sábado, 20 de agosto de 2011

IPSS, novamente

IPSS vão poder funcionar apenas com voluntários | Diário de Notícias



É o fim: da noção de voluntariado, da racionalidade/cientificidade/qualidade dos projectos comunitários (sobretudo os que trabalham em áreas especialmente dadas a medos e preconceitos, como no caso dos consumidores de drogas de rua), do tratamento digno dos utentes (que têm tanto direito a serviços de qualidade como qualquer outro cidadão) e da possibilidade de profissionais com especial vocação para estas áreas (apesar de serem mal pagos, muitos ainda persistem) como psicólogos e assistentes sociais virem a contribuir de forma pensada (e não apenas com base em boas intenções) para a melhoria das condições de vida das suas populações-alvo. 

Se o governo de repente propusesse: "a partir de hoje não são necessários médicos ou enfermeiros nos hospitais; os curandeiros podem fazer o mesmo trabalho (mesmo que não saibam/queiram)" ou "não precisamos de professores, apenas de pessoas com 'experiência de vida' e 'boa vontade' para dar aulas" o que diria o cidadão comum?! Claro que se manifestaria revoltadíssimo e com razão! O problema aqui é que as IPSS não tocam directamente os interesses e direitos do cidadão médio, razoavelmente esclarecido e reivindicativo (quanto mais não seja porque pode votar). Tocam em populações invisíveis e/ou menosprezadas em termos de cidadania: crianças, vítimas de crimes, pessoas com deficiência, prostitutos(as), consumidores de psicoactivos. O seu trabalho é na maior parte das vezes socialmente invisível (surge apenas em força na época do Natal, ligado a espectáculos televisivos, sendo apenas convocadas as organizações socialmente correctas, ou seja, que trabalhem com indivíduos considerados moralmente puros e, portanto, merecedores, como as crianças ou vítimas de cancro). Muitas IPSS estão na sombra, tal como os seus utentes. E com estas medidas, o governo vai atirá-los para a escuridão.

Podia esperar tudo, menos isto: um país que abdica de uma resposta social relativamente intencionalizada em nome da 'lógica de mercado' (porque é disto que se trata, sobretudo para o PSD; vide o linguajar do Secretário de Estado Marco António Costa) e da necessidade de dar 'lições de moral' aos beneficiários do RSI (o que Foucault chama de ortopedia moral, algo desde sempre explícito no projecto político do CDS-PP) nem que isso implique a total deturpação do significado do voluntariado (nomeadamente, do requisito 'livre iniciativa') e do trabalho (continuarão a ser chamados de beneficiários do RSI mesmo depois de os obrigarmos a trabalhar; resultado: mantém-se o estigma, anula-se a motivação). Esta é também uma forma engenhosa de atribuir a culpa do desemprego aos indivíduos (afinal não trabalham porque não querem, vêem?) quando sabemos que o desemprego é estrutural, endémico (é um correlato do capitalismo financeiro e, segundo alguns autores, andará sempre em torno dos 10%, independentemente dos ciclos económicos), pelo que irá persistir indiferente a este 'Programa de Emergência Social'; a começar pelo despedimento dos psicólogos e assistentes sociais que actualmente trabalham nas IPSS. 

Talvez como futuros beneficiários do RSI possam (tenham de) voltar às IPSS com os seus saberes especializados e a menor custo…

(DO)

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Da intervenção comunitária

“O trabalho comunitário (...) não deve ser visto nem através da lente romântica que faz dos agentes externos fadas madrinhas, missionários, ‘irmãs de caridade’, salvadores ou líderes revolucionários, cujo mágico toque de ciência e de boa vontade trasformará, durante a noite, a situação e as pessoas (...); nem com o critério tecnicista do especialista que crê ter tanto as perguntas como as respostas e que vai à comunidade impor um ponto de vista, um modo de acção e as suas soluções.” (Montero, 1998, p. 213) 

Menezes, I. (2010). Intervenção Comunitária: Uma Perspectiva Psicológica. Porto: Livpsic, p. 108.

terça-feira, 16 de agosto de 2011



"Psychological factors also come into play when the music is set in front of a
crowd. Looking at a painting in a gallery is fundamentally different from listening
to a new work in a concert hall. Picture yourself in a room with, say, Kandinsky’s
Impression III (Concert), painted in 1911. Kandinsky and Schoenberg knew
each other, and shared common aims; Impression III was inspired by one of
Schoenberg’s concerts. If visual abstraction and musical dissonance were
precisely equivalent, Impression III and the third of the Five Pieces for
Orchestra would present the same degree of difficulty. But the Kandinsky is a
different experience for the uninitiated. If at first you have trouble understanding
it, you can walk on and return to it later, or step back to give it another glance,
or lean in for a close look (is that a piano in the foreground?). At a performance,
listeners experience a new work collectively, at the same rate and
approximately from the same distance. They cannot stop to consider the
implications of a half-lovely chord or concealed waltz rhythm. They are a crowd,
and crowds tend to align themselves as one mind."

