Gravações do Trio Fragata no bandcamp

quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

Snap Crackle


O mundo dos meus olhos

Será possível viver o tempo todo à sombra de uma grande mentira?

sábado, 17 de dezembro de 2016

Eric Dolphy - outward bound


O mundo dos meus olhos

Por vezes Kraus pasmava com frases como: "Não sei aonde ando com a cabeça!". Pensava nas coisas que a frase esconde. Desde logo subentende a distinção entre o corpo que se desloca e a cabeça que se perde;  faz crer que o corpo, por vezes, leva a cabeça para sítios desconhecidos, talvez mesmo sem a sua autorização, ou com uma conivência forçada, como se fosse uma cabra cega. Há ainda uma outra peça, o 'eu', esse sujeito composto que diz não saber da cabeça e que parece preocupado, como se a sua cabeça fosse um repolho que fugiu da horta para não ser comido.

segunda-feira, 28 de novembro de 2016

"
os corpos sabem os caminhos
nós
o desejo

"

Ana Paula Inácio, ANÓNIMOS DO SÉCULO XXI, Averno, 2016, p. 52.

O mundo dos meus olhos

Durante o tratamento no instituto, a mente de Kraus foi inundada por recordações do tempo em que o seu pai era vivo e vivia sozinho. Era um dia de sol, no ar os sons dos animais, o pai estendia roupa na corda de secar. Essa presença, o sentir o sopro do pai, transmitia-lhe uma sensação de bem-estar e de imortalidade. Mas havia como que um vidro entre Kraus e as suas recordações que o impedia de agarrá-las com toda a sua força. E não houve condensação.

tenta permanecer razoável no meio da loucura!

"Diz a si próprio o que, todos nós dizemos muitas vezes em épocas semelhantes de loucura: não te preocupes com o Mundo! Não podes mudá-lo, torná-lo melhor. Ocupa-te contigo, salva em ti o que há para salvar. Enquanto os outros destroem, constrói, tenta permanecer razoável no meio da loucura! Isola-te. Constrói o teu mundo para ti.
Mas chegou o ano de 1580. (...)"


Stefan Zweig, Montaigne, (tr.) Assírio & Alvim, 2016, p.70.

sábado, 26 de novembro de 2016

Shelly Manne & His Men – Complete Live At The Black Hawk



Bass – Monty Budwig
Drums – Shelly Manne
Piano – Victor Feldman
Tenor Saxophone – Richie Kamuca
Trumpet – Joe Gordon

1-1 Summertime
1-2 Our Delight
1-3 Poinciana
1-4 Step Lightly (I)
1-5 Black Hawk Blues
2-1 Cabu (I)
2-2 Theme A Gem From Tiffany (I)
2-3 Blue Daniel (I)
2-4 Whisper Not (I)
2-5 How Deep Are The Roots
2-6 This Is Always
2-7 Wonder Why [Trio]
3-1 Eclipse Of Spain
3-2 Blue Daniel (II)
3-3 Step Lightly (II)
3-4 What's New
3-5 Theme A Gem From Tiffany (II)
3-6 Vamp's Blues
3-7 Theme A Gem From Tiffany (III)
4-1 I Am In Love
4-2 Whisper Not (II)
4-3 Cabu (II)
4-4 Just Squeeze Me
4-5 Nightingale
4-6 Pullin' Strings
4-7 Theme A Gem From Tiffany (IV)

segunda-feira, 14 de novembro de 2016

sexta-feira, 28 de outubro de 2016

Morte não te orgulhes

"Morte não te orgulhes, porque
   embora te tenham chamado
 
Poderosa e terrível, não o és

Porque aqueles que pensaste ter
   aniquilado

Não morrem, pobre morte, nem
tão-pouco me poderás matar

Um sono breve, e acordamos
para a eternidade

E a morte não existe mais, a
morte irá morrer."

