalidade e ao seu sentido de dever - ou a qualquer outra forma de avaliação de conflitos éticos - de modo a descobrir se os seus interesses pessoais estavam a colidir, ou não, com o interesse público. Ao proteger-se sob a capa da lei revelou-se um apoiante da teoria que diz que tudo o que a lei permite é correcto. Daqui a afirmar - como Eichmann, o nazi que defendeu em tribunal que se limitava a obedecer a leis superiores - "eu só o fiz porque a lei a isso me obrigou", vai um passo.

(LFB)

domingo, 26 de fevereiro de 2006

Hospital São João: grande escola de paciência

Prestígio, competência e eficácia: qualidades da considerada maior escola de medicina do país, onde trabalham arduamente alguns dos maiores nomes da àrea: Hospital São João.

Pois foi precisamente no São João que tive opotunidade de testemunhar algumas das mais inacreditáveis cenas de incompetência algumas vez imaginadas pelos mais cépticos.

Sábado, 25 de Fevereiro de 2006

16 horas e 30 minutos: passo pela triagem onde explico não suportar por muito tempo estar noutra posição que não deitada.

Cerca das 17 horas: senhora em sofrimento discute com médicos, alegando dores insuportáveis; toma dois calmantes. Adormece. Algum tempo depois, médica ao sair das urgências, embate contra a perna da paciente, (uma vez que a sala de espera consiste basicamente num estreito corredor onde se condensam cadeiras), pede desculpa e segue o seu caminho. Cerca de uma hora depois, médico chama paciente que, ao não poder andar sozinha, é socorrida nada mais nada menos do que por outra paciente (cerca de 70 anos). Tal ocorrência passa despercebida ao atento olhar médico.


Cerca das 20 horas: médico atende paciente, ao que lhe diz - tom rude, grotesco - "A senhora não tem centro de saúde?".

Cerca das 21 horas: o desespero: dores insuportáveis. Não sou atendida, aliás, neste período de 4 horas e 30 minutos, talvez o tenham sido 4 pessoas... Desisto, vou-me embora. Estado: pior que à chegada dado o suplício de estar sentada ou em pé.

Como é isto possível?
(D.O.)

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2006

Primo Levi


Agora que o anti-judaísmo ignóbil resurgiu em força e com a conivência ‘tolerante’ de alguns dirigentes políticos portugueses, vale a pena reler com atenção algumas das respostas de Primo Levi a questões colocadas pelos seus leitores.


Entrevista Retirada de: Primo Levi, “The Author´s Answers to His Readers Questions” pp.381-398, in, If This Is a Man & The Truce, Abacus, 1999.



"1. No livro não há um sentimento de ódio pelos Alemães, nem um desejo de vingança. Perdoou-os?
R: O Meu temperamento pessoal não está inclinado para o ódio. Vejo-o como animalesco e cruel, prefiro que as minhas acções e pensamentos sejam o resultado da razão (…) Se o fizesse estaria a seguir os preceitos dos Nazismo.
Acredito na razão e na discussão como instrumentos do progresso, e por isso reprimo o ódio, mesmo dentro de mim. Prefiro a justiça. Por essa razão, ao descrever o mundo trágico de Auschwitz, adoptei a linguagem sóbria e calma da testemunha, e não os tons lamentáveis da vítima nem a voz irada de alguém que procura vingança. Penso que a minha tarefa seria tanto mais útil e credível quanto mais fosse objectiva e quanto menos soasse excessivamente emocional. Só desta forma pode uma testemunha realizar a sua função em termos de justiça; isto é, fornecer elementos válidos para o juiz poder julgar. Os juízes são os meus leitores.
De qualquer modo, não gostaria que o facto de eu me abster de fazer um juízo explícito fosse confundido com um perdão indiscriminado. Não, eu não perdoei nenhum dos culpados, nem desejo perdoar nenhum deles, a não ser que eles mostrem (com acções, e não com palavras e não muito tempo depois) que estão conscientes dos crimes e erros do fascismo e estejam determinados em condená-lo (…). Só nestas condições estou pronto a perdoar.

2. Sabia o povo alemão o que estava a acontecer?

Como seria possível que a exterminação de milhões de seres humanos tivesse acontecido no coração da Europa sem o conhecimento das pessoas?
As democracias têm uma tremenda vantagem sobre os estados autoritários: toda a gente pode saber tudo sobre tudo. A informação é um quarto poder (...). No estado autoritário a verdade é só uma e vem de cima. Todos os jornais são iguais e repetem as mesmas coisas. Não se pode ouvir a rádio de outros países. Os livros são censurados, muitos são queimados, e só aqueles que agradam ao estado são publicados e traduzidos. Isto aconteceu na Itália entre 1924 e 1945, e continuou depois na Alemanha de leste (…).
Num estado autoritário é considerado permissível alterar a verdade; reescrever a história retrospectivamente, distorcer as notícias, suprimir a verdade, adicionar o falso, a propaganda substitui a informação. Nestes estados não se é um cidadão com direitos, mas sim um sujeito, e como tal deves ao estado uma lealdade fanática e uma obediência cega. Nestas condições torna-se possível apagar pedaços da realidade. Hitler e o seu ministro da propaganda (Goebbels) tornaram-se especialistas nesta tarefa de controlar e mascarar a verdade.
Contudo, não era possível esconder do povo alemão a existência de campos de concentração. Nem tal era necessário do ponto de vista dos nazis. Criar e manter no país uma atmosfera de terror indefinido fazia parte dos objectivos dos nazis. Centenas de milhares de alemães foram presas nos campos desde os primeiros meses do nazismo: comunistas, social-democratas, liberais, judeus, protestantes, católicos. Todo o país sabia disso e sabia que nos campos sofriam e morriam pessoas.
Mas não deixa de ser verdade que a grande maioria dos Alemães desconhecia os detalhes das enormes atrocidades que ocorreram mais tarde nos campos. Nomeadamente a exterminação industrializada numa escala de milhões; as câmaras de gás; os fornos crematórios, o despojo perverso dos corpos. Tudo isto deveria permanecer desconhecido, e de facto poucos foram os que souberam disso antes do fim da guerra. Para manter o segredo, só certos eufemismos – estudados cuidadosamente – eram usados: não se escrevia “exterminação”, mas sim ”solução final”; não “deportação, mas sim ”transferência”, não “gás mortal”, mas “tratamento especial”, e por aí a fora. (…).
O relato que, a meu ver, melhor retrata a situação alemã na altura é o de Eugene Kogon, que passo a citar:

“… e contudo não havia um único alemão que não soubesse da existência dos campos ou que acreditasse que eles eram sanatórios … todos os alemães foram testemunhas da barbárie anti-semita. Milhões estiveram presentes – com indiferença ou com curiosidade; com desdém ou com uma alegria maligna – na destruição de sinagogas pelo fogo, ou na humilhação de judeus que se tinham que ajoelhar no meio das ruas enlameadas.”

(…) A maioria dos alemães não sabia porque não queria saber. É verdade que um estado terrorista é uma arma muito forte, muito difícil de resistir. Mas também é verdade que o povo alemão como um todo não quis, nem tentou, resistir.
Usava-se um código na Alemanha de Hitler: aqueles que sabiam não falavam; aqueles que não sabiam não perguntavam; aqueles que faziam perguntas não recebiam respostas. (…) Saber e fazer com que as coisas fossem conhecidas era uma forma de uma pessoa se manter afastada do nazismo. Penso que o povo alemão não procurou este recurso e para mim são totalmente culpados desta omissão deliberada.