(Alex Ross, The Rest is Noise, Harper Perennial, 2009, p. 61. )

"Guerra contra a droga": efeitos colaterais


"(...) uma série de trabalhos de investigação evidenciava o facto de serem as respostas repressivas instigadas pela política proibicionista a estarem na base dos aspectos mais preocupantes das drogas em meio urbano. Destacaremos as principais: a prática do consumo injectado como modo de rentabilização dum produto excessivamente caro para o utilizador; a organização de mercados de rua que se instalariam nas zonas mais fragilizadas das cidades contribuindo para o agravamento das suas dificuldades estruturais; a ilegalidade dos mercados como favorecedora do envolvimento no negócio de delinquentes de carreira, reforçando assim a sua posição na hierarquia do crime; a condenação do utilizador regular a uma série de juízos negativos que, em muitos casos, terminam em forte estigmatização social; a associação do consumo ao pequeno delito urbano e do abastecimento ao crime organizado; os problemas causados à gestão do sistema penitenciário pela chegada à prisão duma grande quantidade de dependentes de drogas duras; a violência policial contra certos grupos marginalizados com o pretexto da repressão ao tráfico… Em suma, o proibicionismo seria responsável por uma série de efeitos colaterais ao objectivo de erradicação das drogas – como é, aliás, típico de toda e qualquer guerra. Dito doutro modo, uma parte importante dos riscos e danos que as políticas de saúde baseadas na Redução de Riscos procuram minorar são decorrentes, não da natureza química das drogas, não da natureza psicológica dos seus utilizadores – mas do próprio modelo proibicionista."

Fernandes, L. (2009). "O que a droga faz à norma". Revista Toxicodependências. Vol. 15, nº1, p. 12

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

domingo, 14 de agosto de 2011

The red gaze, A. Schoenberg



Por sugestão do Livro de Alex Ross, The Rest is Noise, Harper Perennial, 2009, p.54.
Mais informações sobre o autor do livro aqui
Qual foi a primeira coisa a existir?

sábado, 13 de agosto de 2011

The Cinematic Orchestra - Time And Space

O senso comum e a "droga"

"Em síntese, as várias investigações sobre as representações sociais e sobre as imagens mediáticas da “droga”, do “drogado”, do “toxicodpendente”, mostram o carácter simplista, redutor e ambíguo dos elementos com que se compõem essas figuras. O pensamento coisista uniformiza (“a droga” em vez de drogas várias, sejam legais ou ilegais; o “drogado”, o “toxicodependente” em vez das várias relações com as várias substâncias), toma a parte pelo todo (o "toxicodependente”, o “traficante”, como os actores das drogas, não reservando espaço para outros actores e relações), não discerne diferenças, igualando todos numa espécie de consequência universal da tirania da dependência química. Para agravar este quadro, os anos 90 seriam também os do crescimento epidémico do VIH-Sida, de que o utilizador de drogas por via intra-venosa se tornou um dos principais atingidos e difusores. "

Fernandes, L. (2011). "Do estereótipo à visão fenomenológica: análises sobre o 'agarrado' ". Revista Toxicodependências. Vol. 17, nº1, p. 22. 

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Privatização da água

"Wissen e Matthias Naumann examinaram no seu estudo de caso os problemas associados à privatização da distribuição da água nos municípios do leste alemão, onde a diminuição da população colocou desafios técnicos e financeiros à então gestão pública da mesma.  Segundo os autores, embora as empresas privadas ligadas à água continuem a ser alvo de controlo público, as suas decisões (...) têm vindo a moldar-se cada vez mais por questões técnicas e de lucro, minando a democracia local e o tratamento da água como bem público."  

Aguirre Jr., A., Eick, V. & Reese, E. (2006). "Intoduction: Neoliberal Globalization, Urban Privatization, and Resistance". Social Justice, Vol. 33, nº3, p. 3. (tradução DO)