Gravações do Trio Fragata no bandcamp

segunda-feira, 5 de junho de 2006

AUTONOMIA

Hoje foi dia dos Açores e por isso feriado. Ver a classe política discursar sobre a conquista da autonomia dá que pensar. Os discursos políticos oficiais são, por natureza, coisas chatas que servem, sobretudo, para preencher a cerimónia de propaganda antes do jantar de gala. O tom é quase sempre o mesmo: é a identidade açoriana e o seu valor (é sempre de bom tom falar no valor económico e turístico das "nossas" ilhas); o amor à terra, o contributo "inestimável" (e o benefício próprio) de figuras "ímpares" para o desenvolvimento dos Açores (a forma única como Carlos César pronuncia a palavra é, por si só, sintomática); a nossa importância enquanto açorianos; e sempre alguns números que mostram "claramente" como as coisas mudaram para melhor nos últimos anos; e blá, blá, blá. O tom é menor porque trás consigo a ideia de que o mundo somos nós e apenas nós. Nós, o nosso umbigo e a autonomia política; o que esconde os perigos do egocentrismo e do nacionalismo que muito servem o discurso político pois são uma forma politicamente correcta de "aumentar os índices de confiança" e de manter alguma cegueira. Nada mais falso: o mundo é muito mais do que estas ilhas; se olharmos bem veremos o quanto insignificantes somos e o quanto desperdiçamos com a nossa insignificância; estamos economicamente dependentes da República e da Europa (o que os permite ter o discurso e a vida que têm) e a nossa autonomia individual (que é a fundamental) está longe de ter sido conseguida. Na lógica deste frenesim autonomista, ainda há pouco tempo num programa surreal da ainda mais surreal (pelo menos no custo) RTP Açores, uns moços iluminados discutiam o significado da "Nação açoriana", nem mais!
Não vejo nada de sobrenatural em ter nascido nos Açores como os Media, a cultura (exageradamente subsidiada pelo governo regional) as comunidades (uma secretaria inteira para levar e trazer a cultura aos açorianos) os políticos, etc., me querem fazer crer. Sou açoriano porque sou humano, e não o contrário. E se bem que compreenda a defesa da qualidade de vida da província feita neste blog por PVC, não deixa de ser para mim verdade que os seis anos que vivi em Lisboa contribuíram muito mais para a minha identidade do que todos os que aqui vivi. Sem conhecer algum cosmopolitismo seremos sempre menores e incompletos. É nas grandes cidades, em contacto com a diferença, com a Cultura, com a multidão que se desenvolve e se reconhece a importância do auto-conhecimento. Nas grandes cidades é-se um indivíduo que constrói a sua identidade; aqui, tem-se a identidade que o destino nos deu; e aqueles a quem o destino tramou dificilmente serão algo na vida.
Temos autonomia política e ainda bem, mas não temos tudo, nem está tudo cor-de-rosa. O que as pessoas precisam, aqui e em qualquer parte do mundo, é de autonomia individual; de capacidade de pensar por si e de, na medida do possível, decidirem sobre as medidas que lhes dizem respeito. Pôr os açorianos a votar numas pessoas já escolhidas por uns partidos para legislar respeitando uma constituição nacional pode dar azo a grandes discursos mas não esvazia aquilo que é possível fazer para alterar o que está mal.


(LFB)

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