Corre, no
ciberespaço regional, um protesto contra o "II fórum da cultura tauromáquica" a acontecer na ilha Terceira, no próximo fim-de-semana. Os convidados são, como no primeiro que até incluiu um filósofo, de alto nível. Pena é que nunca se tenham lembrado de convidar alguém que discorde da cultura taurina. A ausência de contraditório é sempre criticável, ainda para mais num
fórum.
Dizem-nos que devemos protestar contra a realização do fórum porque esse acto será mais um passo para a aprovação da sorte de varas e, posteriormente, para as aceitação das corridas de morte.
Querer impedir a realização do fórum é como querer impedir as crianças de jogar jogos violentos no computador, porque se tornarão pessoas violentas e anti-sociais.
Até pode ser verdade que os defensores das touradas pretendam voltar a submeter, no parlamento regional, nova proposta legislativa, mas ninguém pode ser condenado por coisas que ainda não fez (se bem que o filme
Repórter Minoritário coloca questões éticas pertinentes sobre o tema). Ainda para mais, a discussão sobre a cultura dos toiros - o exercício da liberdade de expressão - não provoca sofrimento a ninguém, se descontarmos o causado aos autores do protesto.
É verdade que as campanhas pró-toiro, desde que a tentativa de legalização da sorte de varas chumbou no parlamento regional, têm sido de elevada qualidade. O I fórum, o grande monumento ao toiro, os prémios em Espanha, os
outdoors com os Açores suportando os cornos da europa e das américas, etc.
Outra questão, porventura mais importante e também realçada no referido protesto, é a de o Fórum ser pago com dinheiros públicos. Por um lado, gostaríamos que a aplicação dos dinheiros públicos fosse melhor gerida e é defensável que os dinheiros públicos não devem ser usados para suportar tertúlias que organizam eventos contestáveis. Por outro lado, compreendemos (mas não apoiamos) pois a política vigente tem sido a de apoiar tudo o que possa oferecer alguma recompensa política; desde telenovelas na TVI, a edição de discos e dvd's, a congressos de todo o género, a monumentos desmesurados e a jornais (já agora aproveito: se os jornais regionais são subsidiados publicamente, não deveriam estar disponíveis gratuitamente na internet?). Aquele que estiver disposto a dispensar o seu apoio que se levante e atire a primeira pedra!
Recusar esse apoio seria indefensável para um governo que, pelo menos até 2013, tudo apoia.
O ponto mais importante da discussão ética sobre o sofrimento animal volta a estar ausente. É que a questão do sofrimento dos toiros é mínima quando comparada com o sofrimento dos animais que são barbaramente criados para alimentação. E as coisas não são separáveis como muitos, fugindo a sete pés da questão, querem crer. As vacas, os porcos e as galinhas sofrem muito mais durante a sua curta vida e de maneira mais cruel do que qualquer toiro. Este sofre, é verdade, mas na maior parte dos anos da sua vida vive bem e sem dor. O mesmo já não se pode dizer dos outros (outra nota: anda aí um curioso
outdoor ( fora da porta?) que diz que determinado produto vem da vaquinha que eu conheço; um dia escreverei sobre essa vaca). Portanto, se queremos diminuir o sofrimento, o melhor é começar por, ou simultaneamente, incentivar o abandono da alimentação baseada em carne produzida em regimes intensivos.
Da mesma maneira que não se pode proibir, sem mais nem menos, as pessoas de comerem carne vinda de animais criados de forma cruel - não se pode impedir que a criança jogue ao computador enquanto come um cachorro quente e o pai escreve um
mail de protesto contra as touradas - também não se pode proibir,
tout court, a existência de uma cultura taurina. Talvez se devesse começar por defender uma idade mínima de admissão a esses espectáculos e uma informação clara e rigorosa sobre a natureza da sua violência. Se os filmes e até os livros têm idade mínima permitida, porque não hão-de ter as touradas?
(LFB)