segunda-feira, 11 de setembro de 2006

"... Qualquer que tenha sido a história passada e presente das relações do Ocidente com o resto do mundo, é uma falácia pretender que os pecados desta história justificam (versão forte, que diz o que quer dizer) ou permitem compreender (versão fraca, no fundo ininteligível: compreender seria qualquer coisa como uma desculpa mole) o que se está a passar. E é uma falácia a vários títulos, sem ter sequer de kantianamente se lembrar que nunca o mal que me é feito pode justificar o mal que faço. O que se está a passar e a construir, e nos ameaça aqui onde estamos, onde cada um de nós está, é uma frente de ódio que inaugura algo de inédito. Dando-se misturadamente com coisas velhas em que é difícil distinguir causas e efeitos, em que ninguém tem completamente culpa porque todos têm alguma ou muita razão - estou antes de tudo mais a pensar, evidentemente, no conflito entre israelitas e palestinianos -, aquilo que desde há alguns anos irrompe e é radicalmente novo é a rejeição sem apelo, e sem quartel, da sociedade livre ocidental. (...) (p.228) "...estou certo de que, face ao terrorismo, os governos ocidentais ficarão eternamente agradecidos a quem for capaz de lhes ensinar a maneira adequada de conciliar plena liberdade e segurança - a sua, e a minha. Será talvez pathos de mau gosto mas não consigo evitar pensar que se a polícia italiana não tivesse controlado, provavelmente ilegalmente, as conversas dos telefones dos terroristas - foi por esse meio que os descobriram -, eu poderia neste momento estar debaixo da terra. (...) Por fim, há excelentes razões - pelo menos! - para presumir que as limitações às liberdades terminarão mal a guerra teminar, como aconteceu depois das duas guerras mundiais do século xx. Obviamente. Estejamos descansados, comemoremos em liberdade o oitavo centenário da Magna Carta em 2015! Entre parênteses, permito-me recordar (será ainda de mau gosto?) que há cem mil cruzes brancas americanas nos cemitérios da costa francesa do desembarque. Porque não são estas evidências reconhecidas, e menos ainda assumidas? A resposta só pode ser uma, e vejo nela a manifestação mais forte do niilismo. É que no fundo não se quer aceitar que a guerra nos foi imposta - e que estamos em guerra.(...)" Fernando Gil, "dois artigos", em Gil, Tunhas e Cohn, Impasses, Europa-América, 2003, pp.236-237.