quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Vida e/ou Morte

"Dissociada da vida, a morte transforma-se em fantasma, em monstro ou em algo pior. Vista como força espiritual autónoma, a morte é extremamente devassa, podendo o seu magnetismo malévolo conduzir à mais abominável alienação do espírito humano."

Mann, T. (2009). A Montanha Mágica. (tr. G.L. Encarnação). Lisboa: Dom Quixote, pp. 229-30.

domingo, 16 de janeiro de 2011

A zona cinzenta

"A ascensão dos privilegiados, não só nos Lager mas em todas as convivências humanas, é um fenómeno angustiante mas infalível: é só nas utopias que eles estão ausentes. É dever do homem justo fazer guerra a todos os privilégios não merecidos, mas não se pode esquecer que esta é uma guerra sem fim. Onde existir um poder exercido por poucos, ou por um só, contra os muitos, o privilégio nasce e prolifera, mesmo até contra a vontade do próprio poder; mas é normal que o poder, pelo contrário, o tolere e encoraje. Limitemo-nos ao Lager, que contudo (mesmo na sua versão soviética) pode bem servir de «laboratório»: a classe híbrida dos prisioneiros-funcionários constitui a sua ossatura, e ao mesmo tempo o delineamento mais inquietante. É uma zona cinzenta, de contornos mal definidos, que ao mesmo tempo separa e associa os dois campos dos senhores e dos servos. Possui uma estrutura incrivelmente complicada, e aloja dentro de si o suficiente para confundir a nossa necessidade de julgar."

Levi, Primo, Os que Sucumbem e os que se salvam, Teorema, 2008, p.39.

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Uma Ambulância, Por Favor

112.
Tenho aqui uma senhora deitada na rua com dores muito fortes na zona do estômago. Queria uma ambulância, por favor!

Que idade tem? Como se chama? Poderia falar com ela?
Tem entre 30 e 40 anos, chama-se D.M., está consciente mas não está em condições de falar ao telefone.

A dor é recente ou já tem história?
Tem tido dores, mas hoje está muito pior, completamente prostrada. Não consegue levantar-se e chora.

Não desligue. Vou transferir a chamada.

[As mesmas perguntas e ainda:]
Onde se encontra?
Bairro do Aleixo*, junto à torre 1, Rua de Arnaldo Leite.

Não desligue, vou transferir a chamada.
[Repetem-se as perguntas.]

Por favor! Ela está muito mal, a dor é lacerante, precisa mesmo de ir ao hospital!

Onde se encontra?
Bairro do Aleixo. junto à torre 1, Rua de Arnaldo Leite.

(SILÊNCIO...)

Estou? Ainda está aí?

Sim... Mas olhe que vai ter de pagar 30 euros...
Mas estamos a falar de uma sem-abrigo! Diga-me lá, que alternativa há?!

Não sei, só se falar com a polícia ou ligar para o 112.

[Fim de chamada. Cerca de 10 minutos.]

(*Aleixo, tido como um dos bairro mais problemáticos e perigosos do Porto, comummente catalogado como "hipermercado da droga" e/ou "zona de exclusão" ).

(D.O.)


sábado, 8 de janeiro de 2011

Área de Projecto

O conselho de ministros, reunido a 6 de Janeiro de 2011, aprovou a extinção da disciplina de Área de Projecto do 12º ano. A extinção acontece do mesmo modo que o seu surgimento. Sem nenhum razão, sem nenhum estudo justificativo. Surgiu do nada e ao nada volta. Foi uma vantagem para os alunos que a frequentaram? Serviu-lhes de alguma coisa? Foi perca de tempo para os professores que se empenharam em dar-lhe algum sentido? Há alguma conclusão a retirar dos seus seis anos de existência? Silêncio absoluto. A educação em Portugal é como um laboratório experimental sem qualquer método ou orientação científica. Hoje faz-se esta experiência, amanhã muda-se para outra, seguindo alguma obscura moda ou crise, e depois de amanhã logo se verá. A próxima experiência já está em curso, pela mão do mesmo conselho de ministros. A criação da disciplina de Formação cívica a partir do 10º Ano.

- Como disse? Mais uma? Mas não estão já os horários do secundário sobrecarregados? Como é que vai ser? Será que vão retirar alguma das disciplinas? E formação cívica porquê? Que estudo, ou que génio das ciências da educação (estará a cair em desuso, esta fraca espécie de pleonasmo?) indica que, por exemplo, em vez de se criar disciplinas artísticas nas escolas (dança!), se tenha que criar uma disciplina que vai leccionar a 'cidadania a sexualidade e saúde'. Como disse?



