sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Os filósofos e o nazismo (4)

"Ainda que não seja mencionado, Johann Gottlieb Fichte era, de facto, o pensador mais próximo de Hitler e do nacional-socialismo, tanto em termos de tom, como em termos de espírito e de brio. Ao contrário de Schopenhauer, homem dado à interioridade e herdeiro da tradição livresca, ou do débil e prostrado Nietzsche, Fichte era impertinente e desafiador. Em 1808, e numa Berlim ocupada pelas tropas francesas, Fichte apelou à sublevação dos Alemães contra a opressão estrangeira nos seus memoráveis Discursos à Nação Alemã. Na véspera da batalha decisiva contra Napoleão, em Leipzig, Fichte apareceu a liderar os seus alunos, armado e pronto a lutar. Consta que era um orador hipnótico, capaz de deixar as audiências "presas" às suas palavras. "À acção! À acção! À acção!", terá ele apelado um dia- "Que é por isso que estamos aqui."
Tal como Fichte, Hitler apelava ao "derrube da elite política" através da sublevação popular. Fichte falava em termos de uma Volkskrieg, ou guerra do povo. E, tal como Fichte, Hitler ambicionava a unificação da dividida nação germânica. Ao pôr em causa o diálogo político próprio da democracia parlamentar e ao apelar ao diálogo directo com o povo germânico, Hitler assumia uma posição próxima da retórica fichtiana e evocava os Discursos à Nação Alemã.
Mais pródigo de consequências, Fichte foi um dos obreiros da ideia da excepcionalidade alemã. Defendia que os Alemães eram únicos entre os povos da Europa. O seu idioma não tinha origem no latim mas sim numa distinta língua teutónica. E os Alemães não só falavam de uma forma distinta dos demais europeus, como pensavam, acreditavam e agiam de modo também distinto. Fichte defendia que só uma língua alemã purificada, não corrompida nem pelo francês nem por quaisquer outros estrangeirismos, poderia dar expressão pela a um pensamento germânico puro. Todos os esforços desenvolvidos pelas diferentes organizações nazis para expurgarem a língua alemã dos elementos que lhe eram estranhos assentavam neste preceito fichtiano, que Hitler consubstanciava sempre que se punha a divagar em torno da palavra Führer. "O título de Führer é de entre todos o mais belo, porque emerge directamente do nosso próprio idioma", chegou a afirmar, fazendo notar com satisfação que apenas a nação alemã se podia expressar em termos de "meu Führer."
Fichte era também decididamente um anti-semita. ele acreditava que os judeus seriam um "Estado dentro do Estado" e, como tal, tinha-os como uma ameaça permanente à unificação alemã. Propunha que a Europa se livrasse dessa ameaça através de um Estado judeu na Palestina. Ou, em alternativa: "Cortando-lhes as cabeças numa noite e colocando-lhes sobre os ombros outras novas, que não deveriam conter uma única ideia judaica."

(Ryback, Timothy, A Biblioteca privada de Hitler - Os livros que moldaram a sua vida, (tr. I.L.S.) Civilização editora, 2011, pp.133-134)

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