John Donne, citado no ensaio "Sobre as minhas mortes", João Lobo Antunes, Inquietação Interminável - Ensaios sobre ética das ciências da vida, Gradiva, 2010, pp. 122-123.

terça-feira, 18 de outubro de 2016

Art Taylor - Interview


Johnny Griffin - Night Lady



Johnny Griffin - tenor saxophone
Francy Boland - piano
Jimmy Woode - bass
Kenny Clarke - drums

domingo, 16 de outubro de 2016

domingo, 9 de outubro de 2016

Roy Haynes With Booker Ervin - Cracklin'




A1. Scoochie 00:00
A2. Dorian 05:52
A3. Sketch Of Melba 12:39
B1. Honey Dew 20:11
B2. Under Paris Skies 23:57
B3. Bad News Blues 31:36

Bass – Larry Ridley
Drums – Roy Haynes
Piano – Ronnie Mathews
Tenor Saxophone – Booker Ervin

Roy Haynes - Roy-Alty





sábado, 24 de setembro de 2016

Jimmy Smith - Fourmost Return



Jimmy Smith (organ)
Stanley Turrentine (tenor sax)
Kenny Burrell (guitar)
Grady Tate (drums, vocals)

quinta-feira, 15 de setembro de 2016

Chick Corea Freedom Band - Live



Chick Corea (piano)
Kenny Garrett (saxophone)
Christian McBride (bass)
Roy Haynes (drums)
Guest: Roy Hargrove (trumpet)

segunda-feira, 12 de setembro de 2016

Charlie Parker Quartet - I'll Walk Alone



Charlie Parker (alto sax), 
Red Garland (piano), 
Bernie Griggs (bass), 
Roy Haynes (drums)

segunda-feira, 5 de setembro de 2016

John Coltrane and Johnny Hartman




Johnny Hartman – vocals
John Coltrane – tenor sax
McCoy Tyner – piano
Jimmy Garrison – double bass
Elvin Jones – drums

domingo, 4 de setembro de 2016

Peter Erskine with Adesso: A Bird Sings



Dedicated to the memory of the late Canadian percussionist and composer John Wyre.

"The bird does not sing because it has an anwser; it sings because it has a song." 
in Erskine, No Beethoven, p. 214.

sábado, 3 de setembro de 2016

Sarah Vaughan And Her Trio – Swingin' Easy



Vocals – Sarah Vaughan
Bass – Joe Benjamin
Drums – Roy Haynes
Piano – Jimmy Jones

quarta-feira, 31 de agosto de 2016

Steps Ahead live In Copenhagen




Michael Brecker (Tenor sax)
Mike Mainieri (Vibes)
Eliane Elias (Piano)
Eddie Gomez (Bass)
Peter Erskine (Drums)

terça-feira, 30 de agosto de 2016

quarta-feira, 17 de agosto de 2016

John Coltrane - My Favorite Things (Live at Newport Jazz Festival)



John Coltrane: soprano and tenor saxophone;
McCoy Tyner: piano;
Jimmy Garrison: bass;
Roy Haynes: drums

sábado, 13 de agosto de 2016

Sonny Rollins trio



Sax - Sonny Rollins
Bass - Niels-Henning Ørsted Pedersen
Drums - Alan Dawson

terça-feira, 9 de agosto de 2016

segunda-feira, 8 de agosto de 2016

Miles Davis – Seven Steps To Heaven



Trumpet – Miles Davis
Tenor Saxophone – George Coleman
Bass – Ron Carter
Drums [Cal.] – Frank Butler (tracks: A1, A3, B2)
Drums [N.Y.] – Anthony Williams (tracks: A2, B1, B3)
Piano [Cal.] – Victor Feldman (tracks: A1, A3, B2)
Piano [N.Y.] – Herbie Hancock (tracks: A2, B1, B3)

A1 Basin Street Blues
A2 Seven Steps To Heaven
A3 I Fall In Love Too Easily
B1 So Near, So Far
B2 Baby Won't You Please Come Home
B3 Joshua

domingo, 7 de agosto de 2016

Dizzy’s Big 4



Dizzy Gillespie - trumpet
Joe Pass - guitar
Ray Brown - bass
Mickey Roker - drums

01 "Frelimo" - 00:00
02 "Hurry Home" (Buddy Bernier, Joseph Meyer, Robert D. Emmerich) - 08:12
03 "Russian Lullaby" (Irving Berlin) - 14:35
04 "Be Bop (Dizzy's Fingers)" - 21:24
05 "Birk's Works" - 25:55
06 "September Song" (Maxwell Anderson, Kurt Weill) - 34:48
07 "Jitterbug Waltz" (Fats Waller) - 37:36

Charlie Parker interviewed by Paul Desmond (Boston radio)



Transcrição aqui.

