segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

«que maravilha»

"A estupidez tem qualquer coisa de fascinante. Sou uma pessoa que não conhece exactamente a sua natureza. Por vezes sou sensível como uma donzela. É um aborrecimento ouvir falar da paisagem e de outras coisas do género. As pessoas que têm uma certa cultura deveriam perceber que é néscio exclamar «que maravilha» diante de uma obra de arte. Tecer louvores revela falta de imaginação. O enlevo pode roçar por vezes a estupidez! Uma pessoa feliz pode tornar-se facilmente impopular. Não chega a ser falta de vergonha fazer assim alarde da sua boa disposição, permitir-se ter sempre os olhos a brilhar de felicidade? Sim, porque a todo o momento essa chama de felicidade pode extinguir-se. Deve-se ser comedido nas manifestações de contentamento. Prefiro ser prestável quando ninguém espera isso de mim, não gosto de o ser quando as pessoas crêem que o faço de bom grado."

Robert Walser, A Rosa, Relógio D'Água, 2004, pp.98-99.

sábado, 26 de dezembro de 2015

quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

domingo, 20 de dezembro de 2015

Oscar Peterson - C Jam Blues



Oscar Peterson - Piano
Ray Brown - Contrabaixo
Ed Thigpen - Bateria

terça-feira, 15 de dezembro de 2015

Thelonious Monk, Blue Monk




Thelonious Monk (piano)
Johnny Griffin (tenor saxophone)
Ahmed Abdul-Malik (bass)
Roy Haynes (drums)

quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

sexta-feira, 27 de novembro de 2015

Gerry Mulligan - My Funny Valentine




Recorded live on May 1953 ( At the Haig)  
Gerry Mulligan: Sax
Chet Baker: trumpet
Carson Smith: Bass 
Larry Bunker: drums

Lester Young with the Oscar Peterson Trio - "it takes two to tango"


sexta-feira, 20 de novembro de 2015

quarta-feira, 18 de novembro de 2015

O seu destino foi funesto e a sua vida quase insuportável

"NA NOITE DE 26 DE SETEMBRO de 1849, Edgar Allan Poe passou pelo consultório de um médico de Richmond, Virgínia - John Carter -, com o intuito de obter alívio para a febre que o andava a atormentar. Depois, atravessou a rua e jantou numa estalagem local, tendo por engano levado a bengala do Dr. Carter consigo.
Poe estava prestes a embarcar no vapor para Baltimore. Esta seria a primeira paragem no caminho até Nova Iorque, onde o aguardava uma série de negócios a tratar. A partida do vapor estava marcada para as quatro horas da manhã seguinte, e a viagem teria uma duração de aproximadamente vinte e cinco horas. Poe surgiu alegre e sóbrio aos olhos dos amigos que o viram antes de partir. A sua ideia era estar fora de Richmond por não mais de duas semanas. Contudo, tinha-se esquecido de trazer a bagagem consigo. Esta foi a última aparição confirmável de Poe até ter sido encontrado moribundo numa taberna, seis dias mais tarde".

Peter Ackroyd, Poe - Uma Vida Abreviada, Camões e Companhia, 2009, p.11.

terça-feira, 17 de novembro de 2015

Roy Haynes, Phineas Newborn & Paul Chambers - After Hours


"a sociedade pestilenta das mulheres literatas"

"Anne Lynch descreveu-o como alguém desprovido de qualquer 'noção de moral'. Deve acrescentar-se que as suas histórias não apresentam qualquer 'noção de moral', e que ele desdenhava de semelhante princípio. Seria de esperar uma maior 'noção de moral' do homem do que do escritor?"

Peter Ackroyd, Poe - Uma Vida Abreviada, Camões e Companhia, 2009, pp.130-131.


deixar para trás todos os problemas e vexames

"Duas noites antes de sair de Richmond fez uma visita aos Talley, uns velhos amigos  a quem se declarou confiante e esperançoso. Poe revelou-lhes que 'as últimas semanas em contacto com os seus novos e velhos amigos tinham sido das mais felizes que tinha vivido nos últimos anos' e que acreditava estar prestes 'a deixar para trás todos os problemas e vexames do passado da sua vida.' Talley adicionou um post scriptum a este encontro pleno de alegria. 'Ele foi o último da festa a sair da nossa casa. Nós estávamos no alpendre, e, depois de avançar alguns passos, deteve-se, virou-se e voltou a levantar o chapéu, num último adieu. Nesse exacto momento, um meteorito brilhante surgiu no céu directamente sobre a sua cabeça, e desapareceu para leste.
Na noite seguinte, a última antes da sua partida, Poe encontrou-se com Elmira Shelton. Posteriormente, esta escreveu a Maria Clemm explicando que 'ele estava bastante triste e queixoso por se sentir doente. Tomei-lhe o pulso, e descobri que tinha muita febre'. A Sra. Shelton acreditava que Poe estava demasiado doente para viajar no dia seguinte, mas para sua mágoa e surpresa, descobriu que ele tinha realmente apanhado o vapor para Baltimore. Poe dava assim início à viagem fatal que iria culminar com a sua morte, tal como foi relatada no primeiro capítulo deste livro. Seis dias mais tarde, seria encontrado destroçado numa taberna em Baltimore. Ninguém sabia onde é que ele tinha estado ou o que tinha andado a fazer. Teria Poe, no estado perturbado em que se encontrava, deambulado pela cidade? Teria sido usado para propósitos de fraude eleitoral numa cidade conhecida pela sua pouca seriedade política? Teria um tumor no cérebro? Trata-se de um mistério tão atormentador como os que se podem encontrar nos seus contos. Poe morreu num hospital num domingo, a 7 de Outubro de 1849. Tinha quarenta anos de idade."
(166-167)

quinta-feira, 12 de novembro de 2015

Stan Getz - I Remember Clifford



Stan Getz: tenor
Chick Corea: piano 
Stanley Clarke: bass
Tony Williams: drums

Comprei o carro mais caro e o tabaco mais barato.

domingo, 8 de novembro de 2015

Brian Blade - Steadfast


Munch, Death in the Sickroom (1895)




Por sugestão de Guido Ceronetti, El Silencio del Corpo, Acantilado, 2006, p. 11, onde se pode ler:

"De Quincey incluía, entre las profundas tragedias de la infancia, «los labios de los muchachos, de los besos de sus hermanas para siempre separados», tragedia que comparte incluso quien no haya tenido hermanas. Tenebrosa, continua muerte de la hermana en las figuras de Munch."

sábado, 7 de novembro de 2015

terça-feira, 3 de novembro de 2015

terça-feira, 27 de outubro de 2015

O mundo dos meus olhos

Não é só a morte que é democrática. Também toca a todos o ar poluído que respiramos.

