quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Livros novos

adquiridos na nova livraria da Praia da Vitória que, de novo, volta a ter um espaço para venda de livros. Apesar de a livraria ser pequena, encontrei várias coisas interessantes e comprei três livros (todos com 10% de desconto). Os últimos dois já estavam na lista de desejados, o primeiro foi completa surpresa: eu sabia já da sua existência pois tinha visto o ano passado a série televisiva da BBC com o mesmo nome e conhecia outros livros do autor sobre a Shoah e o nazismo, desconhecia era a tradução que, até à página 74, se tem revelado excelente:
Laurence Rees, Auschwitz - os nazis e a «solução final» (Dom Quixote, Booket, tr. 2008).
Ron Aharoni, Aritmética para Pais, (Gradiva, temas de matemática, tr. 2008).


Janet Browne, A Origem das Espécies de Charles Darwin, Gradiva, Ciência aberta, tr. 2008.

Felicidades pois para a nova livraria.
De que vale uma cidade se não tem livrarias?

LFB

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Eu, hoje, reduziria a questão da educação a três termos:

Ler
falar
agir.

As três questões que cada um dos implicados no assunto deve responder são:

O que devo ler?

Com quem devo falar sobre o que li?

O que devo fazer para ensinar/educar/melhorar?


O resto são cantigas políticas/económicas/sociais com muitos erros à mistura.
(LFB)

segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

Porquê estudar a shoah?

“Teremos aprendido alguma coisa? As pessoas raramente aprendem a partir da história e a história do regime Nazi não constitui excepção. Também falhámos na compreensão do contexto geral. Nas nossas escolas falamos, por exemplo, de Napoleão e do modo como ele venceu a batalha de Austerlitz. Ganhou-a por si só? Alguém o terá ajudado nesse feito? Talvez uns tantos milhares de soldados? E o que aconteceu às famílias dos soldados mortos, aos feridos de ambos os lados, aos habitantes das cidades que foram destruídas, às mulheres que foram violadas, aos bens e posses que foram saqueados? Continuamos a ensinar acerca dos generais, acerca dos políticos e dos filósofos. Tentamos não reconhecer o lado negro da história – os assassínios em massa, a agonia, o sofrimento que, vindo de toda a história, nos esbofeteia. Não ouvimos o lamento de Clio. Continuamos a não compreender que nunca seremos capazes de lutar contra a nossa tendência para a aniquilação recíproca se não a estudarmos e a ensinarmos e se não enfrentarmos o facto de que os humanos são os únicos mamíferos capazes de aniquilar a sua própria espécie.”
BAUER, Yehuda, Rethinking the Holocaust, Yale U.P., 2001, p.262. (tr. L.F.B.)

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Putnam e a filosofia judaica (iii) "Rosenzweig on Revelation and Romance" (pp. 37-54).

"Aqui uma frase não se segue da sua antecessora, mas, e isto é muito mais o caso, da sua sucessora." (Rosenzweig, "the New Thinking", in Philosophical and Theological Writings, citado por Putnam, p.38)

A citação surge no contexto inicial do capítulo onde se fornecem algumas explicações sobre o porquê da obra principal de Rosenzweig - The Star of Redemption - , ao contrário de USH, ser uma obra muito difícil. A razão da dificuldade passa por ter que ler toda a obra e por perceber a crítica já apresentada à filosofia como a procura das essências. Rosenzweig ironiza com os filósofos que, lendo as primeiras páginas de uma obra e encontrando alguma falha lógica, dão por refutada toda a obra, senão mesmo todo o trabalho do autor.

