segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Nathaniel Hawthorne, A letra Encarnada (The Scarlet letter), tr. Fernando Pessoa, Pub. D. Quixote, 2009
"É uma boa lição - ainda que por vezes dura - para um homem que sonhou com a glória literária, e com o talhar-se um lugar, por esse meio, entre os grandes do mundo, o sair um pouco do círculo estreito dentro do qual se aceitam suas pretensões, e ver quão vazio de sentido, fora desse círculo, é tudo quanto ele faz ou quer." ( "alfândega, introdução a A Letra Escarlate, p.25")
"...o facto é que ela sentia ou imaginava que a letra encarnada a tinha dotado de um novo sentido. Estremecia ao crer, mas não podia deixar de crer, que lhe dava um conhecimento sensível do pecado oculto em outros corações." (85)
"Quando uma multidão inculta tenta ver com os próprios olhos, corre grande risco de enganar-se. Quando, porém, forma o seu juízo sobre as intuições do seu grande e ardente coração, as conclusões a que assim chega são muitas vezes tão profundas e certas que assumem o aspecto de uma verdade sobrenaturalmete revelada." (128)
"O público é despótico por natureza; é capaz de negar a justiça vulgar quando insistentemente se lha exige como um direito; mas com igual frequência dará mais que justiça, quando o apelo é feito, como os déspotas gostam que se lhes faça, inteiramente para a sua generosidade." (166)
"O futuro está ainda cheio de experiências e de triunfos também. Há felicidade a gozar! Há bem a fazer! Troca esta vida falsa por uma vida verdadeira. (...) Levanta-te e parte." (206)
"Nenhum homem, durante um espaço razoável de tempo, pode usar uma cara para si e outra para a multidão, sem que por fim fique confuso sobre qual delas é a verdadeira" (227)
"Era uma época em que o que chamamos talento tinha muito menos consideração do que tem agora, mas em que os materiais pesados que produziam a estabilidade e a dignidade do carácter tinham muito mais." (248)

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

- Poderíamos ficar, para toda a eternidade, a ler contos filosóficos, o que acham? - Perguntou um mestre aos seus discípulos, depois de lerem alguns contos do livro Tértúlia de Mentirosos - Contos Filosóficos do Mundo Inteiro.
Ao que uma discípula respondeu - toda a eternidade não, porque eu tenho que ir pagar a caixa à minha mãe!

(LFB)

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

O inquérito educativo

"Enfim, a hipnopedia, a maior força moralizadora de todos os tempos. (...)

- Até que o espírito da criança seja essas coisas sugeridas e que a soma dessas coisas sugeridas seja o espírito da criança. E não apenas o espírito da criança, mas igualmente o espírito do adulto, e para toda a vida. O espírito que julga, deseja e decide, constituído por essas coisas sugeridas. Mas todas essas coisas sugeridas são aquelas que nós sugerimos, nós!

- Com entusiasmo, o Director quase gritou. - Que o Estado sugere. "

(Huxley, A., Admirável mundo Novo, (tr.M.H.L.) Livros do Brasil,p.44. Os itálicos estão no texto original e são muito significativos)

Vivemos também o tempo dos inquéritos. Ninguém sabe nada sobre nada, por conseguinte, só realizando inquéritos vagos e preenchidos à pressa é que podemos saber o que se deve fazer. Na maioria dos casos, decide-se a posteriori, sem ter em conta o que quer que seja e na esperança de que os inquiridos fiquem com a ligeira sensação que contam para alguma coisa. Noutros casos, o que se faz é, vagamente, aquilo que a maioria dos inquiridos deseja, o que, como é de ver, nem sempre é o melhor.

Os dirigentes educativos regionais, como era esperado, andam sem norte e a bater pano (e os nacionais como andarão? Antes, diziam-me que na RAA um professor estava melhor do que 'lá fora', de repente, parece que é ao contrário...). Paulo Portas gritou a necessidade de repor a autoridade dos professores e logo chegaram às escolas pedidos de parecer sobre o tema. Muitas sugestões e indicações foram dadas pelas escolas. Resultado: nada e, dado o significado de autoridade docente, outra coisa não seria possível.

Fala-se de desburocracia. Resultado: os directores de turma deixaram de controlar as faltas dos professores do conselho de turma, coisa que já há anos é considerada absurda; embora muitos professores o fizessem, como noutras acções do mesmo género, de bom grado. Pensar que a imensidão de burocracia que submerge as escolas é aliviada com uma medida particular revela bem o rumo desta política educativa. Mas de imediato tal medida é anunciada em jornais e telejornais como medida exemplar de desburocratização.

A RTP-Açores e os jornais anunciaram, em voz pretensamente neutra, que no início do ano lectivo, todos os professores tiveram acções de formação sobre avaliação. Resultado: um professor dito formador passa um dia inteiro a ler em powerpoint o texto que todos os formandos têm nas suas mãos na vã esperança - e contra todas as boas regras didácticas e pedagógicas - que toda aquela massa de orientações, sugestões, critérios e grelhas fique, em triex (3X quer dizer: leitura em voz alta do texto projectado que é lido pelo leitor e ouvinte; espécie de hipnopedia), gravada nas cabeças vagamente atentas e prisioneiras da e na última sexta-feira antes do início das aulas.

No dia-a-dia, proliferam comissões que planeiam inquéritos sobre os mais variados assuntos mas que não têm tempo para perceber até que ponto são inúteis.

Ninguém parece olhar à sua volta. E esse é o grande objectivo político.

Todos projectam o seu futuro longe de tudo isto. E o futuro nunca foi problema político.

LFB