quinta-feira, 22 de outubro de 2015

quarta-feira, 21 de outubro de 2015

terça-feira, 13 de outubro de 2015

O mundo dos meus olhos

Tornamo-nos naquilo que mais criticamos.

segunda-feira, 12 de outubro de 2015

sexta-feira, 9 de outubro de 2015

quinta-feira, 1 de outubro de 2015

domingo, 20 de setembro de 2015

"Explaining Hitler: The Search For The Origins Of His Evil"


aqui no KL: ninguém se conhece a si mesmo. Quem és tu? [fala Doll o Herr Commandant]

"E quanto a Szmul, quanto aos Sonders? Ah,  quase me falta a coragem para passar isto para o papel. Sabem, nunco cesso de me espantar com o abismo da miséria moral a que certos seres humanos estão dispostos a descer...
Os Sonders executam as suas horrendas tarefas com a mais ignara indiferença. Usando grossos cintos de cabedal arrastam as peças dos duches para o Leichenkeller 1; extraem os dentes de ouro com alicates e formões e cortam o cabelo das mulheres com tesouras bem afiadas; arrancam os brincos e as alianças de casamento; depois, enchem com uma pilha a roldana (6 a 7 de cada vez), a qual é içada para fazer entrar os corpos nos fornos; por fim, moem as cinzas e o pó é levado em camiões e deitado ao rio Vístula. Como já disse, fazem tudo isto com a mais ignara insensibilidade. Parece que não se importam minimamente com o facto de as pessoas que eles desfazem serem seus camaradas de raça, seus parentes de sangue.
E os abutres do crematório alguma vez mostram a mais ligeira animação? Ach, sim: quando saúdam os evacuados na rampa e os conduzem para a sala em que os despem. Por outras palavras, eles só se animam com a traição e o embuste.  «Diz-me, qual é a tua profissão?», perguntam eles. «Engenheiro, hã? Excelente. Nós precisamos sempre de engenheiros.» Ou qualquer coisa do género: «Ernst Kahn... de Utreque? Sim, ele e a sua... Ah, sim, Kahn e a sua mulher e filhos estiveram aqui durante um mês ou dois e depois decidiram mudar-se para a estação agrícola. A número um em Stanislavov.» Quando há alguma dificuldade, os Sonders não têm o menor problema em apelar à violência; conduzem o tipo que está a causar chatices ao oficial subalterno mais próximo, o qual lida com a situação da maneira mais adequada.
Estão a ver, no caso de Szmul e dos outros Sonders, interessa-lhes que as coisas corram serena e rapidamente, porque estão impacientes por vasculharem nas roupas despidas e encontrarem qualquer coisa para beber ou fumar. Ou para comer. Eles estão sempre a comer - sempre a comer, os Sonders, a comer os restos surripiados na sala onde os prisioneiros se despem (apesar das rações relativamente generosas de que, ainda por cima, desfrutam). Sentam-se a comer a sopa em cima de uma pilha de Stucke; atolam-se até aos joelhos no pestilento prado enquanto comem um naco de presunto...
Espanta-me que eles decidam persistir, durar, deste modo. E é isso mesmo que eles decidem: alguns (não muitos) recusam categoricamente, apesar das óbvias consequências - porque também eles se tornam Geheimnistrager, portadores de segredos. Não que nenhum deles possa esperar prolongar  a sua cobarde existência por mais do que 2 ou 3 meses. Quanto a este ponto, somos muito claros e diretos: no fim de contas, a tarefa iniciatória dos Sonders é a cremação dos seus antecessores; e assim  continuará a ser. Szmul tem a dúbia distinção de ser o mais antigo cangalheiro do KL - aliás, não me admiraria se ele fosse o mais antigo cangalheiro em todo o sistema concentracionário. É virtualmente um Prominent (até os guardas o tratam com algum respeito). Szmul prossegue. Mas sabe muito bem o que é que lhes acontece - o que acontece a portadores de segredos.
Para mim, a honra não é um caso de vida ou de morte: é muito mais importante do que isso. Os sonders, muito obviamente, têm uma visão diferente. Honra? Nem traço; o desejo animal ou mesmo mineral de persistir. Existir é um hábito, um hábito que eles não conseguem largar. Ah, se eles fossem homens verdadeiros - no lugar deles, eu... Mas esperem. Nós nunca estamos no lugar de ninguém. E é verdade o que se diz, aqui no KL: ninguém se conhece a si mesmo. Quem és tu? Não sabes. Depois, vens para a Zona de Interesse e ela diz-te quem tu és.
  1 Cave dos cadáveres. (N. do E.)"

                         Martin Amis, A Zona de Interesse, Quetzal, 2015, pp. 83-85                                  

segunda-feira, 14 de setembro de 2015

O eu


Seremos o produto de uma cultura superior ou crianças da natureza?

"Quem se atribui muito valor nunca se pode precaver contra o desânimo e a humilhação, já que quem é muito consciente do seu valor sempre se confrontará com alguma coisa hostil a essa consciência. E, contudo, nós alunos não somos inteiramente desprovidos de dignidade, mas é uma dignidade muito, muito móvel, pequena, elástica e moldável. Pômo-la e tiramo-la conforme o que nos é pedido. Seremos o produto de uma cultura superior ou crianças da natureza? Também não sei dizer. Uma coisa sei com certeza: esperamos! É este o nosso valor. Sim, esperamos, mantemo-nos alerta na vida, sobre esta superfície a que chamam mundo, sobre o mar com as suas tormentas. Fuchs, a propósito deixou a escola. Parece-me muito bem. Não sabia o que fazer deste rapaz."
                  Robert Walser, Jakob Von Gunten, Relógio D´Água, 2005, p. 92.                           

Quem é que se aborrece neste mundo? Talvez tu.

"Perguntei há pouco tempo a Kraus se ele de vez em quando não se aborrece. Ele lançou-me um olhar de condenação e reprimenda, pensou um pouco e disse: «Aborrecer-me?» Não és lá muito inteligente, Jakob. E deixa-me que te diga que fazes perguntas tão ingénuas como pecaminosas. Quem é que se aborrece neste mundo? Talvez tu. Eu não, digo-te já. Estou aqui a aprender de cor passagens do livro. E agora? Tenho tempo para aborrecer-me? Que perguntas tão idiotas. Os aristocratas talvez se aborreçam, não Kraus, e tu também te aborreces, porque, se não te aborrecesses, não te teria ocorrido essa ideia e não terias vindo fazer-me essa pergunta. Podemos ocupar-nos sempre com alguma coisa, se não por fora, então por dentro, podemos murmurar. É claro que fazes troça de mim por eu murmurar, mas ouve bem e diz-me lá se sabes o que é que eu murmuro? Palavras querido Jacok. Murmuro e repito palavras constantemente. E é muito saudável, posso dizer-te. Desaparece daqui com o teu aborrecimento. Só se aborrecem aqueles que acham que lhes deve cair do céu alguma coise que os anime. Onde há mau humor, onde há nostalgia, aí encontrarás o aborrecimento. E agora sai daqui, não me perturbes, deixa-me estudar e vai tu fazer alguma coisa. Empenha-te em alguma tarefa que já não te sentirás aborrecido."