River Of No Return (D: Otto Preminger)








quinta-feira, 4 de agosto de 2016

domingo, 17 de julho de 2016

sábado, 16 de julho de 2016

Cannonball Adderley Quintet - Jazz Casual



Nat Adderley, cornet;
Cannonball Adderley, alto sax;
Joe Zawinul, piano;
Sam Jones, acoustic double bass;
Louis Hayes, drums.

terça-feira, 12 de julho de 2016

segunda-feira, 27 de junho de 2016

quarta-feira, 15 de junho de 2016

terça-feira, 14 de junho de 2016

Eric Dolphy - It's Magic




Eric Dolphy (Alto Saxophone, Bass Clarinet, Flute)
Booker Little (Trumpet)
Ron Carter (Bass)
Roy Haynes (Drums)
Jaki Byard (Piano)

quinta-feira, 9 de junho de 2016

Stan Getz Quartet - Jazz Goes to College



Stan Getz - tenor sax
Gary Burton - vibraphone
Steve Swallow - bass
Roy Haynes - drums

Hiatus Kaiyote - By Fire


quarta-feira, 25 de maio de 2016

Wes Montgomery Live



Informações preciosas sobre o filme aqui.

sábado, 14 de maio de 2016

Duplex: Gerry Mulligan Sextet - Prelude in E Minor / Eric Reed - Prelude In E Minor





Art Farmer (flugelhorn), 
Bob Brookmeyer (valve-trombone), 
Gerry Mulligan (baritone sax, arrange),
 Jim Hall (guitar), 
Bill Crow (bass), 
Dave Bailey (drums)


Eric Reed - Piano
Dwayne Burno - Bass
Cecil Brooks III - Drums


quinta-feira, 5 de maio de 2016

Charles Mingus - Goodbye Pork Pie Hat



Live at Montreux 1975
Charles Mingus [b] 
Don Pullen [p] 
George Adams [s] 
Gerry Mulligan [bs] 
Benny Bailey [t] 
Danny Richmond [d]


Charles Mingus Quartet - All The Things You Could Be By Now If Sigmund Freud's Wife Was Your Mother


terça-feira, 3 de maio de 2016

segunda-feira, 2 de maio de 2016

a man of high degree

'Minkus Finkus! I heard you was here, I knewed you'd come!'
'I been here awhile, Fats.'
'I know, I heard. Come on backstage and meet the folks. You losed a lot of weight too, huh, Mingus? Look at me - I made a record with Jacquet under the name of Slim Romero, how 'bout that! Bilie, here's Ming!'
'Mingus, honey! You on the show?'
'Just come to listen, Billie.'
'Give me some sugar, baby - mmmmm! Want to gig? Norman needs another bass man on the show, you know?'
'that would do me good, Billie.'
'How're you doing with your girls?'
That's all over. It was too much for a man of high degree.'
'Remember that song I wrote for you, Billie - "Eclipse"? You never did sing it.'
'Go home and get your bass and bring the song with you. You're working, 'cause I'm the star of the show and I say so.'