Rosenzweig profetiza o fim da filosofia como metafísica e propõe uma nova maneira de filosofar: a filosofia narrativa, também designada de filosofia experiencial ("experiential philosophy", p.40). As próximas páginas são dedicadas à explicação desta nova concepção. Em primeiro lugar, esta escrita pretende levar "o leitor a encontrar-se com o autor" (p.41) promovendo mudanças profundas no leitor. É "prosa existencial" e, por isso, pretende realizar, através da escrita, o tipo de diálogo descrito anteriormente como "falando-pensando". É também "escrita revelatória", no sentido de experiência teológica, uma experiência de encontros, uma experiência de "um acontecimento entre os dois". (Paul Franks, citado por Putnam, p. 41).
Putnam estabelece aqui uma relação entre Rosenzweig e Levinas afirmando que também na filosofia ética deste se pode ler um tipo de narrativa semelhante: "quando Levinas nos diz que cada um de nós deve aprender a dizer "aqui estou eu" ao outro, o seu «aqui estou eu» é, na verdade, modelado no hineni de Abraão: que é o que Abraão diz a Deus quando Deus o chama para sacrificar o seu querido filho Isaac ..." (p.43). Ainda que, como Putnam afirmará mais adiante (p.49), haja diferenças assinaláveis entre os dois filósofos: para Rosenzweig surge primeiro a percepção de que se é amado por Deus e só depois a ordem de amar o outro. Para Levinas é o contrário.
Nas páginas seguintes Putnam explica, através do amor de Deus por Abraão em particular (e pelo povo judeu, em geral), a relação amorosa entre Deus e a alma humana/Abraão: "é esta imagem de Deus como amante que domina a narrativa na secção acerca da Revelação (Livro II da Parte II) da Star." (P.46)
Deus diz a cada pessoa "ama-me" e se esse apelo for correspondido haverá "consequências" relacionadas com a redenção de que fala Rosenzweig: implica imitar Deus e amar "todo e cada ser humano como ser humano." (p. 49). Este "matrimónio" implica sair de "uma mera relação "interior" com Deus". A grande tragédia da alma humana na sua não-relação com Deus é fechar-se dentro de si própria, é tornar-se uma alma "Metaética" (p.47). Neste contexto Putnam cita Auden:

The error bred in the bone
of each woman and each man
not universal love, but to be loved alone.

e outro verso do mesmo poeta:

"Always the soft idiot softly me"

Mas o matrimónio/redenção não acontece apenas pela aceitação ética de amar o outro individualmente. A redenção será um estado onde "o amor de Deus e o amor do próximo serão verdadeiramente universalizados." (p.51) Ainda que a redenção seja projectada para o futuro, o homem deve agir de forma a experienciá-la no presente: a analogia com o amor entre as pessoas é esclarecedora: a redenção está no futuro e no presente do mesmo modo que duas pessoas que se amam, experienciam o seu amor no presente e querem continuar a experienciá-lo no futuro.
"A redenção tem um lado pessoal - é algo experienciado por cada pessoa religiosa; e tem um lado comunal - é algo exemplificado e modelado pela comunidade religiosa judaica como um todo; e tem um lado escatológico, mas não é apenas escatológico porque a sua futura ocurrência é algo que está "presente" ao judeu individual agora." (p.54)
(LFB)

quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

Putnam e a filosofia judaica (ii) "Rosenzweig and Wittgenstein"(pp. 9-36).

O primeiro capítulo começa com duas citações de Wittgenstein:
"Sem alguma coragem, ninguém pode escrever uma frase genuína acerca de si próprio."
"Algumas vezes acredito." (p.9)

Putnam discutirá aqui algumas semelhanças entre as atitudes de Wittgenstein e as de Rosenzweig em relação à filosofia. Mas primeiro alguns esclarecimentos sobre a filosofia Wittgensteiniana:
1) Putnam acha errada a visão de que wittgenstein é um anti-filósofo cuja missão é mostrar que os problemas filosóficos são apenas confusões e que encara a filosofia como uma doença que pode ser curada através de uma terapia acerca do significado da linguagem. "O que preocupava Wittgenstein era algo que ele via como estando profundamente enraizado nas nossas vidas com a linguagem ..." (p.11). Se compreendermos que a procura de clareza (exemplificada pelo trabalho de Wittgenstein) é necessária sempre que pensamos seriamente então veremos que o trabalho de Wittgenstein, em vez de ser o fim da reflexão filosófica, é uma forma de levá-la para áreas onde antes não víamos nada de filosófico.
2) Wittgenstein nunca aceitou a ideia de que "a religião é essencialmente uma confusão conceptual". É certo que as pessoas são vítimas de confusões religiosas, desde a superstição até "à tentação de tornar a religião numa teoria em vez de a encarar (aquilo que ele achava que deveria ser) como uma vida de aprofundamento" (a deep-going way of life, p.11), daqui o interesse de wittgenstein em Kierkegaard. "... Seria mais correcto afirmar que ele atacou os aspectos anti-religiosos do «Iluminismo com um I maiúsculo» em nome do próprio iluminismo." (p. 12). A religião não é uma teoria. Pretender que a religião pode ser criticada ou defendida apelando a factos científicos é um erro.