                  Robert Walser, Jakob Von Gunten, Relógio D´Água, 2005, p. 85.                              

Estados de espírito


"Dos filósofos, mais do que dos homens comuns, esperamos um sofrimento distinto; sofrer com a calma e a intensidade justas e atingir o sublime por essa via, é isto que se exige aos filósofos."

                                Gonçalo M. Tavares, Histórias Falsas, Caminho, 2014, p. 51.                            

Sou Investigador. Quero estudar a água.

"Para Tales, pessimista, o tempo só trazia atributos negativos: magreza à saúde, fraqueza à força.
Paixão significava desilusão; e é o entusiasmo da noite que, mais tarde, de manhã, nos fará ficar sem forças - pensava Tales.
Recusou então Lianor; não por sobranceria, mas por prudência. As mulheres guardam no corpo a serpente, sempre pensara.
Desespero em Lianor, claro, como em qualquer mulher rejeitada.
Quis morrer: atirou-se ao mar.
Tales interrompeu a sua tarefa de olhar o que não é possível ser olhado, ouvira os gritos dos habitantes de Mileto:
Lianor desaparecera nas águas!
Tales correu para a praia. Olhou para o fundo:
- Este mar matou - disse. - Está calmo demais.
Indisciplinado por natureza, depois deste acontecimento, Tales transformou-se. Levantava-se agora, todas as manhãs, a hora certa.
O que fazia?
Ele, o filósofo, o sábio, pegava no barco, que enchera de arroz na véspera, e entrava no mar. à medida que avançava ia atirando arroz à água, como se esta fosse um ser com fome.
- Se os peixes e a água comerem arroz, os peixes e a água esqueceram a carne de Lianor.
Assim pensava Tales, o sábio.
Durante vinte e cinco anos ele manteve o mar alimentado com arroz. Jurava, no entanto, não o fazer por amor; era orgulhoso. Dizia:
- Sou Investigador. Quero estudar a água."
                    Gonçalo M. Tavares, Histórias Falsas, Caminho, 2014, pp. 25-26.                       

Se me queres não me podes julgar.

"Há uma história oriental que nos pode ensinar algo nesta situação. é a de um monge que tem por tarefa levar um mocho mágico, dentro de um saco, de um lado ao outro da cidade. O mocho diz-lhe: vou contar-te algumas histórias acerca da minha vida, actos bárbaros que pratiquei e actos generosos. Sempre que julgares os meus actos eu desapareço e tu és obrigado a começar de novo. Assim foi: o animal contou então uma das suas façanhas medonhas e o monge não resistiu a dizer: isso é mau! Resultado: de imediato o mocho desapareceu do saco e o homem viu-se obrigado a voltar ao ponto de partida, onde o animal mágico o esperava para relembrar:
Se me queres não me podes julgar.
Falhou mais duas vezes o monge, pois a meio do caminho descuidava-se e, por palavras ou pensamentos, aprovava ou desaprovava as histórias contadas. à quarta tentativa conseguiu, finalmente. Ouviu histórias, do princípio ao fim, e não as julgou. Conseguiu, assim, levar o mocho até ao outro lado da cidade. A aprendizagem terminara."

                         Gonçalo M. Tavares, Histórias Falsas, Caminho, 2014, pp. 44-45.                       

sábado, 12 de setembro de 2015

sábado, 22 de agosto de 2015

Stan Getz Quartet - Times Lie



Stan Getz (ts)
Chick Corea (el-p)
Stanley Clarke (b)
Tony Williams (d)


(veja sem som e tente sincronizar com o disco aos 6'45'')

terça-feira, 18 de agosto de 2015

Obedecemos sem pensar no que esta obediência inconsciente um dia nos trará

"Parece que antigamente o Instituto Benjamenta gozava de melhor fama e maior afluência. Numa das quatro paredes da nossa sala de aulas está uma grande fotografia onde podemos ver as figuras de muitos rapazes de um ano lectivo anterior. A nossa sala de aulas é de resto muito despida. Para além da mesa comprida, de dez a doze cadeiras, de um grande armário de parede, de uma mesa mais pequena, de um segundo armário pequeno, de uma velha mala de viagem e de um par de objectos insignificantes, não tem outros móveis. Sobre a porta que conduz ao mundo desconhecido e misterioso dos aposentos interiores está pendurado, como decoração, um sabre da guarda, de aspecto bastante aborrecido, que é cruzado pela bainha respectiva. Ambos são coroados pelo capacete. Esta decoração tem uma função de ilustração ou de prova elegante dos regulamentos que aqui vigoram. Quanto a mim, não queria nem dado este ornamento provavelmente adquirido num ferro-velho decadente. De duas em duas semanas, o sabre e o capacete são baixados para serem limpos, uma tarefa simpática mas também muito estúpida. Para além destes adornos, nas paredes da sala de aulas estão ainda pendurados os retratos do imperador e da imperatriz já mortos. O velho imperador aparenta uma incrível tranquilidade e a imperatriz tem um ar simples e materno. Muitas vezes nós pupilos lavamos a sala de aulas com sabão e água morna que deixam depois tudo com um aroma e brilho de limpeza. Temos de fazer tudo nós mesmos, e para este trabalho de criada de quarto todos nós pomos um avental, e com este adereço feminino todos nós, sem excepção parecemos muito cómicos. Mas estes dias de arrumação são divertidos. Polimos alegremente o soalho, areamos os utensílios, incluindo os da cozinha, e para isso temos trapos e panos de pó com fartura, passamos a mesa e as cadeiras por água, limpamos as dobradiças das porta até ganharem brilho, bafejamos e esfregamos  os vidros das janelas, cada um tem a sua pequena tarefa, cada um faz alguma coisa. Nestes dias em que limpamos, esfregamos e lavamos, fazemos lembrar aqueles duendes dos contos de fadas que, como é sabido, cumpriam todas as tarefas mais rudes e árduas apenas por uma sobrenatural bondade do coração. O que nós alunos fazemos, fazemos porque temos de o fazer, mas a razão por que o fazemos, nenhum de nós a conhece. Obedecemos sem pensar no que esta obediência inconsciente um dia nos trará, e trabalhamos sem pensar se é certo e justo que trabalhemos."

                   Robert Walser, Jakob Von Gunten, Relógio D´Água, 2005, pp. 36-37                               

O mundo dos meus olhos

Se todos tivessem direito a um criado, quem seriam os criados?

