sábado, 27 de maio de 2006

A propósito de uma conversa

Acabei há pouco de conversar com a minha professora de MOP (Métodos de Observação em Psicologia): discutimos o estado do ensino superior, particularmente na nossa faculdade.
Formada em Inglaterra, a minha revolucionária - e brilhante- professora não consegue compreender uma série de coisas absolutamente incomcebíveis que acontecem por aqui:


1- Quando cá chegou de Inglaterra (há 4 anos), propõs-se a trocar impressões com os restantes docentes do 1º ano, de forma a promover um ensino integrado e sustentado, onde convergissem métodos e conteúdos; "Só consegui gerar más vontades". Os professores (a maioria, porque há, pelo menos na minha opinião, algumas excepções a confirmar a regra)não falam uns com os outros! Cada um faz o que quer e o que bem (ou mal?) entende, sem sequer lhes ocorrer que os alunos afinal existem!


2- Vou exemplificar: no primeiro semestre, o outro professor de métodos incumbiu-nos de procurar e ler artigos científicos, de modo a estabelecer diferenças entre artigos qualitativos e quantitativos; para que pudéssemos fazê-lo, disponibilizou um diagrama com as principais características dos métodos quantitativo e qualitativo, mas sem que explicasse qualquer uma delas. Deu-nos um prazo para submetermos o trabalho na internet. Até boje ninguém ouviu dizer- e estamos no final do 2º semestre!- que se tivesse corrigido qualquer trabalho (porque, como este, existiram outros!). Como aprender se não há qualquer feed-back por parte do professor?


3-Mais gritante do que esta demonstração de incopetência, só o desempenho do professor das aulas práticas de Introdução às Ciências Sociais(ICS): encomendou-nos um trabalho apropriado para alunos do 3º ano, sem que tivessemos quaisquer conhecimentos, quer metodológicos, quer estatísticos que nos permitissem elaborar um questionário minimamente decente e fazer as análises adequadas após a recolha de dados. Nunca nos deu uma orientação esclaredora acerca de nada; pelo menos em duas das aulas, entregou a folha de presenças e desapareceu, deixando-nos ao sabor do vento, ou melhor ao sabor da incerteza e desconhecimento...
É no final do ano, após as apresentações, que vêm as criticas: deviam ter feito isto ou aquilo, ter feito esta ou aquela análise, quando nunca tinha falado da sua existência e muito menos da sua importância!


4- Mesquinhez, complexo de superioridade são características comuns entre os todo-
-poderosos detentores do conhecimento e do destino dos (pobres) alunos.
"Os psicólogos cognitivos têm a mania que são melhores que os sociais... Mas sem bolbo raquidiano não existiam as actividades mentais superiores!" (Professor das teoricas de ICS). Como é possível dizer isto numa aula? Classificar como "melhor" ou "pior" duas áres da Psicologia, quando abrangem domínios diferentes, mas complementares?


5- "Eu sou um ser estranho, ameaçador", diz a professora de MOP, afirmando que não fala com os outros professores porque a maioria encara-a como uma ameaça à estabilidade, como o rosto da "perigosa" mudança.


6- Um colega invisual; apenas dois professores (a de Métodos, o de Epistemologia) se preocuparam em entregar-lhe pessoalmente apontamentos e em perguntar-lhe como preferia fazer o exame. Como é possível esta insensibilidade, esta descriminação por parte de Psicólogos?!


7- Mas não são só os professores o símbolo da incompetência e do individualismo; nós alunos também somos responsáveis por esta situação...
Um estudo recentemente divulgado pela Faculdade de Psicologia da Universidade de Coimbra revela que o estudante de hoje é profundamente individualista e que raramente se interessa pelos problemas académicos. Isto é absolutamente condenável. Moral da história: Cada um que se desenrasque! Durante o ano ouvi coisas como "espero que o professor goste" ao invés de "espero que o trabalho esteja bem feito". Agradar é o fundamental. Sorrir para o professor é imprescindível. A qualidade não é critério.
Nesta faculdade, as chamadas "comissões de curso" tratam da essencial viagem de finalistas, das festas, de assuntos relacionados com a praxe. Quanto a assuntos relacionados com as disciplinas (material necessário, esclarecimentos sobre assuntos académicos), nada.

8- "Em Inglaterra, os professores o que querem é que os alunos sejam melhores que eles, que os suplantem(...)Eu já presenciei professores desta faculdade a chamarem de burros alunos de mestrado e de doutoramento!"


9- Como é possível ambicionar um país desenvolvido, quando nas próprias universidades públicas se vive uma espécie de impotência (e de desinteresse) por parte dos alunos, paralelamente a uma atitude autoritária e irresponsável por parte de muitos professores, sem que estes sejam responsabilizados? Não deveriam as universidades ser percursoras do espírito científico, do espirito democrático?


(D.O.)

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