terça-feira, 28 de março de 2006

Freakonomics e a educação - alguns comentários

Freaknomics é um livro surpreendente e interessante sobretudo pela forma inovadora com que trata de assuntos que regra geral não aparecem tratados pela Economia; no livro é definida como "o estudo dos incentivos: a explicação de como é que as pessoas conseguem o que querem, sobretudo quando as outras pessoas querem ou necessitam das mesmas coisas" (p.20).
Muito se tem escrito acerca da frescura inteligente (uma novidade na Economia) das questões que o livro coloca – por exemplo, "o que é que os professores têm em comum com os lutadores de Sumo?" – bem como acerca das suas polémicas teses – por exemplo, acerca da sua tese de que a legalização do aborto nos EUA (estabelecida em 1973 através da decisão Roe vs Wade do supremo tribunal) terá contribuído, em cerca de 30 por cento, para a diminuição, na década de noventa, da criminalidade violenta. Para os autores tal descoberta tem tanto de "chocante" como de irónico relembrando-lhes a frase de G. K. Chesterton "quando não existem chapéus para todos, o problema não se resolve cortando algumas cabeças" (p. 141).

Os resultados sobre a educação derivam da aplicação da técnica da análise regressiva a um enorme estudo realizado nos EUA nos anos noventa que envolveu mais de vinte mil crianças de todo o país. A análise não mostra que um factor é a causa de outro, mostra apenas as correlações existentes entre diferentes factores. Isto é importante porque, por exemplo, ter muitos livros em casa está, segundo o estudo, correlacionado com boas notas na escola, mas não significa que todas as casas que tenham muitos livros tenham filhos com boas notas, ou que seja suficiente ter livros em casa para que os filhos tenham boas notas.
Em muitos aspectos (talvez em mais do que aqueles que muitos de nós desejaríamos), e também na educação dos nossos filhos nós europeus somos muito americanos, pelo que teremos alguma coisa a aprender com os resultados que o livro apresenta.

No que diz respeito aos oito factores que influenciam os resultados escolares, não parece haver grande surpresa em relação àquilo que é o senso comum acerca da melhor forma de educar os nossos filhos. O que desperta interesse e curiosidade são alguns dos factores que, segundo os autores, não influenciam os resultados dos alunos. É o caso da família estar intacta ou não. Estudam demonstram que a estrutura familiar tem pouca importância nos resultados escolares (só nos EUA cerca de 20 milhões de crianças são criadas apenas por um dos pais) da mesma maneira que parece ter pouco influência na formação da personalidade das crianças. Estes resultados deveriam dar que pensar àqueles que por aqui usam o argumento de que a adopção de crianças por casais homossexuais seria errada porque deformaria a personalidade da criança adoptada.
Surpreendente é também a ideia de que os pais obsessivos que deixam de trabalhar até os filhos irem para a pré-escola com a ideia de que estão a cuidar melhor da educação dos seus filhos estão enganados (pelo menos na realidade americana). O mesmo se passa com os pais que levam os filhos aos museus, ou com os pais que lêem em voz alta aos seus filhos; regra geral os pais obsessivos saem mal vistos deste estudo. A educação parece dar-se mal com a obsessão educativa.
Colocar as crianças na pré-escola estatal americana (um programa de educação infantil intitulado Head Start) também não contribuir para melhores resultados na escola. Os autores sugerem que tal se deve ao facto de muitas educadoras infantis americanas não terem sequer o bacharelato e de este trabalho ser mal pago. Neste ponto estamos, parece-me, muito melhor.
Outro resultado surpreendente é o que nos diz que ver muito televisão não prejudica os resultados escolares (e ter um computador em casa também não está correlacionado com melhores resultados na escola). Muita discussão tem havido sobre este tema. Pais conservadores e obcecados com a educação dos seus filhos gostariam de proibir a TV, ainda que eles próprios tenham crescido com o aparelho e passem muito tempo à sua frente. Pais liberais e despreocupados desvalorizam os efeitos supostamente negativos do aparelho. Como comentário os autores referem a Finlândia – esse bastião da educação tantas vezes citado pelos políticos portugueses – cujo sistema educacional foi considerado um dos melhores do mundo e onde as crianças só vão para a escola aos sete anos e, regra geral," aprendem a ler por si vendo televisão americana com subtítulos em finlandês" (p. 172).

A conclusão a retirar, segundo os autores, é que na educação parece ser mais importante aquilo que os pais são (primeira lista) do que aquilo que os pais fazem (segunda lista).



(LFB)

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