sexta-feira, 15 de junho de 2007

Psicofisiologia

Paixões = estados emocionais patológicos/doentios; de intensidade exagerada; pouco adaptativos.

D.O.

sábado, 2 de junho de 2007

O futuro de uma ilusão


Vinte e sete anos após a publicação de A Interpretação dos Sonhos – obra, considerada por muitos como uma das mais influentes do século XX – Freud propõe algo não menos prodigioso: uma visão sobre o passado, presente e futuro da civilização.
E não o faz sem antes alertar para os perigos que todo o homem enfrenta perante tal empreendimento: a perigosa influência nas suas posições das suas expectativas, experiências
de vida e temperamento, bem como a dificuldade de se distanciar do presente em que está inevitavelmente imerso de modo a delinear de forma mais objectiva os seus argumentos.

Começa então por definir civilização como “tudo aquilo em que a vida humana se elevou acima da sua condição animal e difere da vida dos [restantes] animais”, i.e., as conquistas do homem sobre a natureza no sentido de controlá-la extrair dela riqueza e ainda as normas que foi construindo de modo a “regular” as relações humanas, especialmente no que toca à distribuição da riqueza disponível. Apesar de considerar grandiosas as conquistas humanas sobre a natureza, Freud revela-se mais pessimista no que concerne aos assuntos humanos: defende que, devido ao predomínio das disposições instintivas sobre o intelecto, todo o indivíduo é virtualmente um inimigo da civilização pelo que esta apenas se mantém com base na coerção. Isto conduz inevitavelmente a estados de privação e de insatisfação, sobretudo das massas (mais oprimidas).

Mas como poderá a civilização compensá-las por tal sofrimento? Através dos ideais, da arte e da religião. Os primeiros porque permitem uma espécie de satisfação narcísica quando o indivíduo compara a sua cultura (que considera superior) às demais. A arte, embora acessível apenas às minorias, por proporcionar a sublimação dos impulsos e consolidar sentimentos de identificação com a cultura. E a religião, que considerada pelo autor como “o mais importante [e valorizado] inventário psíquico de uma civilização”, constitui-se como o principal foco da presente obra. É no confronto com um opositor (personagem que cria de modo a proporcionar uma acesa discussão) que Freud se compromete a responder, entre outras, à pergunta Qual o valor das Ideias Religiosas? Dedica-se primeiramente à explicação da origem de Deus com base na interacção entre as necessidades/desejos da civilização – humanização da natureza, atribuindo-lhe um sistema de significações humanas para melhor poder compreendê-la e “influenciá-la”; fazer face ao destino cruel de privações e sobretudo à angústia da inevitável morte e ainda “vigiar os preceitos da civilização” – e necessidades/desejos de natureza mais individual – transferir conflitos da infância (ligados ao complexo edipiano) para a vida adulta com uma solução universalmente aceite: a figura paterna, protectora, amada e temida revela-se na figura do Pai, cuja força imensa é temida, mas que protege contra os perigos do mundo.

Embora apresentadas ao indivíduo como revelações transmitidas por Deus ao longo das gerações (ignorando qualquer aspecto histórico da sua evolução), para Freud o seu “valor civilizacional real” não deriva da sua santidade, mas sim do seu papel enquanto importantes vias para a coerção dos instintos primordiais (ex: incesto, assassínio), formando, portanto, um importante sistema de “regras-veículo” da civilização. O nível moral dos seus membros corresponde ao ponto até ao qual as regras são interiorizadas. Contudo, Freud define-as como ilusões, uma vez que não sendo produto de raciocínio sistemático e/ou de verificação empírica, resultam – exclusivamente - dos mais antigos e prementes desejos da humanidade, advindo daí a sua força. Argumenta que, apesar da impossibilidade de serem refutadas ou confirmadas, são talvez os predicados civilizacionais mais decisivos na definição da relação humana com o mundo e ao mesmo tempo mais contraditórios e menos comprovados, não tendo qualquer fundamento racional e que, portanto, se não forem comparáveis a delírios, representam para a civilização pelo menos um “problema psicológico grave”.

E qual a solução para o problema? Dado a essência proibitiva da doutrina religiosa, reprimindo os instintos, mas ao mesmo tempo impedindo que dúvidas se levantem acerca dos seus axiomas, a educação religiosa precoce (dominante na época), conduzirá segundo o autor, a um futuro intelecto débil, uma vez que as ideias são transmitidas numa idade em que a criança não é capaz de reflectir adequadamente acerca do que lhe é apresentado. Não obstante admitir a possibilidade de estar ele próprio a perseguir uma ilusão ( “talvez o efeito da proibição religiosa no pensamento não seja tão grave, talvez a natureza humana pudesse ter evoluído no memos sentido”), Freud propõe uma educação não religiosa (principal objectivo da obra). É verdade: o individuo terá de enfrentar uma situação difícil, terá de admitir para si todo o seu angustiante desamparo, mas o “homem não pode ser criança para sempre” terá de fazer melhor uso dos seus recursos – sobretudo dos intelectuais, terá de “chamar à terra” todos os pressupostos civilizacionais e despojá-los de toda a santidade; mas não estará completamente desamparado: a Ciência, com base no intelecto humano e na experiência, pode conseguir um certo conhecimento da realidade que por sua vez conferirá ao homem maior poder na organização da sua vida.

Apesar do imenso número de questões por responder, dos problemas (epistemológicos, metodológicos…) que possam surgir, as suas numerosas conquistas não são uma ilusão. Para Freud, a ciência afigura-se portanto como o caminho no qual a civilização poderá alcançar o “estado psicológico ideal”: a primazia do intelecto sobre os instintos.


D.O.