3. Como pode ser explicado o ódio fanático dos nazis pelos judeus?

O anti-semitismo é uma forma particular de intolerância; durante séculos teve um carácter mais religioso. Essa intolerância foi espalhada por toda a Europa pela eficiência da propaganda nazi e fascista que necessitava de um bode expiatório para carregar todas as culpas e ressentimentos (…). Mas estas explicações não me satisfazem, são redutoras, e não proporcionais aos factos que necessitam de explicação. (…).
Eu partilho da humildade de alguns grandes historiadores que confessam não compreender o anti-semitismo de Hitler e da Alemanha que o suportava. Talvez não se possa, ou melhor não se deva compreender o que aconteceu, porque compreender é quase justificar. “Compreender” uma proposta, ou um comportamento, significa abrangê-la, pôr-mo-nos no seu lugar, identificarmo-nos com ela. Nunca nenhum ser humano normal será capaz de se identificar com Hitler (…) Isso desanima-nos, porque não compreendemos, mas ao mesmo tempo causa-nos uma sensação de alívio, porque talvez seja desejável que as suas palavras (e, infelizmente, os seus actos) sejam compreendidas por nós. (…) Não o podemos compreender, mas podemos compreender a árvore que o brotou e podemos permanecer alerta. Se compreender é impossível, ter conhecimento é imperativo, porque o que aconteceu pode acontecer novamente. A consciência pode ser seduzida e obscurecida novamente – mesmo a nossa própria consciência. Por esta razão é um dever de todos reflectir sobre o que aconteceu. Toda a gente deve saber, ou recordar, que Hitler e Mussolini falavam em público, que as pessoas acreditavam neles, aplaudiam, admiravam-nos, adoravam-nos como se fossem deuses. Eram líderes carismáticos (…).
É necessário suspeitar daqueles que nos querem convencer com outros meios que não a razão; e é preciso suspeitar dos líderes carismáticos: é preciso muito cuidado ao delegarmos a nossa vontade e os nossos juízos. Uma vez que é muito difícil distinguir os falsos profetas dos verdadeiros, é melhor suspeitar de todos. É melhor renunciar a verdades reveladas (…), é melhor contentarmo-nos com verdades mais modestas e menos excitantes, aquelas que são adquiridas a custo, a pouco e pouco, com estudo, discussão e raciocínio crítico (…)."


(Tradução livre de LFB)

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2006

A bomba

Agora que o Irão tresloucado se prepara, à vista de todos e com a boca cheia de anti-judaísmo, para construir a bomba nuclear, é caso para perguntar o que podemos fazer. Ouvir na televisão o Miguel Sousa Tavares moderado e anti-guerra do Iraque afirmar que a nossa única esperança é que os EUA destruam, através de bombardeamentos ou apoiando bombardeamentos feitos pelos israelitas, as centrais iranianas, dá que pensar. Não há dúvidas de que o presidente iraniano é, em muitos aspectos, semelhante a Hitler. Se este tivesse sido destruído a tempo, muito sofrimento, desgraça e terror teriam sido evitado. É também altura de começar a ouvir aqueles - como por exemplo Mário Soares e a esquerda populista em geral - que, aquando da discussão sobre se se deveria travar ou não uma guerra contra o Iraque, defenderam o diálogo e a tolerância para com os terroristas. Será que estão prontos a dialogar com o presidente do Irão? E ele quererá dialogar com eles? Será que estão prontos a aceitar riscar Israel do mapa em troca de alguma segurança temporária?
(LFB)

