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A grande razão contra o uso
dessas sementes parece derivar do medo de vir a contrair doenças ou de vir a
morrer por causa dos alimentos transgénicos. O raciocínio é indutivo (a sua
conclusão não é necessariamente verdadeira) e pode ser apresentado do seguinte
modo: já vimos, no passado, pessoas morrerem por causa da negligência da
indústria alimentar (veja-se o caso da doença das vacas loucas). Temos, pois,
receio de que erros semelhantes venham a acontecer no futuro e, por isso,
queremos uma agricultura livre de transgénicos. Defende-se assim uma postura
preventiva. Mas o raciocínio é pouco sólido. Pouco se descobriu sobre o
hipotético mal que os alimentos resultantes de sementes transgénicas poderá
causar à saúde humana; desconfia-se que poderão causar alergias. Contudo,
sabe-se muito mais acerca do carácter nocivo dos alimentos processados e da
carne produzida em regime industrial. Mas nem por isso muitas das pessoas que
são contra a introdução de transgénicos querem ou podem (não esquecer que o
estilo de vida das nossas sociedades é também factor a ponderar nesta
discussão) abdicar de uma alimentação processada, apesar de ela ser, a longo
prazo, altamente prejudicial2.
Muitos dos argumentos usados
pelos consumidores que lutam contra os transgénicos baseiam-se em premissas
egoístas do género: ‘sou contra porque isso me vai fazer mal à saúde’. O
único argumento que não contém uma certa dose de egoísmo é o argumento da
biodiversidade: isto é, que a introdução de uma agricultura transgénica
diminuirá a variedade biológica. Aqui a ideia é que devemos deixar a natureza
fazer o seu trabalho e que não se deve interferir de maneira nenhuma no
processo de selecção natural. Há aqui uma certa visão de que a vida é intocável
e de que o homem, ao violar os segredos da natureza, está a colocar em risco
toda a vida na Terra.
Mas mesmo que isso seja verdade é
preciso não demonizar excessivamente a engenharia genética, nem santificar em
demasia a vida natural. Não podemos esquecer que muitas dos benefícios que a
medicina actual oferece (e muitas das promessas que apresenta em relação ao
futuro da humanidade) – por exemplo na produção de vacinas e de insulina
transgénicas – resultam de progressos consideráveis na engenharia genética. Por
outro lado, é preciso cuidado ao pressupor a santificação da vida (a vida
natural deveria ser intocável), pois isso aproximaria a argumentação daqueles
que, pela mesma razão, acabam defendendo, por exemplo, a imoralidade do aborto
ou a proibição de investigação com células estaminais.
A luta importante a travar não é
contra a engenharia genética porque essa por si só não é boa nem má, e ninguém
poderá defender seriamente um mundo sem ciência e sem os benefícios que ele nos
oferece diariamente. A luta a travar é contra uma agricultura convencional sem
escrúpulos e contra a produção industrial de carne (nos Açores os animais são
alimentados com rações produzidas a partir de milho transgénico e ninguém
parece muito preocupado com isso) onde a saúde dos animais e das pessoas
constitui um atropelo ao lucro rápido. Sabe-se que esse tipo de produção de
alimentos é altamente poluidora e destrutiva do meio ambiente porque usa e
abusa de adubos químicos, herbicidas e pesticidas cuja conjunção e consumo
contínuo é altamente prejudicial para a saúde. E de nada valeria ter uma
agricultura sem transgénicos mas convencional no sentido apresentado. Só
defendendo uma agricultura orgânica contra uma agricultura destruidora do
planeta podemos ser ambientalistas sem desprezar o valor que a biotecnologia
nos dá.
[1] Para uma discussão ética detalhada ver o artigo de Ana Firmino, (2007) “A
Saga dos OGM´s: uma reflexão polémica”, disponível on line.
[2] Veja-se, sobre a ligação entre um ambiente poluído e as doenças mortais, o livro esclarecedor de Sandra Steingraber, Living Downstream – An Ecologist’s Personal investigation of Cancer and the Environment, Da Capo Press, 20102.
[2] Veja-se, sobre a ligação entre um ambiente poluído e as doenças mortais, o livro esclarecedor de Sandra Steingraber, Living Downstream – An Ecologist’s Personal investigation of Cancer and the Environment, Da Capo Press, 20102.
Texto publicado no jornal da Gê Questa - Associação de defesa do ambiente, Verão de 2011. Edição on line aqui.]
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