terça-feira, 26 de janeiro de 2010

"
Secretária: Senhor Doutor, está um homem invisível na sala de espera.
Doutor: diga-lhe que eu não o posso ver.


Pode ter achado que esta anedota não contribuiu nada para explicar a distinção kantiana entre fenómeno e númeno, mas isso é porque há algo na tradução do alemão que se perdeu. Aqui vai a anedota tal e qual como nós a ouvimos num café na Universidade de Konigsberg:


Secretária: Herr Doctor está um ding an sich [coisa-em-si/númeno] na sala de espera.
Urologista: Outro ding an sich! Se eu vejo mais algum hoje, passo-me. Quem é?
Secretária: Como é que eu posso saber?
Urologista: Descreva-o.
Secretária: deve estar a brincar!
"

Cathcart T., & Klein, D., Plato and Platibus walk into a Bar - understanding Philosophy through jokes, Penguin,2007, p.64.

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

sábado, 2 de janeiro de 2010

Foer, S., J., Eating Animals



(Clique no título para aceder ao site promocional do livro)

Especialmente para aqueles que não querem perceber a ligação entre uma alimentação carnívora, o sofrimentos dos animais e as questões ambientais aqui vai, em jeito de bom ano novo, uma citação de um excelente livro acabadinho de sair:

"Os omnívoros contribuem sete vezes mais para o volume dos gases com efeito de estufa do que os vegetarianos.
"As NU resumem, do seguinte modo, os efeitos da industria de carnes: a criação de animais para alimentação (quer seja em fábricas de carne ou nas tradicionais quintas) «é uma das principais causas dos problemas ambientais mais preocupantes, e isto em qualquer escala, quer local quer global... Quando se trata de lidar com problemas como a degradação do solo, as alterações climáticas e a poluição do ar, a falta de água e a sua poluição, a perca de biodiversidade [a agricultura animal] deveria ser uma preocupação política. A contribuição da criação de gado para os problemas ambientais é gigantesca». Por outras palavras, se nos preocupamos com o ambiente, e se aceitamos os resultados científicos apresentados por fontes credenciadas, então devemos reflectir sobre a alimentação carnívora.
Dito de forma muito simples: alguém que come regularmente produtos vindos da industria de criação de animais não pode intitular-se ambientalista sem, com isso, divorciar a palavra do seu significado."

(FOER, Jonathan Safran, Eating Animals, Little, Brown and company, 2009, pp.58-59. tr. LFB)



segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Nathaniel Hawthorne, A letra Encarnada (The Scarlet letter), tr. Fernando Pessoa, Pub. D. Quixote, 2009
"É uma boa lição - ainda que por vezes dura - para um homem que sonhou com a glória literária, e com o talhar-se um lugar, por esse meio, entre os grandes do mundo, o sair um pouco do círculo estreito dentro do qual se aceitam suas pretensões, e ver quão vazio de sentido, fora desse círculo, é tudo quanto ele faz ou quer." ( "alfândega, introdução a A Letra Escarlate, p.25")
"...o facto é que ela sentia ou imaginava que a letra encarnada a tinha dotado de um novo sentido. Estremecia ao crer, mas não podia deixar de crer, que lhe dava um conhecimento sensível do pecado oculto em outros corações." (85)
"Quando uma multidão inculta tenta ver com os próprios olhos, corre grande risco de enganar-se. Quando, porém, forma o seu juízo sobre as intuições do seu grande e ardente coração, as conclusões a que assim chega são muitas vezes tão profundas e certas que assumem o aspecto de uma verdade sobrenaturalmete revelada." (128)
"O público é despótico por natureza; é capaz de negar a justiça vulgar quando insistentemente se lha exige como um direito; mas com igual frequência dará mais que justiça, quando o apelo é feito, como os déspotas gostam que se lhes faça, inteiramente para a sua generosidade." (166)
"O futuro está ainda cheio de experiências e de triunfos também. Há felicidade a gozar! Há bem a fazer! Troca esta vida falsa por uma vida verdadeira. (...) Levanta-te e parte." (206)
"Nenhum homem, durante um espaço razoável de tempo, pode usar uma cara para si e outra para a multidão, sem que por fim fique confuso sobre qual delas é a verdadeira" (227)
"Era uma época em que o que chamamos talento tinha muito menos consideração do que tem agora, mas em que os materiais pesados que produziam a estabilidade e a dignidade do carácter tinham muito mais." (248)

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

- Poderíamos ficar, para toda a eternidade, a ler contos filosóficos, o que acham? - Perguntou um mestre aos seus discípulos, depois de lerem alguns contos do livro Tértúlia de Mentirosos - Contos Filosóficos do Mundo Inteiro.
Ao que uma discípula respondeu - toda a eternidade não, porque eu tenho que ir pagar a caixa à minha mãe!

(LFB)

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

O inquérito educativo

"Enfim, a hipnopedia, a maior força moralizadora de todos os tempos. (...)