Buddy Rich - Jazz Legend (part two)


Buddy Rich - Jazz Legend (part one)


terça-feira, 4 de agosto de 2015

domingo, 12 de julho de 2015

terça-feira, 7 de julho de 2015

Antony and the Johnsons - fistful of love


"A música e a síndrome de Tourette"

"Senti-me especialmente fascinado ao ouvir uma conversa entre Nick van Bloss e o destacado compositor Tobias Picker, que tem também a síndrome de Tourette - conversa durante a qual comparam impressões sobre o papel que a condição touréttica desempenhou na sua entrega à música. Picker tem igualmente numerosos tiques, mas quando compõe, toca piano ou dirige uma interpretação, os seus tiques desaparecem. Pude observar como esteve sentado quase imóvel horas a fio, a trabalhar ao computador na orquestração de um dos seus estudos para piano. Os tiques podem ter desaparecido, mas isso não significa que a síndrome  de Tourette se tenha afastado também. Picker sente, pelo contrário, que a síndrome de Tourette participa sua imaginação criadora, contribuindo para a sua música, mas sendo também moldada e modulada por ela. «Vivo a minha vida sob o controlo da síndrome de Tourette», disse-me ele, «mas uso a música para a controlar. Dominei a sua energia - toco com ela, manipulo-a, iludo-a, imito-a, rio-me dela, exploro-a, utilizo-a de todas as maneiras possíveis.» O seu concerto para piano mais recente é em certos trechos, extremamente turbulento, agitado por vórtices e turbilhões. mas Picker compõe em todos os registos - não o fazendo menos num registo sonhador e tranquilo do que no violento e tempestuoso - e passa de uma atmosfera a outra com uma facilidade consumada.
A síndrome de Tourette levanta cruamente as questões da vontade e da determinação: quem ordena o quê? Quem impele quem? Em que medida são os tourétticos governados por um «Eu» soberano, um si-próprio complexo, consciente de si e intencional, ou antes, por impulsos e sentimentos situados a níveis inferiores do conjunto mente-cérebro? Questões semelhantes são também introduzidas pelas alucinações musicais e pela «música que não sai da cabeça», por diversas formas de repetição e imitação quase automáticas. Normalmente, não temos consciência do que se passa nos nossos cérebros, das múltiplas instâncias e forças que se situam fora ou abaixo do nível da experiência consciente - e talvez esteja bem assim. A vida torna-se mais complicada, por vezes insuportavelmente complicada, para as pessoas que sofrem erupções de tiques, obsessões ou alucinações, e são forçadas a manter um contacto permanente  com mecanismos cerebrais e autónomos. Tais pessoas enfrentam uma prova muito particular, mas podem também, se os tiques e as alucinações não forem demasiado opressivos, alcançar uma espécie de conhecimento de si ou de reconciliação que as podem enriquecer decisivamente durante essa estranha batalha que é a sua vida dupla."
                             Oliver Sacks, Musicofilia, Relógio D'Água, 2008, p. 235-236.                         

A crise europeia à luz da Grécia | Intervenção de José Pacheco Pereira


quinta-feira, 2 de julho de 2015

O homem com a memória de sete segundos




Por sugestão de Oliver Sacks, Musicofilia, Relógio D'Água, 2008, p. 189/190.

"Clive sofreu uma infecção cerebral devastadora, uma encefalite herpética, que afectava especialmente as partes do seu cérebro associadas aos processos da memória. (...) Como escreveu Deborah, os novos acontecimentos e as novas experiências apagavam-se quase instantaneamente:

A sua capacidade de perceber o que via e ouvia, mantinha-se. Mas parecia não ser capaz de reter qualquer impressão que fosse por mais do que o tempo de um abrir e fechar de olhos. A verdade era que, se piscasse os olhos, as suas pálpebras voltavam a abrir-se sobre um novo cenário. A visão anterior ao batimento de pálpebras era completamente esquecida. Cada abrir e fechar de olhos, cada breve vaivém do olhar, dava lugar a uma visão inteiramente nova. eu tentava imaginar como seria aquilo para ele [...] Qualquer coisa como um filme cheio de saltos e interrupções, um copo semivazio, depois cheio, o cigarro de repente mais comprido, o cabelo do actor ora despenteado, ora liso. Mas este filme era a vida real, uma divisão da casa que mudava de várias maneiras fisicamente impossíveis.

Além desta incapacidade de conservar novas recordações, Clive tinha uma amnésia retrógrada maciça, que virtualmente anulava todo o seu passado."

quarta-feira, 10 de junho de 2015

nick drake, one of these things first


les larmes

Je voudrais m'intéresser à l'une des techniques qu'a si souvent cultivée Rabbi Eliahou ben Salomon Zalman connu sous le nom du Gaon de Vilna (1720-1797). Il's s'agit du «pleurement».

La chose a différentes interprétations. L'une d'entre elles prétend que les larmes, quand elles atteignent un certain niveau, provoquent la révélation des forces divines. cela existe das la kabbale mais aussi chez les chrétiens orthodoxes d'Orient. Cést une des techniques les plus anciennes de la vie mystique. Elle est utilisée en principe pour provoquer des états de conscience paranormaux. Quand j'ai écrit cela, certans critiques et quelques chercheurs m'ont cherché querelle. Or, les dernières recherches conduites sur ce sujet ont montré que c'etait encore plus ancien que je ne l'imaginais.
J'ai développé ce thème dans mon livre La Cabbale, nouvelles perspectives.  Je rappelle que le pleurement est, pour un juif, un devoir au cours de la période de deuil ainsi qu'à l'occasion de la journée de ticha béav, jour où on évoque la destruction do Temple de Jérusalem. L'effusion de larmes à cette occasion était très appréciée. Il arrive que l'on dépeigne Dieu lui-même pleurant la destruction du Temple. de tout temps, le pleurement a été regardé par la tradition juive comme faisant partie d u processus de la techouva, le «repentir». Il faut ajouter que les pleurs peuvent contribuer, selon une tradition, à hauter la venue du messie. Selon une autre version, le pleurement fait partie de l'effort qui vise à éviter aux juifs les événements catastrophiques prévus pour la période qui précédera immediatement l'arrivée du messie.
Le pleurement mystique, quant à lui, a pour vocation ou pour objectif d'obtenir des révélations surtout de caractère visuel mais aussi des révélations de secrets. Cependant il était, selon moi, destiné à la seule élite et a été pratiqué effectivement par un petit nombre de ceux que cherchaient à faire l'expérience de visions ou de la révélation de secrets.
On peut d'ailleurs penser que certaines techniques ascétiques chrétiennes peuvent avoir été influencées par des traditions juives anciennes à propos des possibilités mystiques du pleurement. il en est de même, me semble-t-il, directement ou indirectement, de l'ascétisme soufi. J'ajoute que ce pleurement mystique constitue en général l'ultime étape d'un precessus ascétique qui comprend le jeûne, le deuil et des souffrances volontaires.
       Moshé Idel & Victor Malka, Les chemins de la Kabbale, Editions Albin Michel, 2000, 36-38.    