Comparação Rosenzweig/Wittgenstein:

a) ambos defendem que é uma confusão querer provar a verdade de uma religião apelando a "factos históricos": "uma confusão entre a transformação interior da vida de uma pessoa - para Wittgenstein a verdadeira função da religião - e os objectivos e actividades da explicação e previsão científicas" (pp. 13-14). Nas páginas seguintes Putnam analisa citações de Rosenzweig onde o significado do judaísmo é discutido;

b) ambos defendem que a procura da essência das coisas é um projecto “absurdo”; Rosenzweig argumenta no seu livro Understanding the Sick and the Healthy (USH) usando a “ironia redescritiva” (ironic redescription, penso que é uma expressão de Rorty, mas não tenho a certeza). O exemplo hilariante dado por Rosenzweig é a procura da essência de uma barra de manteiga. Putnam também ironiza apresentando um hipotético diálogo entre professores que, numa conferência, discutem metafísica. O diálogo termina assim: “(prof. D) Eu sugiro: «X quer uma barra de manteiga» significa «X quer que seja verdadeira uma frase que esteja numa relação de sinonímia com a seguinte frase: «eu tenho uma barra de manteiga»”. Ainda que os conferêncistas se defendessem afirmando que a sua discussão é sobre a semântica de certos tipos de frases, isso de nada serviria uma pois: “a «semântica» contemporânea é quase sempre apenas metafísica à moda antiga, mas disfarçada.” (p.21 Putnam com o apoio de C. Travis).
Apesar do ataque à metafísica não se pode dizer que os filósofos aqui em causa sejam nominalistas, isto é que estejam a defender uma tese metafísica sobre as essências: Por exemplo que, em relação ao problema da identidade pessoal, estejam a afirmar que "... não há nada que as diferentes coisas juntas sob um nome tenham realmente em comum" (p. 23, uma tese defendida, por exemplo, por D. Parfit). Rosenzweig defende que é essencial para nós podermos pensar que somos a mesma pessoa em diferentes tempos, a frase que Putnam cita do USH é "o senso comum em acção preocupa-se com a permanência do nome, não com a essência, ". Putnam interpreta "o senso comum em acção" como o mesmo que Locke defendeu ao ligar a identidade com as recordações de coisas que nos aconteceram ou com a ideia de Kant de ligar o pensamento racional com "o facto de eu encarar os meus pensamentos, experiências, memórias e outras coisas que tais como sendo minhas" (p. 24).

"Kant, tal como Locke, podem ser encarados como defensores da ideia de que o "jogo" de pensar os meus pensamentos e acções em diferentes tempos como sendo meus não depende de uma premissa metafísica acerca de "substâncias auto-idênticas", e é, mesmo assim, um jogo do qual não podemos optar por sair enquanto estivermos empenhados no "senso comum em acção.""
A ideia comum que Putnam encontra "nestes pensadores" é a de que colocar o problema da identidade pessoal (" de quantas substâncias auto-idênticas sou eu composto?") ou outro problema filosófico qualquer, é afastarmo-nos daquilo que realmente importa, "daquilo que é necessário para o "senso comum em acção"" (p.25).

A questão importante é então: "o que significa o senso comum em acção para o homem religioso?" (p.26) Da mesma maneira que um homem não se relaciona com outro homem através de teorias ou de essências também não poderá relacionar-se com Deus através de uma teoria ou de uma essência. A tarefa do homem não é apresentar provas de Deus, do mundo e do homem, mas reconhecer (acknowledge) Deus, o homem e o mundo (aqui Putnam faz outra comparação com Wittgenstein socorrendo-se da interpretação de S. Cavell que interpreta Wittgenstein como alguém que encontrou uma verdade no cepticismo). E não poderá reconhecer um sem reconhecer os outros.

É correcto entender Rosenzweig como um filósofo existencialista (na linha de Kierkgaard), mas não é correcto afirmar que o ataque à metafísica que é feito no USH se dirige apenas ao Idealismo Alemão. É verdade que o idealismo alemão é atacado mas é também atacada uma grande ilusão filosófica: a ilusão de que a filosofia pode fornecer conhecimento das "essências". (p.17) (daqui que Rosenzweig dê exemplos do materialismo, do positivismo e do empirismo e não apenas do idealismo). A filosofia é encarada no USH não como uma coisa técnica mas como uma "tentação que quem quer que se pensa a si próprio como religioso pode estar sujeito" (p.17). A tentação filosófica assim entendida é "a de substituir palavras, especialmente palavras que não têm conteúdo religioso porque não têm relação interna com uma vida religiosa genuína, por esse tipo de vida (...) "Tal como Wittgenstein e Kierkgaard, Rosenzweig encarava a metafísica como uma forma de tentação exagerada, de facto, como uma «doença» à qual estamos todos sujeitos." (p.18)

