sexta-feira, 5 de maio de 2006

Da Vida Normal

Sempre me fascinou a utilização do adjectivo "normal". Não por apreciar de forma especial qualquer das suas características (pressupõe pertença a uma maioria, uma certa constância, entre outras), mas pela carga emocional/moral que acarreta.
Este belo adjectivo, tão pesado e robusto, enobrecido pela importância que lhe é atribuida, é ainda a esperança e a confiança de muitos!

Eu sou normal. (Sensação de segurança, de estar no caminho certo, de ter como fundamento uma base sólida de milhões que fazem, pensam o mesmo que eu. Eu quero ser normal, ter uma vida normal.)

Indissociável da normalidade está a utilidade. Sou pragmático, faço quando obtenho, especialmente quando obtenho rapidamente. O resto é perda de tempo.
Ora, "exprimir(...) pensamentos e ideias que não nos levam a lado algum!" não é normal. Isto para não discutir acerca do que se pode considerar "lado algum". Não vale a pena... O "Lado algum" também é abrangido pelos dogmas da normalidade: fazer alguma coisa de palpável, que altere rapidamente de modo observável o que nos rodeia de modo a justificar a minha acção. Assim vale a pena.

(Nota: quase nunca uma acção tem repercursão rápida, a não ser as de natureza elementar como comer, por exemplo.)

O que é isso de vida normal?
Parece que já tenho uma resposta: uma vida normal não contempla que pessoas normais, por qualquer motivo, dediquem algum tempo a "exprimir ideias, demonstrar ao mundo absurdos, coisas inexplicáveis". Estas práticas jamais podem ser integradas no conjunto de possíveis actividades rotineiras! Porquê? Haverá nelas algo de extraordinário, quando consistem apenas em olhar o mundo, as pessoas e o modo como ambos se articulam e tentar compreender/interpretar relações? Não será simplesmente inevitável fazê-lo quando se pensa, quando se vive? Não estará a escrita tão perto da mão? E as ideias, não são o combustível da mente? E não é precisamente tudo isto que nos distingue do restante mundo vivo, o que nos confere humanidade?


(D.O.)

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