segunda-feira, 8 de junho de 2015

segunda-feira, 1 de junho de 2015

Stieglitz & Duchamp

 
Georgia O'Keeffe--Torso  1918-19                                                                                                              Fountain 1917

Por sugestão de Nigel Warburton, O que é a arte? Bizâncio, 2007, onde se pode ler:
"A fotografia de Alfred Stieglitz da Fonte apareceu no segundo número de uma revista, The blind Man, juntamente com uma discussão de «O caso Richard Mutt» que íncluia a seguinte justificação, respondendo à acusação de que esta era «uma mera peça de canalização» e não de  arte:
É irrelevante que o senhor Mutt tenha ou não tenha feito a fonte com as suas próprias mãos. Mutt ESCOLHEU-A. Pegou num objecto vulgar do dia-a-dia, colocou-o de modo a que o seu significado útil desaparecesse sob o novo título e perspectiva - criou um novo pensamento para este objecto."

sexta-feira, 29 de maio de 2015

Claude Debussy Préludes (complete 24) - Krystian Zimerman



1. Danseuses de Delphes 00:00
2. Voiles 03:38
3. Le vent dans la plaine 08:06
4. Les sons et les parfums tournent dans l'air du soir 10:13
5. Les collines d'Anacapri 14:08
6. Des pas sur la neige 17:40
7. Ce qu'a vu le vent d'ouest 22:05
8. La fille aux cheveux de lin 25:19
9. La sérénade interrompue 28:28
10. La cathédrale engloutie 30:58
11. La danse de Puck 38:25
12. Minstrels 40:59
13. Brouillards 43:27
14. Feuilles mortes 46:58
15. La puerta del Vino 50:58
16. Les fées sont d'exquises danseuses 54:06
17. Bruyères 57:20
18. Général Lavine - eccentric 01:00:27
19. La terrasse des audiences du clair de lune 1:03:05
20. Ondine 01:07:37
21. Hommage à S. Pickwick 1:11:01
22. Canope 01:13:26
23. Les tierces alternées 01:16:41
24. Feux d'artifice 01:19:28

domingo, 24 de maio de 2015

Rembrandt ou Willem Drost - The Polish Rider (1655)


Por sugestão de Maria Filomena Molder, aqui.

Under the sun

"I further observed all the opression that goes on under the sun: the tears of the opressed, with none to comfort them; and the power of their oppressors - with none to comfort them. Them I accounted those who died long since more fortunate than those who are still living; and happier than either are those who have not yet come into being and have never witnessed the miseries that go on under the sun."

Ecclesiastes (JSP) 4: 1-3

sábado, 9 de maio de 2015

domingo, 3 de maio de 2015

como um rebento de relva que começa a nascer num terreno bravio rodeado de ervas daninhas

"Ontem à tarde lemos juntos os apontamentos que ele me  tinha dado. E quando chegámos a estas palavras: «Porém deveria bastar que houvesse uma pessoa digna de se chamar "Mensch" para se acreditar nas pessoas e na Humanidade», então abracei-o num impulso espontâneo. Este é o problema dos tempos que correm. O grande ódio contra os alemães, que me envenena a alma. «Eles que se afoguem, essa ralé, deveriam ser todos fumigados.» Estas observações fazem parte da conversa do dia-a-dia e às vezes provocam-nos a sensação de que é impossível viver nesta época. Até que de repente, há umas semanas, me surgiu a ideia libertadora, hesitante e frágil como um rebento de relva que começa a nascer num terreno bravio rodeado de ervas daninhas: mesmo que só houvesse um alemão digno de ser protegido contra essa chusma bárbara, por causa desse alemão decente não se devia derramar o ódio sobre um povo inteiro.

Isso não significa  que uma pessoa deva ter uma atitude indecisa em relação a determinadas correntes, uma pessoa toma posição, indigna-se regularmente com determinadas coisas, tenta informar-se, mas o ódio indiferenciado é a pior coisa que existe. É uma doença da própria alma. O ódio não faz parte do meu feitio. Se chegasse a esse ponto na época actual, então a minha alma ficaria ferida e teria de tentar encontrar um remédio para isso o mais rapidamente possível. (...)
Às vezes encho-me repentinamente de ódio, depois de ler o jornal ou de ouvir uma qualquer notícia do exterior, nesses momentos sou por vezes capaz de me exceder em palavrões contra os alemães. E tenho consciência de que o faço de propósito para magoar Käthe, para dar vazão ao ódio, apesar de ser contra uma querida amiga que eu sei que ama o seu país natal, o que é perfeitamente natural e compreensível, mas nesses momentos não consigo suportar que ela não os odeie tanto como eu - procuro, digamos, sintonia nesse ódio aos meus semelhantes. E isso sabendo eu que ela detesta a nova mentalidade tanto quanto eu, e fica igualmente acabrunhada com os excessos do seu povo. Porém, no íntimo, continua ligada àquele povo, e eu sinto-o, mas nesses momentos não consigo aguentar, esse povo inteiro deve ser exterminado pela raiz, e de vez em quando digo, malévola: «Escumalha, é o que são», enquanto fico envergonhada ao mesmo tempo. E mais tarde fico muito triste e não tenho sossego, porque sinto que tudo isto não está certo.
E então é verdadeiramente tocante o modo como de vez em quando dizemos muito amigavelmente a Käthe, para a animar:«Claro que sim, ainda existem alemães decentes, ao fim e ao cabo os soldados também nem sempre podem fazer alguma coisa, há alguns que são simpáticos.» Mas isso é só em teoria, dizemos isto só para mostrar um pouco de humanidade em meia dúzia de palavras inócuas. Porque se fossem verdadeiras, se sentíssemos realmente aquilo que afirmamos, não precisávamos de as enfatizar como fazemos, nesse caso seria um sentimento partilhado tanto pela saloia alemã como pelas estudantes judias, e então poderíamos falar sobre o bom estado do tempo e sobre a sopa de legumes, em vez de nos atormentarmos com conversas sobre política que nos servem apenas para dar vazão ao ódio. Porque o pensamento político, o tentar ver algo das linhas gerais e descortinar um pouco do que está por detrás delas, é coisa que praticamente desapareceu das nossas discussões; nada é aprofundado e, por esse motivo, hoje em dia não é interessante conversar sobre esses assuntos com outras pessoas. É por isso que S. se apresenta como um oásis no meio do deserto e que o abracei tão subitamente.
Ainda há muito para dizer a este respeito, mas agora tenho de pensar outra vez no trabalho, primeiro vou tomar uma lufada de ar fresco e depois atiro-me ao eslavo litúrgico. Até já."   

                         Etty Hillesum, Diário 1941-1943, Assírio e Alvim,  2009, pp. 68-71.                            

quinta-feira, 30 de abril de 2015

Billie Holiday, Blue Moon



Billie Holiday -- vocals
Charlie Shavers -- trumpet
Flip Phillips -- tenor saxophone
Oscar Peterson -- piano
Ray Brown -- double bass
Barney Kessel -- guitar
Alvin Stoller -- drums

"who knows?"

"This basic text establishes first of all the extreme distante between human beings and God, and the identification of humanity with animals (which squares well with Gen. 1 and 2). The breath of life vivifies animal and human being alike. But the word here is ruah, well-known as an ambiguous term. Qohelet says nothing here about spirituality, humana beings bearing God's image, etc. Therefore, unquestionably, we are animals. After all, this conclusion does not strike me as so out of the ordinary: since humanity does not behave like the image of God, it is nothing more than an animal.
Our identity with animals is indicated by our common lot: death. A human being may have ruah, but he can in no way claim to be God's equal. He knows nothing of an afterlife, and this indicates his distance from God. Human beings wanted and established this distance, pretending to be equal with God! One wonders why Christians have been so scandalized by scientific hypotesis, including Charles Darwin's, considering they had Qohelet. Human beings and animals are subject to the same fate, just like the wise person and the fool (2:14), the righteous and the wicked, and the pure and impure ...(9:2). Their lot is identical: death. But this as nothing to do with destiny or fate.
Since we cannot fail to come up against death, we must question our identity with animals, who have the same lot, as we have already seen. But we cannot offer a definitive answer; we can only ask: "who knows?" (3:21). You cannot maintain that your spirit will experience a different fate (rising upward) from the life-breath of an animal (which will go downward). We can state nothing in this regard. The unquestionable difference between human beings and animals does not allow us to infer an absolute qualitative difference. Qohelet obliges us to limit ourselves to the question: "who knows?" No revelation can simplify this issue for us. All we have is God's work, this blockage, and this insoluble question. "


Jaques Ellul, Reason for Being - a Meditation on Ecclesiastes, (tr.) Eerdmans Pub., 1990, 222-223.

one and the same fate

"So I decided, as regards men, to dissociate them [from] the divine beings and to face the fact that they are beasts. For in respect of the fate of man and the fate of beast, they have one and the same fate: as the one dies so dies the other, and both have the same lifebreath; man has no superiority over beast, since both amount to nothing. Both go to the same place; both came from dust and both return to dust. Who knows if a man's lifebreath does rise upward and if a beast's breath does sink down into the earth?"

 Ecclesiastes (JSP) 3: 17-21

terça-feira, 28 de abril de 2015

Coleman Hawkins - live In Europe 60's




London, England, October 1964
1. Stoned
2. September Song
3. What's New
4. Willow Weep For Me
5. Centerpiece
6. Caravan

London, England, 26 November, 1966
7. Blue Lou
8. I Can't Get Started
9. Body And Soul
10. Disorder At The Broder

Belgium, early June 1962
12. Blowing For Aldolphe sax
13. Disorder At The Border
14. South Of France Blues
15. Rifftide

segunda-feira, 27 de abril de 2015

O ponto de vista animal

"Crítica dos animais. Temo que os animais considerem o homem como um ser da sua espécie que perdeu o senso comum animal de forma extremamente perigosa, como o animal alucinado, o animal que ri, o animal que chora, o animal desditoso."

Nietzsche, A Gaia Ciência, Relógio D'Água, 1998, p.175.

domingo, 12 de abril de 2015

like a shadow

"No mistake about it, Qohelet means to leave us no escape. He warns us that something very small (a dead fly) will suffice to ruin a jar of perfume or scholarly wisdom. I cannot help but think of certain more or less great philosophers of modern times whose entire system appears ruined by their support of a political error: the great G. W. F. Hegel, for instance, whom I cannot take seriously because he sees the culmination of History, Idea, and Spirit in the State! Everything he says is truly wonderful, but when I come up against this dead fly that corrupted and killed Western society in the nineteenth and twentieth centuries, I cannot continue to take anything seriously in his preceding discourse on so many other problems.
The great Martin Heidegger, in whose work everything is so profound, enticing, and innovative, failed to display any lucidity at all in discerning the real nature of national socialism. Those few months of his support for Nazism suffice for me to consider the rest of his work null and void. How can anyone expect me to follow such a guide in his Holzwege, when he was unable to make the right choice in that one simple matter in his life? The dead fly - misplaced loyalty - may appear for just an instant! And I fully realize that by blackballing certain thinkers, I in turn deserve Qohelet´s other judgment in the same passage!
Wisdom is fragile - it can vanish when we change a single line. Even worse, wisdom is impossible. Anyone who thinks he has reached it has grasped only wind. Who knows anything? Who can pride himself on "knowing"? "Who knows what is good for a person during life, during the number of days of his vain life, which he passes like a shadow?(6:12) Wisdom is as fragile as the person himself. After all, why should wisdom be surer and truer than those who create it? It is like a shadow. We can mesure, situate, and weigh everything, but not a shadow. It has no existence in itself, since it depends both on the object that projects it and on light, which changes constantly.
(...) As for us moderns, we have discovered a great many things. But, as we have already seen, the horizon continually moves farther from us. In this connection, Qohelet seems to posit a kind of absolute: no matter what he does, he cannot find the ultimate secret, the key that would enable him to understand everything. As little as I know, what strikes me most is that further we advance, the more everything we know becomes complex and elusive."
Jaques Ellul, Reason for Being - a Meditation on Ecclesiastes, (tr.) Eerdmans Pub., 1990,  pp.148-149.

sexta-feira, 10 de abril de 2015

Kohéleth

"Dead flies turn the perfurmer's ointment fetid and putrid; so a little folly outweighs massive wisdom."
Ecclesiastes, 10:1

quinta-feira, 9 de abril de 2015

Min Kamp - Karl Ove Knausgaard talking to Andrew O’Hagan



"Talvez nunca ninguém como Celan tivesse conseguido estar mais perto do que é a apropriação do real pela palavra e ao mesmo tempo das suas limitações quando o faz. Sem as palavras o mundo colapsa, mas o mundo por vezes mata as palavras. Hitler destruiu as de Celan, porque a sua linguagem era diferente. O sentido que um e outro conferiram à mesma palavra não se ajustava."

(Entrevista de Isabel Lucas a Karl Ove Knausgaard, revista Ler, Março 2015, nº137, p.70)


terça-feira, 24 de março de 2015

Herberto Helder

Dálias cerebrais de repente. Artesianas, irrigadas
pela infiltração
alimentar do sono. Álcoois,
minérios, drogas. Curvam a luz onde se apoiam.
Autónomas
polpas de jóias quando a treva as cerca.
Irrompem do fundo das páginas, continuam se as penso
em alumiação no espaço que as exalta.
Malévola beleza acentuando uma época
fosfórica. Os dedos
que as recebem dos dedos
queimados
queimam-se. Porque tudo se calcina: sono e imagem,
dálias verdadeiras, as palavras,
as pessoas.
Essa dádiva infernal fechada na metáfora.