O ataque à metafísica também não é um ataque à capacidade de espanto. Capacidade que não pertence apenas ao domínio filosófico mas também à vida comum (ordinary life). Para Rosenzweig, o filósofo é aquele que não consegue "que o seu espanto, armazenado como está, se liberte para a corrente da vida". À medida que ele se abstrai do concreto para poder compreender o problema , à medida que procura o ponto de vista imaginário, à medida que procura colocar-se a sí próprio de um ponto de vista neutro, a sua capacidade de espanto fica paralizada e a "corrente da vida é substituída por algo submissivo" (p.28, extratos de citações feita por Putnam de USH). E é esta a doença presente no título do livro. A doença do filósofo é a paralisia perante o decorrer da vida. Isto acontece, diz Rosenzweig, porque o filósofo tem "medo de viver" e mais do que isso porque procura iludir a morte:

"...então ele prefere sair fora da vida. Se viver significa morrer, ele prefere não viver". (Rosenzweig, USH, citado por Putnam, p. 29).

Quando li o livro de Rosenzweig fiquei espantado com o facto de o livro apresentar a paralisia, ainda que metaforicamente, como a doença dos filósofos. Não é que eu não estivesse consciente dos perigos da filosofia, basta pensar, por exemplo, na distinção entre agir e pensar, no filósofo e no homem prático, na utilidade da filosofia (Hume), etc. O espanto adveio do facto de ter ficado a saber que, pouco tempo depois de ter terminado o livro, Rosenzweig descobriu os primeiros sintomas da doença de Lou Gehrig e em poucos anos ficou paralisado (num estado semelhante ao de S. Hawking). O homem religioso que escreveu sobre o filósofo paralisado, tornou-se, pelos infortúnios da vida, o homem religioso paralisado. Espanto e arrepio.

Apesar de tudo Rosenzweig continuou a viver de acordo "com as exigências da sua própria filosofia existencial" (Putnam, p.29). A comunicação ficou reduzida ao piscar dos olhos. [Também noutro caso que deu origem ao livro, e depois ao filme, O Escafandro e a Borboleta o autor usa o mesmo processo de comunicação através do piscar de olhos e dita/escreve o livro dessa forma. Quem terá inventado esta forma de comunicação?]. Rozensweig continuou a escrever, traduziu, do hebraico, a Bíblia, conjuntamente com Buber, e não deixou de transmitir a confiança e a determinação que já eram suas antes da doença (já havia rejeitado um lugar na Universidade porque "as lutas com as pessoas e as condições tornaram-se agora a substância da minha existência" carta de Rosenzweig citada por Putnam, p.31).

A proposta existencial de Rosenzweig é o "novo pensar" (new thinking). Em que consiste? Três características são apresentadas por Putnam:
i) "falando pensando", determina a necessidade de outra pessoa (que houve e fala) e de tempo; não sabemos o que outro irá dizer nem quando terminará (os diálogos de Platão são criticados porque quem escreve já sabe o que o dialogante irá dizer);
ii) a teologia e a filosofia devem ser humanizadas;
iii) é preciso estar pronto (readiness) em vez de ter um plano; (desejo de Rosenzweig de reviver todas as formas de aprendizagem judaica e de restaurar a vida judaica em Weimar: "as coisas superiores não podem ser planeadas, para elas a prontidão é tudo").

O capítulo termina com a crítica de Putnam ao facto de Rosenzweig afirmar - no considerado obscuro e inacessível livro intitulado The Star of Redemption (versão inglesa) - que só duas religiões têm significado genuíno - o judaísmo (por ser a única religião a-histórica no sentido em que as mudanças nunca são mudanças "reais") e o cristianismo (a religião histórica por excelência). Putnam vê aqui resquícios do Hegalianismo outrora defendido por Rosenzweig.

----
Ideia geral defendida por Putnam: Apesar de a filosofia necessitar de "análise de argumentos e técnicas lógicas" é muito importante não esquecer que estas técnicas devem estar ao serviço da filosofia com um modo de vida (= transformar o nosso modo de vida e compreender o nosso lugar na comunidade), é esta visão da filosofia que é comum aos quatro filósofos estudados neste livro.

(LFB)