sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

El Greco - Sueño de Felipe II


Por Sugestão de Henry Miller, "Um être Étoilique", in, O Mundo do sexo e outros textos (Dom quixote, 1987), onde se pode ler:

"No diário de Anaïs Nin, há uma espécie de desepero quase semelhante ao de um marinheiro naufragado, que é lançado para uma ilha deserta. Com os destroços da sua vida desfeita, a autora esforça-se por criar algo de novo. É um esforço dilacerante que visa recuperar um mundo perdido. Não é como alguns poderão imaginar um afastamento deliberado do mundo; é uma separação involuntária do mundo! Todos nós conhecemos este sentimento, em maior ou menor grau. Todos tentamos, consciente ou inconscientemente, recuperar a voluptuosa e fácil sensação de segurança que experimentámos no ventre materno. Os que conseguem conhecer-se alcançam efectivamente esse estado; não através de um anseio cego e inconsciente pela situação intra-uterina, mas através da transformação do mundo em que vivem num verdadeiro ventre. Parece ter sido isto que assustou, por exemplo, Aldous Huxley diante do quadro de El Greco, «O Sonho de Filipe II». A perspectiva de um mundo que se transforma no interior de um peixe apavorou Huxley. Mas El Grego  deve ter sido extremamente feliz, no seu mundo dentro do ventre do peixe, e a prova do seu contentamento, do seu à-vontade e da sua satisfação está na impressão de mundo que as suas telas suscitam no espírito do espectador. Diante dos seus quadros percebemos que aquilo é um mundo! Percebemos também que se trata de um mundo dominado pela visão. Já não temos um homem a olhar para o mundo, mas um homem dentro do seu próprio mundo, reconstruindo-o incessantemente de acordo com a sua luz interior. O facto de se tratar de um mundo englobado, o facto de El Greco parecer a Huxley muito semelhante a Jonas no ventre da baleia, é precisamente o que torna a visão de El Greco reconfortante. A falta de um infinito sem limites, que tanto parece incomodar Aldous Huxley, é, pelo contrário, um estado de coisas extremamente benéfico. Quem quer que tenha assistido à criação de um mundo, quem quer que tenha criado o seu próprio mundo, perceberá que o que há de bom nesse mundo é o facto de ele ter limites bem definidos. Precisamos de começar por nos perder antes de podermos descobrir o nosso próprio mundo, um mundo que, por ser rigidamente limitado, nos permite a única liberdade autêntica." (136)


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