segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

"Quem é contra o suicídio assistido e a eutanásia tem de admitir que há pessoas que, diante do sofrimento físico e da perspectiva de não sobreviverem desligadas de uma máquina, querem pôr fim à vida.
Gostaria de contribuir para que, no meu país, a indefinição que rodeia este assunto terminasse. A actual situação leva a que os que desejam suicidar-se, por motivos compreensíveis, se defrontem com dificuldades inúteis. Note-se que o suicídio, outrora tido como crime, é hoje aceite pelo Código Penal. É aliás o único acto em que alguém que participa num gesto legal é considerado cúmplice de um crime. No fundo, aqueles que precisam de ajuda para se suicidar não estão a pedir mais do que um direito concedido a toda a gente. Uma democracia laica, como é o caso de Portugal, deve respeitar os sentimentos que a fé religiosa faz brotar na alma dos crentes, mas não pode autorizar que seja ela, a fé, a ditar a formulação das leis. Os católicos têm o direito de se abster de actos que consideram pecaminosos, mas não podem impor aos outros os seus valores. (76)

De acordo com J. S. Mill, nenhuma questão, moral ou empírica, pode ser resolvida em absoluto, o que nos obriga a admitir que as nossas respostas deverão ser temporárias, pelo que temos de aceitar a sua revisão. A verdade, ou mais correctamente, a «maior» verdade - uma vez que, segundo ele, a Verdade nunca poderá ser atingida - surge do conflito entre as opiniões falsas e as verdadeiras (ou, seguindo-o, as mais falsas e as mais verdadeiras). Isto leva-o a defender que nunca se deve suprimir uma opinião, por mais chocante que seja, porque, se o fizermos, nunca chegaremos à mais justa. Mais do que noutros campos, é na moral que se torna necessário adoptar uma atitude humilde. (...)
É provável que morra nos próximos dez, quinze anos. Tenho filhos e netos, amei e fui amada, escrevi livros, ouvi música e viajei. Em princípio, poderia dar-me por satisfeita, o que infelizmente não me faz encarar a morte com placidez. Como Montaigne afirmou, com o tempo, o dilema Vida versus Morte vai-se transformando, num outro, Velhice versus Morte. Sei que as minhas células foram morrendo, as minhas articulações se tornaram rígidas e até o meu crânio diminuiu, mas nada disto conta quando se trata de pensar no fim. Se amanhã um médico me disser que sofro de uma doença incurável, terei um ataque de coração, o que, convenhamos, resolveria o problema. Mas, se isso não acontecer, quero ter a lei do meu lado." (80)

Maria Filomena Mónica, A Morte, FFMS, 2011.

Maria Filomena Mónica (MFM) é uma mulher que admiro. Aprecio a sua frontalidade, a sua sinceridade e o seu sentido de justiça. Identifico-me com ela quando diz que é liberal, anglo-saxónica e de esquerda por não ser de direita. 
Acontece que o livrinho que ela escreveu sobre o tema da morte assistida e da eutanásia está muito bem escrito. Coisa que, embora possa parecer fácil, não o é. Em poucas páginas, num tom descontraído e, muitas vezes, pessoal, é-nos dada uma visão cuidada das principais posições a ter em conta no debate sobre o complexo problema da eutanásia. Em Portugal são raros os ensaios sobre temas éticos que resultam bem. Recordo um outro texto bem intencionado, no caso sobre o aborto, escrito por Miguel Oliveira da Silva e intitulado Sete Teses Sobre o Aborto (Caminho, 2005). Apesar de esclarecedor nas questões médicas relacionadas com o aborto, acaba por resultar num texto confuso, de leitura arrastada e, ainda que não seja esse o seu propósito, pouco recomendável para ser trabalhado em aulas de ética. O contrário daquilo que se passa com o livro de MFM. Lê-se num ápice, é de uma clareza exemplar e é muito recomendável para ser lido por alunos de ética aplicada.

(LFB)

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