                 Charles Mingus, Beneath the Underdog, Canongate Books, 2011, p. 308-309.                    


sexta-feira, 8 de abril de 2016

viver uma vida boa e digna de ser vivida

"E hoje, enfraquecido, sem fôlego, com os músculos outrora firmes debilitados pelo cancro, dou por mim a pensar, cada vez mais, não no sobrenatural ou no espiritual, mas no que significa viver uma vida boa e digna de ser vivida, de modo que nos sintamos em paz connosco. Descubro que os meus pensamentos se voltam para o Sabat, o dia de repouso, o sétimo dia da semana, e talvez também o sétimo dia da nossa própria vida, quando sentimos que fizemos o nosso trabalho e que, com a consciência em paz, podemos descansar."
Oliver Sacks, Gratidão, Relógio D'Água, 2016, p.47.

quinta-feira, 31 de março de 2016

Kenny Garrett - Equinox



Kenny Garrett - alto saxophone
Pat Metheny - guitar
Rodney Whitaker - bass
Brian Blade - drums

Oh, Kertész is dead

Oh, Kertész is dead
Eco is dead
Sacks is dead
Oh, show me in the face
something new about Kertész.
Eco is studing
Sacks is writing
Oh, show me the way
to the next dead man.
Yeah, show me in the face
now that we can no more
that I me still breathing.

sábado, 12 de março de 2016

Oliver Sacks on Tourette Syndrome


Estados de espírito


"Sou um contador de histórias, para o melhor e para o pior. Suspeito que a sensibilidade para histórias, para narrativas, é uma predisposição universal,  nos seres humanos, tão universal como a capacidade linguística, a consciência de si próprio e a memória autobiográfica.
O ato de escrever, quando corre bem, proporciona-me um prazer, uma alegria, que não tem comparação com mais nada. Conduz-me para outro lugar - independentemente do assunto -, onde me absorvo por inteiro e esqueço pensamento distrativos, cuidados, preocupações, e até o próprio passar das horas. Nesses raros mas divinais estados de espírito, posso escrever sem interrupções até deixar de conseguir ver a página. Só então me dou conta de que a noite caiu e de que estive o dia todo a escrever.
Ao longo duma vida, escrevi milhões de palavras, mas o ato de escrever parece-me sempre tão novo, e tão divertido, como no dia em que comecei, há quase setenta anos."
                             Oliver Sacks, Em movimento - Uma Vida, Relógio D'Água, 2015, p.320.                 



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Sorry, Ludwig: Oliver Sacks' Brain on Bach

quinta-feira, 10 de março de 2016

terça-feira, 8 de março de 2016

Art Blakey & The Jazz Messengers - A Night In Tunisia




Drums: Art Blakey
Trumpet: Lee Morgan
Sax: Benny Golson
Piano: Bobby Timmons
Bass: Jymie Merritt

quinta-feira, 3 de março de 2016

Render a alma

Meursius
Por sugestão de Casanova, História da Minha Vida I, Divina Comédia Editores, 2013, p. 338-339, onde se pode ler:

"M. M. pega nas estampas de Mersius, onde havia belos combates amorosos entre mulheres, e, lançando-me um olhar malicioso, pergunta-me se quero que ela mande acender a lareira no quarto da alcova; percebendo a sua ideia, respondo-lhe que tal me daria prazer porque, como a cama era grande, poderíamos deitar-nos lá os três. Ela receou que eu pudesse suspeitar de que o amigo estivesse no esconderijo. Assim, põe-se a mesa diante da alcova e eis-me descansado quanto à suspeita de ser visto. Servem-nos e ceamos com vivíssimo apetite. M. M. ensinava C. C. a preparar o ponche. Com elas à minha frente, admirava o progresso da beleza de C. C."

O mundo dos meus olhos

Kraus foi ao  médico que, olhando para uma chapa dos seus pulmões, lhe disse que não via nada de especial. Kraus sentiu uma nesga de alívio mas não deixou de registar como os médicos podem ser uma desilusão.

segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

gratificações subjectivas e ordem na consciência

"Existem duas palavras cujo significado reflecte a nossa atitude relativamente aos níveis de compromisso com actividades mentais ou físicas. Estes termos são amador e diletante. Actualmente, estes rótulos são um pouco depreciativos. Um amador ou um diletante é alguém que não está muito a par, uma pessoa que não se leva muito a sério ou cuja actuação não se conforma com as normas profissionais. Originalmente, contudo, «amador», do latim amare, «amar», referia-se a uma pessoa que gostava do que fazia. Do mesmo modo, um «diletante», do latim delectare, «deleitar-se», era alguém que desfrutava de uma actividade. Os significados primitivos destas palavras reportavam-se, portanto, mais à experiência do que à realização; descreviam as gratificações subjectivas que se obtinham por fazer coisas, e não a forma como elas estavam a ser realizadas. Nada ilustra melhor a nossa mudança de atitude relativamente à experiência como o destino destas duas palavras. Tempos houve em que era admirável ser-se poeta amador ou cientista diletante, porque isso significava que a qualidade de vida podia ser melhorada pela dedicação a essas actividades. Gradualmente, contudo, aumentou a ênfase dada ao valor do comportamento em desprestígio dos estados subjectivos; o que se admira é o sucesso, a realização, a qualidade da execução e não a qualidade da experiência. Consequentemente, tornou-se embaraçoso ser-se chamado diletante, embora ser um diletante signifique alcançar o que é mais importante -  o desfrute que as acções possibilitam.
É verdade que o tipo de aprendizagem diletante fomentada aqui pode ser abalada mais facilmente do que a disciplina profissional, se quem aprende descurar o objectivo que o motiva. Leigos com interesses pessoais viram-se para a pseudociência para conseguir os seus intentos e, muitas vezes, os seus esforços quase não se distinguem dos amadores intrinsecamente motivados.
O interesse na história das origens étnicas, por exemplo, pode ser facilmente pervertido por uma procura de provas de superioridade relativamente a outros grupos. O movimento nazi, na Alemanha, recorreu à antropologia, à história, à anatomia, à língua, à biologia e à filosofia para forjar a teoria da supremacia da raça ariana. Académicos profissionais também foram apanhados por este projecto duvidoso apesar de ter sido inspirado por amadores e de ser regido por regras que pertenciam à política e não à ciência.
(...)
A má conotação que os termos amador e diletante adquiriram ao longo dos anos deve-se, em larga medida, ao esbatimento da distinção entre objectivos intrínsecos e extrínsecos. Um amador que julga saber tanto como um profissional está provavelmente errado e pretende ludibriar-nos. O objectivo de um cientista amador não é competir com profissionais no seu terreno, mas utilizar uma disciplina simbólica para alargar as suas faculdades mentais e criar ordem na consciência. A este nível, o conhecimento amador tem o seu lugar e pode mesmo ser mais eficaz do que o seu parceiro profissional. Mas, logo que o amador perde de vista este objectivo e utiliza o conhecimento principalmente para alimentar o ego ou obter benefícios materiais, torna-se numa caricatura do académico. Sem formação na disciplina do cepticismo e da crítica recíproca subjacentes ao método científico, as pessoas comuns que se aventuram nos domínios do conhecimento com objectivos preconceituosos podem tornar-se mais cruéis e mais ostensivamente indiferentes à verdade do que o académico mais corrupto."
                                  Mihaly Csikszentmihalyi, Fluir, (tr. M. A.), Relógio D´Água, 1999, pp. 192-4.               

domingo, 21 de fevereiro de 2016

Ahmad Jamal - Moods


Homem máquina

"Uns quilómetros adiante, perguntou-me de repente: "Já ouviste falar no processo de Bessemer?"
"Já", disse eu. "Demo-lo em química, na escola".
"Alguma vez ouviste falar do John Henry, o preto de aço? Pois bem, morava aqui mesmo. Quando foi inventada uma máquina para cravar estacas de aço num leito de rio, eles dissaram que o trabalho humano nunca poderia competir com a máquina. Os pretos fizeram uma aposta, e trouxeram o mais forte dentre eles: o John  Henry. Diz-se que os bíceps dele tinham mais de cinquenta centímetros de diâmetro. Pegou em duas marretas, uma em cada mão, e cravou cem estacas mais depressa do que a máquina. Quando chegou ao fim, deitou-se no chão e morreu. Nem  mais! Isto é a região do aço."
                            Oliver Sacks, Em movimento - Uma Vida, Relógio D'Água, 2015, p.76.                

