quarta-feira, 13 de maio de 2009

Uns gostam do toiro, outros não!

Os argumentos contra a legalização da sorte de varas nas praças de toiros açorianas são, do ponto de vista ético, bastante fracos. Podíamos pensar que é uma questão de impedir o sofrimento e a dor do toiro. Mas vistas as coisas em termos do tempo de vida do animal, é certo que o toiro é dos animais com mais qualidade de vida, no cômputo geral. Pelo que, na relação custos/benefícios, mesmo aceitando que há grande sofrimento durante o tempo em que o toiro está na praça, isso não será suficiente para retirar a dignidade de toda a sua vida. Em prol da coerência, veja-se como outros animais, comparativamente, vivem toda, ou grande parte, da sua vida em grande stress e sofrimento. Muitos deles nem sequer chegam ver a luz do dia uma única vez. Refiro-me à designada indústria das carnes – olhem bem para a falta de qualidade de vida dos porcos, vacas, galinhas, já para não falar nos animais aquáticos, dos circos, das experiências de laboratório... A questão a colocar aos defensores da não introdução da sorte de varas é a de saber se estão prontos a levar os seus argumentos até ao ponto de terem que defender o fim das criações intensivas de animais para alimentação humana (vulgo fábricas de carne), de fechar ou alterar drasticamente os matadouros e talhos e de reflectir sobre a linguagem - essa sim obscena, e nada artística - a eles associada. No fim, trata-se de saber se estão prontos a abandonar o bife e o frango em prol da defesa dos animais. Se estão prontos para isso, então têm muito trabalho pela frente e nesta luta os problemas dos toiros são uma insignificância (a título de exemplo, basta pegar em qualquer manual de ética animal e ver que a questão dos toiros é claramente marginal ou inexistente). Se não querem abandonar o prato de carne – e há boas razões para não o fazerem – então estão metidos numa inconsistência flagrante.
A questão que valeria a pena discutir é a da natureza perversa de um estatuto político que, para além de nos separar cada vez mais de Portugal (como se fosse viável não sermos portugueses), permite a aprovação de qualquer lei com o fundamento do “interesse publico”, seja lá o que isso for. Se é possível introduzir uma coisa que não é tradição nos Açores, então o que não será possível fazer? Enredados nas malhas dos Media - basicamente um instrumento de propaganda do governo, veja-se como a questão do estatuto e agora a dos toiros foram usadas para distrair e não avaliar as políticas desastrosas de César na saúde e na educação, só para falar em duas áreas– os defensores do bem-estar total do toiro não parecem estar genuinamente interessados em discutir o sofrimento animal e as suas implicações nem em discutir a governação invisível de César e o totalitarismo impune resultante de um estatuto duvidoso que permite desrespeitar a Constituição e as leis gerais da República com a maior das facilidades.
Que fique claro que a argumentação para a introdução da sorte de varas não é, do meu ponto de vista, melhor. É populista e impõe rotundas com toiros monumentais que quase ninguém pediu mas que todos vamos pagar, e é sectária com colóquios e conferências onde não se vislumbra uma única voz contra. Mas, pelo menos, não é inconsistente.
A questão fica então resumida a uma posição subjectiva: uns gostam de toiros, outros não; saber quem está de que lado, não é fácil. Eu não gosto particularmente de touradas, mas já vi touradas à corda picadas na ilha Terceira, e são tradição! Choca-me, contudo, muito mais toda a linguagem obscena da alimentação e indústria carnívoras e o tratamento violento dados a esses animais e a forma como tudo isto é quase natural e universalmente aceite.

(LFB)

Sem comentários: