terça-feira, 11 de abril de 2006

O valor da vida

O protesto e a marcha de indignação que se realizaram na ilha Terceira no passado fim-de-semana, relacionados com a morte inesperada de uma jovem de 17 anos por alegada negligência médica (a jovem foi por várias vezes ao serviço de urgência do Hospital tendo sido mandada para casa com diagnóstico de gripe) e as exigências serenas e razoáveis (o que é difícil perante uma tragédia desta natureza) que se ouviram por parte dos manifestantes – que nas urgências sejam tratadas como "pessoas e não como animais"; que as autópsias sejam feitas por médicos de fora; que se acabe com o corporativismo nos hospitais; isto é, médicos a proteger médicos, entre outras – são uma demonstração (ainda que pelas razões mais trágicas que se possam imaginar) do que se pode, e do que se deve, fazer para exibir o nosso descontentamento perante o ultraje que é ser mal atendido por um médico do sistema nacional de saúde. Independentemente de haver, ou não, neste caso concreto, negligência médica, o facto é que existem problemas graves no atendimento médico público. Muitas das pessoas presentes na manifestação e que deram a cara, tinham sido também elas vítimas de descuidos médicos. Todos nós temos o poder de protestar e de exigir que cada um cumpra bem a sua função. Este acontecimento mostra que as pessoas, se unidas em torna de um problema que as afecta, só por si – independentemente dos partidos – são capazes de chamar a atenção para o que está mal e de fazer exigências razoáveis para o melhorar. O que se irá seguir a isto, ninguém sabe. Pode até ser que tudo fique na mesma; que quem pode seja atendido nos consultórios, e que quem não pode seja atendido nas urgências. Que as pessoas continuem a formar-se em medicina, não por vocação e dever de ajudar os outros, mas por ser uma profissão economicamente muito gratificante. Os médicos têm muito poder (mas as pessoas também!), o tempo apazigua o sofrimento e o dia-a-dia transmite-nos a ilusão da normalidade. Mas o facto de um movimento civil se erguer contra as injustiças e de falar, e bem, para a comunicação social demonstra que, contra o que muitos nos querem fazer querer, outros caminhos para a justiça, que não apenas os traçados pelos políticos de secretária, são possíveis.

(LFB)

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