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

"Nenhum homem, durante um espaço razoável de tempo, pode usar uma cara para si e outra para a multidão, sem que por fim fique confuso sobre qual delas é a verdadeira."

(Nathaniel Hawthorne, A letra Encarnada (The Scarlet letter), tr. Fernando Pessoa, Pub. D. Quixote, 2009, p. 227)

terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

O mundo dos meus olhos.

Quem sou eu para avaliar a arte? Mas a verdade é que ser arte é pôr-se a jeito. Quando a arte é boa sou eu que saio destrochado. Quando a arte é má, é ela que sai destroçada.

Robert Glasper - Stella By Starlight


segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

continuar a moldar

«Há momentos em que chego a pensar que chegou a hora, por exemplo num daqueles dias em que me sinto em baixo», disse ele. «Às vezes, uma pessoa está farta de tudo, percebe? Eu moía o juízo à minha Shelley. Dizia-lhe: "sabes que em África, quando uma pessoa envelhece e deixa de produzir, o grupo leva-a para a selva e deixa-a lá para ser consumida pelos animais selvagens." Ela achava que eu era doido. "Não", dizia eu. "Já não produzo nada, só estou a custar dinheiro ao governo." De vez em quando, dá-me para isso. Mas depois penso: Ei, a vida é o que é. Deixa-te ir. Se te querem por cá que mal tem?»
(...) Estávamos a falar sobre a história da vida dele há quase duas horas, quando me apercebi de que, pela primeira vez na vida, não tinha medo de chegar à fase em em que ele estava. O Lou tinha noventa e quatro anos e realmente não havia nada de cativante nisso. Os dentes pareciam pedra caídas. Doíam-lhe todas as articulações. Perdera um filho e a mulher já não conseguia andar sem o andarilho (...). Mas também era evidente que conseguia viver de uma maneira que o fazia sentir que ainda tinha um lugar no mundo. As pessoas ainda o queriam por perto. E isso levantava a possibilidade de o mesmo ser verdade, um dia, para qualquer um de nós.
O pavor da doença e da velhice não é só o pavor das perdas que nos vemos obrigados a suportar; é também o pavor do isolamento. À medida que as pessoas se vão apercebendo da finitude da sua vida, deixam de pedir muito. Não procuram mais riquezas. Não procuram mais poder. Pedem apenas que as deixem, dentro do possível, continuar a moldar a história da sua vida no mundo:  a fazer escolhas  e a manter relações com os outros segundo as suas próprias prioridades. Na sociedade moderna, temos vindo a partir do princípio de que a debilidade e a dependência excluem esse tipo de autonomia. O que aprendi com o Lou (...) é que, sim, é possível.
«Não me preocupo com o futuro», disse o Lou. «Os japoneses têm a palavra karma. Significa: se é para acontecer, não há nada que eu possa fazer para o impedir. Sei que o tempo é limitado e daí? Tive uma boa vida.»

Atul Gawande, Ser Mortal, Lua de Papel, 2014, p. 148-149

pensamentos e preocupações

Morrer costumava fazer-se acompanhar por um conjunto predefinido de costumes. Guias sobre a ars moriendi, a arte de morrer, eram extraordinariamente populares; uma versão medieval publicada em latim, em 1415, foi reeditada em mais de uma centena de edições em toda a Europa. As pessoas achavam que a morte devia ser aceite estoicamente, sem medo ou autocompaixão ou esperança de algo mais que não o perdão de Deus. Refirmar a fé, arrepender-se dos seus pecados e desapegar-se dos seus bens materiais e desejos mundanos eram etapas cruciais, e os guias ofereciam às famílias preces e perguntas para fazerem aos moribundos, de modo a colocá-los no estado de espírito certo, nas suas derradeiras horas de vida. As últimas palavras revestiam-se de uma reverência especial.
Hoje em dia, uma doença catastrófica e rápida é que é a exceção. Para a maior parte das pessoas, a morte só chega depois de uma longa luta médica com uma doença que, no fim, é imbatível (...). Em todos os casos, a morte é certa, mas o momento em que vai chegar, não. Por isso, toda a gente se debate com esta incerteza: como, e quando, aceitar que a batalha está perdida? Quanto a últimas palavras, parece que praticamente já nem existe tal coisa. A tecnologia pode sustentar os nossos orgãos até estarmos muito para lá de um estado de consciência e coerência. Além disso, como é que podemos tratar dos pensamentos e preocupações dos mortos, quando a Medicina fez com que se tornasse quase impossível ter a certeza sobre quem é que está a morrer? Estará  uma pessoa com um cancro terminal, demência ou insuficência cardíaca incurável efetivamente à beira da morte?