(LFB)

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Categorização e seus perigos

"Devíamos, com mais frequência, interrogar-nos sobre o nosso gosto pelas categorizações: simplificam a realidade e, se nos contentarmos com elas, ocultarão mecanismos de fundo que colocam certos grupos sociais em situação de vulnerabilidade. Além disso, arriscam-se a ocultar o que há de comum em indivíduos que repartimos em categorias muito diferentes, arriscando-se igualmente a apagar no interior de cada categoria as trajectórias pessoais no que têm de irredutível e único. Por último, ocultam ainda o trabalho simbólico que está sempre presente no acto de categorizar. A categorização não é simplesmente um processo cognitivo de arrumação do real heterogéneo. Envolve em simultâneo um trabalho simbólico que diz respeito à definição de topologias, hierarquias e dominações no interior do sistema social, jogo em que os actores estão permanentemente envolvidos e que os cientistas sociais reificam quando categorizam sem problematizar. "


Fernandes, L. & Pinto, M. (2008). Juventude urbana pobre e cidade predatória: o guna como figura de ameaça. Cunha, M. (org.) Aquém e além da prisão: cruzamentos e perspectivas. 90 Graus Editora, p. 218. (sublinhados de DO)

AIN'T NO GRAVE (Can Hold My Body Down)













Praia da Vitória, Dezembro de 2010. (Foto por DO, via telemóvel)

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

sábado, 25 de dezembro de 2010

NATAL



"A árvore-de-Natal é a mais espalhada de todas as instituições festivas e, para as crianças, a mais encantadora. O seu charme pitoresco e alegre fez com que rapidamente se espalhasse por toda a Europa sem ter raízes na tradição nacional, pois, como a maioria das pessoas sabe, é uma criação Alemã, e mesmo na Alemanha só no século dezanove atingiu a imensa popularidade que presentemente goza. (...)" (262-4)

"Muitas das crenças relacionadas com a Véspera de Natal (Christmas Eve) aparecem misturadas com formas de paganismo.
Há a ideia de que à meia-noite da Véspera de Natal os animais têm o poder de falar. Esta superstição existe em várias partes da Europa, e ninguém pode, inpunemente, ouvir as bestas falar. A ideia deu azo a alguns curiosos e tristes contos. Aqui fica um da Grã- Bretanha:
« Era uma vez uma mulher que deixava esfomeados o seu cão e o seu gato. À meia-noite da Véspera de Natal, ela ouviu o cão dizer ao gato: 'está na altura de perdermos a nossa dona; ela é uma avarenta das boas. Esta noite assaltantes virão para lhe levar todo o dinheiro e se ela chorar eles partirão a sua cabeça'. 'E será bem feito' - replicou o gato. A mulher aterrorizada levantou-se com a intenção de fugir para uma casa vizinha, enquanto saía de casa os assaltantes abriram a porta e quando ela gritou por ajuda eles partiram a sua cabeça.»" (233)

Miles, Clement A., Christmas Customs and Traditions, Dover Pub., 1976 (tr. LFB).

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

"
A verdadeira democracia é um compartimento
que está ocupado
- e o homem terá de esperar.
A vingança poderá ser exercida como um qualquer direito
de cidadania, desde que dentro dos prazos
estabelecidos. (...)"

Tavares, Gonçalo, M., Uma viagem à Índia, Caminho, 2010, p.79

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Todas as pessoas vão morrer?

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

"Para que um indivíduo se disponha a realizar uma tarefa de peso, para lá dos limites do absolutamente necessário, sem que a sua época forneça uma resposta satisfatória à questão da finalidade, é fundamental viver em solidão e independência morais -- o que comporta algo de heróico e raramente sucede (...)."

Mann, T. (2009). A Montanha Mágica. (tr. G.L. Encarnação). Lisboa: Dom Quixote, p. 45.

domingo, 7 de novembro de 2010

Que dívida?