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2006

O relativista apavorado

Daniel Oliveira, numa coluna que assina no jornal Expresso (a leitura na internet é paga) intitulada "Choque e Pavor", revela o pior do relativismo moral do qual ele se diz um defensor. Daniel é contra "a proibição de qualquer tipo de mensagem" o que o faz condenar qualquer lei que limite a liberdade de expressão. Supõe-se que seja contra a proibição da publicidade machista, racista e xenófoba da mesma maneira que é contra a proibição, vingente em muitos países da Europa, da negação do holocausto. Ele não vê nenhuma razão para tais proibições fazerem sentido, a não ser o facto de elas serem relativas a "um contexto histórico e político". Para ele não se pode alegar que a europa é mais civilizada do que, por exemplo, o Irão, porque, nas suas palavras, foram os "tolerantes e civilizados europeus" que cometeram o holocausto.
Daniel é pois solidário com o direito dos cartonistas publicarem o que bem entenderem, na dinamarca ou no Irão, só que vê na recusa por parte da europa liberal em aceitar as reacções (e as exigências) dos países árabes uma ameaça "à tolerância religiosa e à paz ". Ele, por si, não compactua nem se deixa manobrar; é tolerante e relativista moral porque só assim a "moral pode ser operativa". Frase para a qual não apresenta nenhuma justificação. Supõe-se que ele nos esteja a dizer que comprende muito bem as reacções extremistas, da mesma maneira que compreende quem faz desenhos anti-judaicos, ou quem nega a existência dos campos de extermínio. Ele é incapaz de perceber uma diferença fundamental entre uma proibição na Europa e uma proibição no Irão. Na Europa pode-se recorrer à justiça como forma de resolver um conflito, enquanto no Islão extremista recorre-se à força e ao apelo à violência. Na Europa, fomos capazes de criar e de defender um conjunto de princípios razoáveis que são aceites por todos (o que não significa que não possam ser postos em causa, viver em democracia é viver na constante procura de equilíbrio) e que defendem a liberdade individual acima de tudo; é isso que significa viver num regime constitucional liberal. Não basta a democracia - como se prova pela eleição do Hammas na Palestina - é também necessário uma constituição que garanta o recurso à justiça e a liberdade individual. Todos os que vivem sob uma constituição liberal acreditam em valores inquestionáveis. Mesmo o colunista em causa; ou o seu apelo à solidariedade e à tolerância é também relativo? No Islão radical o que se vê é a lei imposta à força sem a possibilidade de recurso ao que quer que seja. A proposta de recompensar os bombistas suícidas com virgens no céu (e com dinheiro entregue às suas famílias) é um atentado à dignidade das mulheres e um abuso da fé, seja ela qual for. O que é condenável, intolerável e injustificável. Ponto. Não podemos sequer querer compreender que as mulheres sejam propriedade, que as crianças sejam escravizadas, que a diferença seja simplesmente aniquilada. O relativismo é, ao contrário do que afirma Daniel Oiveira, a melhor maneira de impedir qualquer discussão. Se somos relativistas, se aceitamos tudo, para quê discutir? Qual o sentido de dizer que o holocausto é muito diferente daquilo que se passa na Palestina? Aqui temos opressão, violência, direitos infringidos, mortes; na Alemanha nazi assistiu-se a uma forma incompreensível de "mal radical"; o extermínio da própria noção de humanidade. E esta não é relativa. E pode-se mostrar porquê a qualquer ser humano que o queira perceber.

(LFB)

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2006

desobediência democrática

"Resistir muito, obedecer pouco."
(Walt Whitman)

Há dias entrou na assembleia regional legislativa açoriana (orgão reúne uma vez por mês; muito haveria a dizer sobre a sua necessidade, justificação e pertinência. Se calhar, o melhor era sermos apenas portugueses e pronto; fica o benefício da dúvida) o pedido de uma pensão vitalícia de 2500 euros a atribuir a Victor Cruz; um ex-deputado com 42 anos de idade que, ao pedir a suspensão do seu mandato (voltará? Para quê?), aproveitou para reclamar a "devida” pensão.
No país discute-se a crise económica e o aumento da idade da reforma. Nas escolas regionais surgem documentos bizarros que pretendem diminuir, ou mesmo acabar, com o insucesso escolar. Como se o insucesso (igual à percentagem dos alunos que não terminam um determinado nível de ensino) pudesse ser extinto por decreto, como quem extingue uma secretaria. Como se o que contasse na educação de uma geração fosse apenas o sucesso. Como se a inteligência, a qualidade, o nível de exigência, a procura do saber, passassem repentinamente a valer zero.
Conclusão: as reformas antecipadas (no caso com 23 anos de antecipação em relação aos 65 anos de idade de que tanto se fala) dos deputados são injustas. Seja por que razão for ou para quem for. Um sistema político que as aprova é um sistema injusto, e aqueles que as aprovam, gozando do seu estatuto de legisladores democraticamente eleitos, são justamente acusados de se protegerem uns aos outros e de serem os primeiros responsáveis pelo seu próprio descrédito. Até aqui nada de novo.
Pergunte-se agora se uma sociedade assim pode valorizar as suas instituições fundamentais? O seu corpo político e o seu corpo educativo? Qual dos dois o mais importante? Qual dos dois o mais exigente? Qual dos dois o mais abandalhado? Haverá uma saída que nos melhore a todos?
A minha resposta é sim, mas vamos com calma. Cada um de nós tem que começar a exigir mais respeito, a mostrar mais responsabilidade perante os irresponsáveis, uma maior atitude crítica face a injustiças, a autoritarismos descabidos e, sempre que tal se mostrar adequado, a desobedecer: “um princípio incendiário para assuntos cívicos” (Berman, A Tale of Two Utopias, p.51, (livro de onde a epígrafe de Whitman é retirada).
(LFB)

