segunda-feira, 14 de setembro de 2015

Sou Investigador. Quero estudar a água.

"Para Tales, pessimista, o tempo só trazia atributos negativos: magreza à saúde, fraqueza à força.
Paixão significava desilusão; e é o entusiasmo da noite que, mais tarde, de manhã, nos fará ficar sem forças - pensava Tales.
Recusou então Lianor; não por sobranceria, mas por prudência. As mulheres guardam no corpo a serpente, sempre pensara.
Desespero em Lianor, claro, como em qualquer mulher rejeitada.
Quis morrer: atirou-se ao mar.
Tales interrompeu a sua tarefa de olhar o que não é possível ser olhado, ouvira os gritos dos habitantes de Mileto:
Lianor desaparecera nas águas!
Tales correu para a praia. Olhou para o fundo:
- Este mar matou - disse. - Está calmo demais.
Indisciplinado por natureza, depois deste acontecimento, Tales transformou-se. Levantava-se agora, todas as manhãs, a hora certa.
O que fazia?
Ele, o filósofo, o sábio, pegava no barco, que enchera de arroz na véspera, e entrava no mar. à medida que avançava ia atirando arroz à água, como se esta fosse um ser com fome.
- Se os peixes e a água comerem arroz, os peixes e a água esqueceram a carne de Lianor.
Assim pensava Tales, o sábio.
Durante vinte e cinco anos ele manteve o mar alimentado com arroz. Jurava, no entanto, não o fazer por amor; era orgulhoso. Dizia:
- Sou Investigador. Quero estudar a água."
                    Gonçalo M. Tavares, Histórias Falsas, Caminho, 2014, pp. 25-26.                       

Sem comentários: