segunda-feira, 8 de abril de 2013

"to resolve our fate"

"Agamemnon (...) deve, a mando dos deuses, sacrificar sua própria filha ou, abandonando
a campanha Grega contra Troia, renunciar à sua honra. A tragédia do seu dilema é que ele não pode ter ambas as coisas. Os protagonistas da tragédia grega, divididos entre o dever e o amor, entre a justiça e o auto-sacrifício, a família e a cidade, e muitos outros fins irreconciliáveis, são aprisionados pelas circunstâncias e por si próprios. Habitando um mundo onde o conflito é inevitável e a luta predestinada, eles não podem fazer-se a si próprios felizes; como sombriamente proclama o Mensageiro na Medeia de Eurípedes, neste universo trágico não há, entre os mortais, "nenhum homem feliz". O Coro no Filoctetes de Sófocles é ainda mais desolador, lamentando a "raça infeliz":
Do homem mortal condenado a um círculo sem fim
De tristeza, e incomensurável aflição!
Neste peça, como em tantas outras do género, a única salvação para o herói titular é através da intervenção improvável de um deus. Assim como o céu se abriu para banhar a pira de Creso, Hércules chega, no momento final da peça de  Sófocles, para desenredar Filoctetes de sua situação. Hércules é um deus ex machina (theos ek mēchanēs) - à letra um "deus a partir da máquina" - uma referencia à convenção da tragoidia grega de baixar um actor para o palco através de um guindaste, ou de alguma outra geringonça, como forma de finalizar o drama. Pode-se argumentar, como Aristóteles veio a fazer na Poética, que esta é uma maneira desajeitada de terminar uma peça. Mas o deus ex machina serve perfeitamente para dramatizar um ponto muito mais importante: No tradição trágica, a felicidade é quase sempre um milagre, exigindo a intervenção directa do divino.
(pp.8-9)

VLADIMIR: Diz que estás, mesmo que não seja verdade.
ESTRAGON:  O que devo eu dizer?
VLADIMIR: Diz, estou feliz.
ESTRAGON: Estou feliz.
VLADIMIR: Também eu.
ESTRAGON: Também eu.
VLADIMIR: Estamos felizes.
ESTRAGON: Estamos felizes. (Silêncio.) O que fazemos agora, agora que estamos felizes?
VLADIMIR:  Esperaramos por Godot.
À Espera de Godot de Beckett é, inquestionavelmente, trágica e, de facto, a sua "tragédia" é muito mais pronunciada do que a dos seus predecessores clássicos. Ao contrário da tragoidia dos tempos antigos, a variante moderna acaba completamente com a convenção que garantia sempre, até ao fim, um raio de esperança. Aqui, não pode haver um deus ex machina esperando nas asas para produzir uma salvação final, milagrosa, nenhum deus na máquina pronto para saltar e desestimular ["spirit away"] os heróis, para salvar Creso das chamas, para resolver o nosso destino. Vladimir e Estragon anseiam pelo misterioso Godot, eles acreditam que a chegada desse homem é a garantia de que "nós vamos ser salvos." Mas Godot, claro, nunca aparece. O Deus na máquina tornou-se o fantasma na máquina que assombra pela sua ausência, deixando apenas um fio, um traço, a sensação esbatida da presença espiritual, uma esperança fugaz de felicidade cujo reino é decididamente desta terra.
(pp.454-455)
Darrin McMahon, The Pursuit of Hapiness, Penguin Books, 2007.

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