UM SUCESSO



Subitamente o governo regional dos Açores - através da secretaria da educação - deu conta de que a região tem a pior taxa de insucesso escolar do país; e tem mostrado uma vontade enorme de acabar com o dito. Pretende-se fazer com as escolas do terceiro ciclo e secundárias o que já se fez com a maioria das Universidades, ou seja, acabar com os chumbos. Passa tudo!
Se o aluno é mau aluno (há alunos maus, como há alunos bons, porque não dizê-lo) é porque o professor ainda não se esforçou o suficiente. Esforcemo-nos mais um pouco – ignore-se que ele mal sabe ler ou escrever, que ele tem pais desinteressados, que ele está num nível que não é o seu, que tem dificuldades de concentração, que algumas matérias são difíceis e requerem um estudo aprofundado – e constatar-se-á que ele até é um aluno razoável.
A estratégia é infalível: forma-se professores numa Universidade francamente má (mas onde ninguém chumba e, logo, onde ninguém questiona a qualidade dos resultados); cria-se leis que fazem com que os professores passem à frente daqueles que são formados nas melhores Universidades e que têm melhores classificações; promove-se uma formação de professores que, apesar de altamente criticada por todos, ainda não foi simplesmente extinta; triplica-se as bonificações dos membros dos conselhos executivos (CE) das escolas da Região (como forma de os incentivar, mas também como forma de os fazer colaborar). Faça-se tudo isso contra os professores, que são as principais autoridades educativas; obriga-se os professores a permanecerem nas escolas, controlados pelos CE, ocupando os espaços dos alunos, sem que se veja qual o benefício que isso trás para qualquer das partes. A lista não acaba...
Poderemos ter que aceitar um ensino onde todos passam, e onde o sucesso (palavra vaga e ingrata) é geral, mas isso não tornará as pessoas – pobres vítimas da ilusão de não terem chumbado – mais inteligentes, mais dinâmicas, ou mais o que quer que seja. Pelo contrário, todos seremos ainda menos do que somos.
Um dia daremos conta – quando tivermos coragem de nos compararmos com as boas escolas – que, mesmo sem insucesso escolar, somos tão maus como sempre fomos.
Isto se até lá não formos capazes de alterar este estado de coisas e eu estou convencido que seremos.
(LFB)

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2006

Match Point

Uma questão de sorte...?

IMPERDÍVEL

(D.O.)

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2006

Sociedade "Civil"

Óbvia:
- a necessidade de uma verdadeira mobilização social em torno de questões que determinam a vida colectiva;
- a ligação intrínseca e dinâmica entre democracia e participação cívica, individual e/ou colectiva.

Dúbia:
- a existência de uma sociedade predisposta ao esforço da reflexão, motivada para intervir, consciente do seu papel e dos reais problemas que enfrenta e que tem forçosamente de resolver.

(...2006, Mundial na Alemanha...)
(D.O.)