É triste, toda a gente o sabe, mas existe. E já que é assim, vendamo-lhes a dívida pública.
(DO)

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

A justificação da Eutanásia


"Eutanásia é simplesmente implementar uma decisão no sentido de terminar a vida de um indivíduo antes de isso ser necessário – uma decisão para terminar uma vida quando ela podia continuar.
Eutanásia voluntária ocorre quando essa decisão coincide com os desejos do próprio indivíduo e ele aprova essa decisão e todos os aspectos da sua implementação.
Eutanásia involuntária ocorre quando tal decisão é implementada contra os desejos expressos do indivíduo.
Eutanásia não-voluntária ocorre sempre que tal decisão é feita sem o consentimento do indivíduo seja qual for a razão para a ausência desse consentimento. (…)
A eutanásia involuntária será sempre errada. A eutanásia não-voluntária, por outro lado, será errada a não ser que pareça certo que o indivíduo em causa prefira morrer em vez de continuar a viver sob as presentes circunstâncias e seja impossível saber se o indivíduo em causa partilha esta visão. Estes são casos raros e extremos. Há duas circunstâncias nas quais poderá ser razoável decidir que um indivíduo preferiria a morte às actuais circunstâncias de vida. Uma é a de bebés severamente deficientes que enfrentam uma vida curta e dolorosa e cuja deficiência é irremediável (por ex. casos de espinha bífida aguda). A outra circunstância poderá ser a de alguém que está a ser torturado mortalmente e nós não a podemos salvar – tudo o que podemos fazer é pôr termo ao seu sofrimento.
Por outro lado, a eutanásia voluntária, tal como o suicídio, nunca será moralmente errada, ainda que, como qualquer outra escolha humana, possa resultar de um mau aconselhamento. Quando alguém deixou genuinamente de valorizar a vida e prefere a morte a continuar a existir então a decisão de pôr termo à sua vida não pode ser considerada moralmente errada, nem as pessoas que a ajudem a realizar essa acção deverão ser objecto de condenação moral. (…)
Sempre que o problema da eutanásia é debatido, ou sempre que surge como tema da ética em geral ou da ética médica em particular, a questão é sempre a de saber se a eutanásia voluntária é ou não justificável e se, por isso, deveria ou não ser permitida. Este é um problema pequeno e relativamente simples quando comparado com os problemas que o uso generalizado e desastroso da eutanásia não-voluntária coloca a muitas sociedades. O seu uso continuado e irrestrito poucas vezes é revisto ou criticado e, em muitas das suas aplicações, é perfeitamente legal. Por isso o problema moral respeitante à eutanásia que é urgente discutir não é o da eutanásia voluntária, que diz respeito a um pequeno número de pessoas e é claramente algo que a sociedade deveria permitir. O problema é o massivo número de casos de eutanásia não-voluntária que a sociedade já permite e pratica e que, de forma igualmente clara, deveria ilegalizar ou, nos poucos casos moralmente aceitáveis, regulamentar e supervisionar.
Há dois tipos de casos que requerem uma urgente reflexão. O primeiro diz respeito a um conjunto de práticas que se inserem na prestação de cuidados de saúde, onde se tomam decisões para encurtar vidas que poderiam continuar ou ser prolongadas, e onde os indivíduos em causa não são informados ou consultados. Regra geral estes casos não são referidos (ou talvez nem sequer pensados) como casos de eutanásia; os seres humanos têm o hábito de designar as suas acções sob a descrição mais agradável possível. Contudo, se esses casos forem examinados, eles todos partilham das características centrais da eutanásia. Três exemplos devem ser suficientes.
Já discutimos a prática comum do ‘tratamento selectivo’ onde bebés severamente deficientes não são alimentados nem as suas infecções são tratadas para que eles não sobrevivam. Isto pode, ou não, ser moralmente justificado – só as circunstâncias particulares de cada caso o dirão – mas não deixa de ser eutanásia.
A prática, nos hospitais, de recusar a reanimação a uma grande variedade de doentes que sofreram paragem cardíaca, ou outra qualquer crise, é conhecida e reconhecida como generalizada.
Nos casos em que os pacientes não são consultados sobre se quereriam ser ou não reanimados em caso de sofrerem uma crise, e não são reanimados quando seria possível fazê-lo ou pelo menos tentá-lo, então a sua morte é uma consequência dessa negação e faz parte do programa de eutanásia do hospital. De novo, tal programa pode ou não estar justificado; o que é perturbador é que não se reconheça a sua existência e que essas decisões sejam muito pouco escrutinadas.
Nos tratamentos dados a doentes terminais, em particular àqueles que sofrem de cancro ou de outras doenças extremamente dolorosas, pode chegar-se a um ponto em que a administração de drogas analgésicas apressa a morte. O sucesso no controlo da dor já só pode ser atingido à custa do encurtamento da vida. Nos casos em que o doente não é avisado de que o tratamento da dor apressará a sua morte estamos, também, perante casos de eutanásia não-voluntária. (…)"

(Tradução e adaptação de LFB a partir de Harris, J., The Value of life – An Introduction to Medical Ethics, Routledge, 1992, pp.7-9, 88-85)