Atul Gawande, Ser Mortal, Lua de Papel, 2014, p. 158

Miles Davis Quintet



Trumpet: Miles Davis
Saxophone: Wayne Shorter
Piano: Herbie Hancock
Bass: Ron Carter
Drums: Tony Williams

dois eus diferentes

"Achamos que uma dor de longa duração é pior do que uma dor de curta duração e que ter um nível médio de dor maior é pior do que ter um nível médio de dor menor. Mas não foi nada disso que os doentes disseram. As suas classificações finais ignoraram em grande parte a duração da dor. Em vez disso, as classificações regeram-se mais por um fenómeno a que Kahneman chamou « a regra do fico-fim»: a média da dor sentida em apenas dois momentos: o pior momento em toda a intervenção e o final. (...)
As pessoas parecem ter dois eus diferentes: um que passa pelas experiências e vivencia cada instante, e outro que recorda as experiências e atribui quase todo o peso do juízo de valor a dois meros pontos no tempo, o pior e o último. O eu que recorda parece ater-se à regra pico-fim, mesmo quando o final é uma anomalia. Bastou uns minutos  sem dor no fimda intervenção médica para reduzir drasticamente as classificações globais de dor dos doentes, inclusive tendo sentido mais de meia hora intensa de dor. «Não custou tanto», disseram depois. Um final penoso também fez disparar de maneira igualmente radical as classificações de dor. (...) A investigação demonstrou também que o fenómeno se aplica exatamente da mesma maneira à forma como as pessoas classificam as experiências agradáveis. Toda a gente conhece a experiência de ver uma prova desportiva em que uma equipa joga lindamente durante o jogo quase todo e depois, no fim, estraga tudo. Sentimos que o final dá cabo da experiência toda. Existe, todavia, uma contradição na origem desse valor. O eu que vive as coisas desfrutou de horas de prazer e de apenas um momento de desprazer, mas o eu que recorda não vê prazer nenhum.
 Se o eu que recorda e o eu que vive podem ter opiniões radicalmente diferentes sobre a mesma experiência, então a pergunta difícil que se levanta é a qual dos dois devemos dar ouvidos."
Atul Gawande, Ser Mortal, Lua de Papel, 2014, p.233

obtusos e negligentes

"A sociedade tecnológica esqueceu aquilo a que os estudiosos chamam o «papel do moribundo» e a sua importância para as pessoas à medida que a vida se aproxima do fim. As pessoas à beira da morte querem partilhar recordações, transmitir conhecimentos e conselhos, firmar relações, definir o seu legado, fazer as pazes com Deus e certificar-se de que os entes queridos que deixam para trás ficarão bem. Querem terminar a sua história nos seus próprios termos. Ese papel, segundo os investigadores, é um dos mais importantes da vida, quer para quem está a morrer, quer para quem cá fica. E se assim é, a forma como negamos às pessoas esse papel, por sermos obtusos e negligentes, é motivo de vergonha para todo o sempre. Vezes sem conta, nós, profissionais de saúde, inflingimos feridas profundas no fim da vida das pessoas e depois ficamos a ver, sem termos consciência do mal que fizemos."
Atul Gawande, Ser Mortal, Lua de Papel, 2014, p.241

domingo, 17 de janeiro de 2016

David Bowie - Moss Garden


"Bowie existiu para que todos os desajustados aprendessem que a singularidade é uma coisa preciosa".
Guillermo del Toro, citado no Público de 12 de Janeiro de 2016.

Queen & David Bowie - Under Pressure