Os partidos políticos

estão em crise e isto não é novidade. Todos o afirmam e Pacheco Pereira apresentou recentemente algumas das causas no seu Abrupto. Mas, a par deste diagnóstico, todos defendem que sem partidos a democracia saudável não pode existir. Será que não pode? Por um lado, percebe-se essa defesa dos partidos uma vez que as alternativas se revelaram desastrosas no século XX. As experiências da democracia directa nos anos sessenta revelaram resultados altamente indesejáveis para todos os implicados. A democracia parece implicar uma mediação, uma pausa para reflexão, que só os partidos e os representantes dos eleitores têm disponibilidade e legitimidade para realizar. As matérias são complexas e requerem tempo para pensar nelas. Por outro lado, a necessidade dos cidadãos afirmarem a sua individualidade e a sua não submissão intelectual também é manifesta; veja-se os jantares dos apoiantes de Alegre. Estou em crer que é possível, através da compreensão e explanação do conceito de sociedade civil, encontrar novas formas de reflexão, debate e justificação das decisões colectivas que não têm que passar necessariamente pelos partidos políticos...

(LFB)

domingo, 5 de fevereiro de 2006

As grandes ilusões

1) o Eu; a ilusão de que cada um de nós é algo que permanece idêntico no tempo;

2) o Tempo; a ilusão de que existe um tempo objectivo;

3) a Realidade, a ilusão de que aquilo que vemos é real;

4) a História, a ilusão de que seremos capazes de saber como aconteceu de facto uma coisa no passado.

As quatro ilusões combinadas (na realidade! deduzem-se umas das outras) fazem de nós uns seres estranhos à deriva.

(LFB)

terça-feira, 24 de janeiro de 2006

O tempo nunca volta para trás. É como o ..."vento que passa"!

O grande clandestino"

Eu me distraio muito com a passagem de tempo.
Chego às vezes a dormir. Durmo meses e anos. O tempo então aproveita e passa escondido. Mas que velocidade!
Basta ver o estado das coisas depois que desperto: quase todas fora do lugar, ou desaparecidas; outras, com uma prole imensa; outra ainda, alteradas e irreconhecíveis.
Se durmo de novo, e acordo, repete-se o fenómeno.
Sempre pensei que o tempo fizesse tudo às claras. Oh, não!
Eu queria convidá-los a assistir ao que ele tem feito comigo. Mas é um espectáculo todo íntimo e não disponho de tribunas.
Além do mais, o tempo em pessoa é praticamente invisível, como a ventania. Só se pode apreciar o resultado de seu trabalho, nunca sua maneira de trabalhar.
O que é preciso é nunca dormir e ficar vigilante para obrigá-lo ao menos a disfarçar a evidência de suas metamorfoses.
É de fato penoso deixar de ver as coisas tais como as vimos a primeira vez. O tempo tudo transforma e arrasa, sem nos dar aviso.
Ora, isso entristece. Isso nos deixa intranquilos. A não ser que nos misturemos com ele, façamos dele um aliado.
Aí, sim, destruição e reconstituição se confundem. Sacos e sacos vão se enchendo e esvaziando toda a vida. Perde-se até da morte. Então a gente aproveita para erigir sistemas, tomar iniciativas, amar, lutar e cantar. O tempo fica assim tão escondido dentro de nós, que se tem a impressão que fugiu para sempre e se esqueceu.
Em verdade, ele não repousa nunca. Nem mesmo nas pirâmides. Nem mesmo nos horizontes onde parece pernoitar.
Rói as pedras como o vento, rói os ossos como. O que mais admira é a extrema delicadeza com que pratica essas violências.
Todos falam de sua impassibilidade. Não é bem isso. Tanto assim que aumenta de velocidade, à medida que nos distanciamos de nossas origens. E quase pára quando o esperamos na solidão.
Meu mal é sentir-lhe a passagem como a de um animal na noite. Chego quase a tocar nele. Fico horas à janela vendo-o passar. É um vício.
Oh, como se diverte! Para ele, destruir uma árvore, um rosto, uma instituição, uma catedral - tanto faz.
O desagradável é quando de repente se retira dalgum objecto ou de alguém. É claro que prossegue depois, mas deixa sempre alguma coisa morta. Franqueza, nessa hora dá um aperto no coração, uma nostalgia!...
Contudo não se deve ligar demasiada importância ao tempo. Ele corre de qualquer maneira.
E é até possível que não exista.
Seu propósito evidente é envelhecer o mundo.
Mas a resposta do mundo é renascer sempre para o tempo. “
(LE)