Self-Portrait in the Ghetto, Budapest Ghetto, 1944
Pencil on paper
22.5x21.8 cm
Collection of the Yad Vashem Art Museum, Jerusalem
Ilka Gedő 1921, Budapest, Hungary – 1985, Budapest, Hungary
Ilka Gedő 1921, Budapest, Hungary – 1985, Budapest, Hungary
Os Sonders executam as suas horrendas tarefas com a mais ignara indiferença. Usando grossos cintos de cabedal arrastam as peças dos duches para o Leichenkeller 1; extraem os dentes de ouro com alicates e formões e cortam o cabelo das mulheres com tesouras bem afiadas; arrancam os brincos e as alianças de casamento; depois, enchem com uma pilha a roldana (6 a 7 de cada vez), a qual é içada para fazer entrar os corpos nos fornos; por fim, moem as cinzas e o pó é levado em camiões e deitado ao rio Vístula. Como já disse, fazem tudo isto com a mais ignara insensibilidade. Parece que não se importam minimamente com o facto de as pessoas que eles desfazem serem seus camaradas de raça, seus parentes de sangue.E os abutres do crematório alguma vez mostram a mais ligeira animação? Ach, sim: quando saúdam os evacuados na rampa e os conduzem para a sala em que os despem. Por outras palavras, eles só se animam com a traição e o embuste. «Diz-me, qual é a tua profissão?», perguntam eles. «Engenheiro, hã? Excelente. Nós precisamos sempre de engenheiros.» Ou qualquer coisa do género: «Ernst Kahn... de Utreque? Sim, ele e a sua... Ah, sim, Kahn e a sua mulher e filhos estiveram aqui durante um mês ou dois e depois decidiram mudar-se para a estação agrícola. A número um em Stanislavov.» Quando há alguma dificuldade, os Sonders não têm o menor problema em apelar à violência; conduzem o tipo que está a causar chatices ao oficial subalterno mais próximo, o qual lida com a situação da maneira mais adequada.Estão a ver, no caso de Szmul e dos outros Sonders, interessa-lhes que as coisas corram serena e rapidamente, porque estão impacientes por vasculharem nas roupas despidas e encontrarem qualquer coisa para beber ou fumar. Ou para comer. Eles estão sempre a comer - sempre a comer, os Sonders, a comer os restos surripiados na sala onde os prisioneiros se despem (apesar das rações relativamente generosas de que, ainda por cima, desfrutam). Sentam-se a comer a sopa em cima de uma pilha de Stucke; atolam-se até aos joelhos no pestilento prado enquanto comem um naco de presunto...Espanta-me que eles decidam persistir, durar, deste modo. E é isso mesmo que eles decidem: alguns (não muitos) recusam categoricamente, apesar das óbvias consequências - porque também eles se tornam Geheimnistrager, portadores de segredos. Não que nenhum deles possa esperar prolongar a sua cobarde existência por mais do que 2 ou 3 meses. Quanto a este ponto, somos muito claros e diretos: no fim de contas, a tarefa iniciatória dos Sonders é a cremação dos seus antecessores; e assim continuará a ser. Szmul tem a dúbia distinção de ser o mais antigo cangalheiro do KL - aliás, não me admiraria se ele fosse o mais antigo cangalheiro em todo o sistema concentracionário. É virtualmente um Prominent (até os guardas o tratam com algum respeito). Szmul prossegue. Mas sabe muito bem o que é que lhes acontece - o que acontece a portadores de segredos.Para mim, a honra não é um caso de vida ou de morte: é muito mais importante do que isso. Os sonders, muito obviamente, têm uma visão diferente. Honra? Nem traço; o desejo animal ou mesmo mineral de persistir. Existir é um hábito, um hábito que eles não conseguem largar. Ah, se eles fossem homens verdadeiros - no lugar deles, eu... Mas esperem. Nós nunca estamos no lugar de ninguém. E é verdade o que se diz, aqui no KL: ninguém se conhece a si mesmo. Quem és tu? Não sabes. Depois, vens para a Zona de Interesse e ela diz-te quem tu és.
1 Cave dos cadáveres. (N. do E.)"
"Porém, quando se fala da Europa, para mim é absolutamente necessário regressar aoscampos. Embora tenha decidido, por uma questão de higiene pessoal, nunca mais aludir deliberadamente a esse passado, sou obrigado a fazê-lo indirectamente aqui. Buchenwald é um campo onde o símbolo, a incarnação do projecto europeu nos seus primórdios, é evidente e se inscreve na própria realidade geográfica dfo campo. A chaminé so crematório domina o campo tal como se apresenta heje, e foi ela que se tornou lugar de memória. Mas, no fim da colina que desce para a planície da Turíngia, há uma floresta muito recente, que os velhos deportados sabem muito bem que não existia na época. Foi plantada pelas autoridades da República Democrática Alemã. Porquê? Para esconder as valas comuns do campo estalinista.
Porque a singularidade extraordinária de Buchenwald reside no facto de, dois meses depois da partida dos últimos deportados, resistentes jugoslavos, portanto em Setembro de 1945, o campo ter reaberto para se transformar num campo da polícia soviética, na zona da ocupação russa na Alemanha. Transformou-se no Speziallager Nr. 2, o «campo especial nº2». O campo só esteve vazio de prisioneiros durante um breve intervalo de poucas semanas. É evidente que esse símbolo possui uma força extraordinária. É por esse motivo que a Alemanha tem um papel essencial a desempenhar, além da «expiação» dos crimes nazis: porque é o único país da Europa onde se sucederam directamente os dois totalitarismos, pelo menos numa parte dessa Alemanha reunificada. É por esse motivo que a motivação europeia é particularmente sensível na Alemanha em geral, e em Buchenwald em particular."