                                                  ●


Ninguém tem mais peso que o seu canto.
A lua agarra-o pela raiz,
arranca-o.
Deixa um grito que embriaga,
deixa sangue na boca.
Que seja a demonia: - a arte mais forte de morrer
pela música, pela
memória.


         do livro Última Ciência, em Herberto Helder, Poesia Toda, Assírio e Alvim, 1996, p. 543.             

István Farkas, Cielo de tormenta (1927)




Por sugestão de Imre Kertész, Um Outro - Crónica de Uma Metamorfose, Presença, 2009, onde se pode ler:

"István Farkas é um das figuras maiores da pintura europeia; quanto ao «fim trágico» quer dizer que foi morto em Auschwitz.
(p.89)

«Pode viver-se num só dia o horror do inferno; há mais do que tempo»
(Wittgenstein)
Nunca poderei saber como vou viver este horror, a agonia de A., como - no fim de contas - nem sequer posso saber nada de essencial sobre mim mesmo. O meu presente é, de momento, um tempo consagrado às recordações: no futuro, hei-de julgar o meu presente actual, e, portanto, uma insidiosa falsificação infiltra-se como um veneno manhoso em todos os meus pensamentos, em todas as minhas acções. O que eu tenho, ainda assim, que registar: a traição que o ser vivo comete em todos os instantes, a humilhação bem conhecida, e invencível, da sobrevivência. Cedo ou tarde, encontramo-nos na situação em que se luta por uma sobrevivência que o caos do moribundo ameaça engolir. Primeiramente, toma-se conhecimento da doença mortal de um próximo; em seguida, aceita-se a ideia; mais tarde, resignamo-nos, e entrega-se nas mãos dos especialistas. Num certo sentido, tornamo-nos assassinos e poucos poderão evitar este destino, salvo, talvez, os solitários, as pessoas sós. Mas também eles tiveram, talvez, um pai ou uma mãe que lhes falavam do fundo do seu balde do lixo. Tenho ainda que anotar que as situações que dão origem a tais práticas e, decorrentes destas práticas, a tais ideias, se devem ao modo de vida moderno. A morte - mais precisamente, o morrer - é um problema já antigo, mas era, digamos, um problema natural. As situações modernas rimam sempre um pouco com Auschwitz; Auschwitz resulta sempre um pouco das situações modernas."
(pp. 94-95)

sábado, 14 de março de 2015

terça-feira, 10 de março de 2015

MEDEIROS/LUCAS - Mar Aberto

segunda-feira, 9 de março de 2015

Luiz Pacheco

"A televisão está a matar a literatura?
A televisão não mata nada! A televisão é para estúpidos! Eu, até há dois anos e meio, não
tinha televisão, nem telefone, nem frigorífico. Agora, é tipo novo-rico, deixo as coisas aí a estragaram-se. Eu não tinha televisão e caiu-me em casa, estava eu de cama, dia e noite. Via muito. E nunca tinha visto cenas de quartos, nem essas gajas brasileiras que cá vêm, aquilo era tudo para mim novidade, caras novas, bons actores, boas encenações: espanto! Fiquei um bocado obcecado. Estava a vigiar, agora muito menos, o Herman José, que foi, para mim, um belíssimo professor. Até porque a televisão, como é uma imagem deturpada, mas imagem, da sociedade actual, levou-me onde eu não podia ir sem ela. Com a televisão entrou-me o século xx pelo quarto dentro.

E apanhou-o deitado...
E apanhou-me deitado, é uma posição boa, não é? [risos]. Agora vejo uma telenovela, espanto, vejo uma, vejo duas, vejo três, vejo sempre o mesmo gajo que aparece em todas e que é um tipo chato, um actor de merda. Nos filmes querem-me impressionar com  aquelas músicas de treta. E depois com as boquinhas de peido da Catarina Furtado, são palhaços! E as gargalhadas dão-me cabo da cabeça. Riem-se de nada, então naqueles filmes que têm gargalhadas por detrás, supõem que rimos por eco. Isto é que dá cabo da literatura? Nunca.

Mensagens para as novas gerações?
Puta que os pariu.
(132-133)
 O Pacheco dizia-se um libertino, mas segundo consta quando lhe fizeram a si o que fazia aos outros ficou todo chateado.
Não sei ao que se refere.
Quando apanhou a sua primeira mulher com a Natália Correia...
Não apanhei. Se a apanhasse não sei o que é que faria.

Então o que é que se passou?
A Natália é que era uma maluca, uma degenerada. Não arranjava amantes de borla, era só velhos com massa. A maluca teve lá em casa a minha companheira e o miudito. eu estava no Limoeiro a cumprir pena. Já sabia como é que a maluca era, por isso, sempre que era visitado pela minha, perguntava: «Então, como vai aquilo lá por casa da Natália?» Aquilo eram conversas de prisão com uma grade à frente: «vai bem, mas houve uma coisa que eu não percebi...» «Alto lá!», pensei. E perguntei-lhe logo: «O que foi?»; «Olha, fomos para a casa de banho as duas, dois homens já é mais complicado - ela despiu-se toda e começou a esfregar a rata no espelho.» Essa é de um gajo morrer a rir. A minha era uma camponesa, sabia lá o que era aquilo de esfregar a rata no espelho. Agora aquela demonstração de sexo, de esfregar a rata na rata do espelho... Quando saí, tive de esclarecer o assunto com a Natália.

Mas é libertino...
Não se pode ser. Não. Sou é um velhadas muita louco. 
(144-145)
E esta solidão em que vive alimenta-lhe alguma nostalgia?
Não. Também não adiantava. Eu nunca aguentaria uma situação idêntica à do Saramago, por exemplo. A Pilar controla tudo, de manhã à noite. O homem não pode ter aventuras nem com homens nem com mulheres. Nada. Está ali com o mirone sempre a pau. O que é que há-de fazer? Faz bolhetins do gabinete do senhor escritor José Saramago. Tanto dá que tenha sido escrito por ele, pela mulher-a-dias, pela Pilar, pela Desidéria. Ele no fim assina e pronto. Vai aqui, vai ali, recebe prémio, não recebe prémio. Ele é um computador. Mesmo que tivesse vivido ao longo destes anos uma aventura qualquer não pode escrevê-la. Está impedido.

Percebo o que quer dizer. Pergunto-lhe então no que é que aplica a sua liberdade.
Agora uso-a para mijar.

(159)

Como é que se tem dado aqui neste lar?  
Há uns tempos andei com a ideia de fazer uns trabalhos sobre lares. A má fama dos lares é justificada... e não sabes tu da metade do que se passa aqui... há uns casos humanos dramáticos, por exemplo, a senhora do quarto aqui ao lado... à noite têm de lhe mudar a fralda... passa horas a berrar «senhora empregada, senhora empregada.» Ninguém aparece... eu ainda lá fui uma vez... aqui não há campainha de alarme, não há telefone. Também, o que é que isso interessa, no lar de Palmela havia telefone, mas tocava-se e não estava lá ninguém... Esse lar de Palmela era o lar n.º I, o melhor do país segundo a Deco. Era um modelo. O projecto do lar deve ter sido gamado do estrangeiro. Era um lar invulgar, com todas as condições. Mas o ambiente era muito desumano, era uma espécie de aldeia turística. (...) Era um lar no meio de uma serrra, com o ar puríssimo de Palmela, uma construção nova, em arco, sem vizinhança, sem casas à volta... Era muito bonito... Fui para lá logo quando aquilo começou... no início, a fase da promoção, serviam um bacalhau altíssimo, as torradas pareciam as das pastelarias da Baixa, dois andares de torradas, molhadas em manteiga, o café com leite vinha com dois pacotes de açucar... depois, um dia, começou a aparecer um só pacote...vieram as economias... as torradas passaram a ter só um andar com uma lambidela de margarina... Agora este aqui, do Príncipe Real, já se aproxima mais da generalidade. Por exemplo, as giletes que eles dão algumas já barbearam mortos. Tu não fazes ideia... Isto é um armazém de pré-cadáveres, é uma parada de monstros. Há um gajo que não tem uma perna, anda de cadeira de rodas empurrado por um velhinho de 88 anos, há outro que é cego, tem glaucoma, mais a namorada, que é horrorosa, mas como ele não vê também não faz mal... outro tem alzheimer, o senhor Américo, entra aqui, de boné e pijama, dá uma volta pelo quarto, às vezes vai à casa de banho, sai, não repara em ninguém, não diz nada... há outro que é o senhor Virgílio, anda pelos corredores a rir e a assobiar, são dois fantasmas... há um que anda aqui a passear de um lado para o outro, diz «ai, ai, ai», depois vai bater na outra que está sempre sentada na cama, vai lá mexer... não tem mão nela... com estes gajos não se pode estar a discutir, é comprimido, água para o bucho, não vai um vão dois, fica a dormir dois dias seguidos. Isto agora aqui são os últimos dias do condenado. Aqui a lei é morrer devagar. Está uma a morrer ali, ou já morreu, não sei, estou eu a morrer aqui, está outra a morrer ali... A ver quem morre primeiro... «Já foi», é o que dizem quando alguém morre. Agora já sei o que vão dizer quando eu morrer."
(194)
A propósito, no outro dia na televisão disseste que te estavas nas tintas para os jovens de hoje.
Disse «puta que os pariu».

É blague. Falas dos teus filhos, de uma neta muito bonita, para que é que dizes essas coisas?
A primeira vez que disse isso foi para a revista Ler. O gajo massacrou-me horas com a entrevista, eu já estava cansado, às tantas fiz-lhe um manguito, mas ele, no corredor, ainda me veio com essa do futuro. Puta que os pariu.
 (272)
              Entrevistas a Luiz Pacheco, O Crocodilo que Voa, Tinta da China Edições, 2015               

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

domingo, 8 de fevereiro de 2015

A singularidade extraordinária de Buchenwald

"Porém, quando se fala da Europa, para mim é absolutamente necessário regressar aos
campos. Embora tenha decidido, por uma questão de higiene pessoal, nunca mais aludir deliberadamente a esse passado, sou obrigado a fazê-lo indirectamente aqui. Buchenwald é um campo onde o símbolo, a incarnação do projecto europeu nos seus primórdios, é evidente e se inscreve na própria realidade geográfica dfo campo. A chaminé so crematório domina o campo tal como se apresenta heje, e foi ela que se tornou lugar de memória. Mas, no fim da colina que desce para a planície da Turíngia, há uma floresta muito recente, que os velhos deportados sabem muito bem que não existia na época. Foi plantada pelas autoridades da República Democrática Alemã. Porquê? Para esconder as valas comuns do campo estalinista.
Porque a singularidade extraordinária de Buchenwald reside no facto de, dois meses depois da partida dos últimos deportados, resistentes jugoslavos, portanto em Setembro de 1945, o campo ter reaberto para se transformar num campo da polícia soviética, na zona da ocupação russa na Alemanha. Transformou-se no Speziallager Nr. 2, o «campo especial nº2». O campo só esteve vazio de prisioneiros durante um breve intervalo de poucas semanas. É evidente que esse símbolo possui uma força extraordinária. É por esse motivo que a Alemanha tem um papel essencial a desempenhar, além da «expiação» dos crimes nazis: porque é o único país da Europa onde se sucederam directamente os dois totalitarismos, pelo menos numa parte dessa Alemanha reunificada. É por esse motivo que a motivação europeia é particularmente sensível na Alemanha em geral, e em Buchenwald em particular."

Jorge Semprún, A Linguagem é a Minha Pátria - Entrevistas com Franck Appréderis, Bizâncio, (tr. )
    2013,  p. 113-114        

Vermeer, A Vista de Delf (1660-61) e Rubens, As três Graças (1639)


Por sugestão de Jorge Semprún, A Linguagem é a Minha Pátria - Entrevistas com Franck Appréderis, Bizâncio, (tr. ) 2013, p. 68, onde se pode ler:
"Com efeito, creio que poderia contar a minha vida, ou escrever as minhas memórias (cada período diferente, cada episódio, cada camada de mil-folhas), em torno de um certo número de museus. Poderia, por exemplo, contar o fim da infância e a minha adolescência em torno do museu de Haia, o Mauritshuis, porque o visitava muito nesse período, e dele conservo a recordação de A Vista de Delf de Vermeer. Poderia também contar toda a minha vida política clandestina em torno do museu de Praga, a Galeria Nacional, bem como de certos museus da URSS, como o Ermitage de São Petersburgo, Petrogrado ou Leninegrado, ou a Galeria Tretiakov de Moscovo.
Mas há sobretudo esse museu que me acompanha de uma ponta à outra da minha existência: o Prado. Em primeiro lugar, porque passei a minha infância a duzentos metros daqui, numa rua vizinha, e, todos os domingos, o meu pai levava alguns dos seus filhos - não todos, mas três ou quatro dos mais velhos - ao Prado. Tratava-se, porém, de uma visita selectiva: não tínhamos o direito, por exemplo, de ir ver os nus femininos. Portanto, foi muito mais tarde que vi a pintura de Rubens. Vínhamos para a pintura histórica, a pintura religiosa, a pintura de Goya - mas não para os nus a transbordarem de carne de Rubens, que eram censurados!"