- Até que o espírito da criança seja essas coisas sugeridas e que a soma dessas coisas sugeridas seja o espírito da criança. E não apenas o espírito da criança, mas igualmente o espírito do adulto, e para toda a vida. O espírito que julga, deseja e decide, constituído por essas coisas sugeridas. Mas todas essas coisas sugeridas são aquelas que nós sugerimos, nós!

- Com entusiasmo, o Director quase gritou. - Que o Estado sugere. "

(Huxley, A., Admirável mundo Novo, (tr.M.H.L.) Livros do Brasil,p.44. Os itálicos estão no texto original e são muito significativos)

Vivemos também o tempo dos inquéritos. Ninguém sabe nada sobre nada, por conseguinte, só realizando inquéritos vagos e preenchidos à pressa é que podemos saber o que se deve fazer. Na maioria dos casos, decide-se a posteriori, sem ter em conta o que quer que seja e na esperança de que os inquiridos fiquem com a ligeira sensação que contam para alguma coisa. Noutros casos, o que se faz é, vagamente, aquilo que a maioria dos inquiridos deseja, o que, como é de ver, nem sempre é o melhor.

Os dirigentes educativos regionais, como era esperado, andam sem norte e a bater pano (e os nacionais como andarão? Antes, diziam-me que na RAA um professor estava melhor do que 'lá fora', de repente, parece que é ao contrário...). Paulo Portas gritou a necessidade de repor a autoridade dos professores e logo chegaram às escolas pedidos de parecer sobre o tema. Muitas sugestões e indicações foram dadas pelas escolas. Resultado: nada e, dado o significado de autoridade docente, outra coisa não seria possível.

Fala-se de desburocracia. Resultado: os directores de turma deixaram de controlar as faltas dos professores do conselho de turma, coisa que já há anos é considerada absurda; embora muitos professores o fizessem, como noutras acções do mesmo género, de bom grado. Pensar que a imensidão de burocracia que submerge as escolas é aliviada com uma medida particular revela bem o rumo desta política educativa. Mas de imediato tal medida é anunciada em jornais e telejornais como medida exemplar de desburocratização.

A RTP-Açores e os jornais anunciaram, em voz pretensamente neutra, que no início do ano lectivo, todos os professores tiveram acções de formação sobre avaliação. Resultado: um professor dito formador passa um dia inteiro a ler em powerpoint o texto que todos os formandos têm nas suas mãos na vã esperança - e contra todas as boas regras didácticas e pedagógicas - que toda aquela massa de orientações, sugestões, critérios e grelhas fique, em triex (3X quer dizer: leitura em voz alta do texto projectado que é lido pelo leitor e ouvinte; espécie de hipnopedia), gravada nas cabeças vagamente atentas e prisioneiras da e na última sexta-feira antes do início das aulas.

No dia-a-dia, proliferam comissões que planeiam inquéritos sobre os mais variados assuntos mas que não têm tempo para perceber até que ponto são inúteis.

Ninguém parece olhar à sua volta. E esse é o grande objectivo político.

Todos projectam o seu futuro longe de tudo isto. E o futuro nunca foi problema político.

LFB

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Machado de Assis, Dom Casmurro, (Pub. D. Quixote, 2009)


"Os sonhos do acordado são como os outros sonhos, tecem-se pelo desenho das nossas inclinações e das nossas recordações." (p.75)



"Nada se emenda bem nos livros confusos, mas tudo se pode meter nos livros omissos." (p.138)



A natureza é simples. A arte é atrapalhada." (p. 208)

sexta-feira, 31 de julho de 2009

inconstitucionalidades

Ontem o Tribunal Constitucional declarou várias normas do Estatuto Político Administrativo dos Açores inconstitucionais. É também para isso que serve a Constituição da República; para se perceber que a política não é só interesses partidários, jogos eleitorais e conveniências para iludir os eleitores. A política é também - e deveria sê-lo em primeiro lugar - o respeito pela Lei fundamental. Agora todos os senhores deputados da assembleia da República e da Regional - o estatuto foi aprovado por unanimidade - encabeçados por César façam favor de dar a mão à palmatória e retirar as insconstitucionalidades. Agora e já que é tempo de eleições.

(LFB)

Contra biotério em Portugal

Para quem está, de facto, preocupado com o bem-estar animal e não apenas com o humano, aqui está algo que vale a pena ser contra.





sexta-feira, 19 de junho de 2009

sexta-feira, 5 de junho de 2009

Jacques Ellul sobre técnica e televisão

"(...)

Em primeiro lugar, a técnica como um sistema obedece à sua própria lei, à sua própria lógica. Por outras palavras, estamos a lidar com uma autonomia da técnica, um fechamento da técnica em si própria. A margem de possibilidade de intervenção vinda de fora - da economia, da politica ou de outro qualquer domínio - é muito pequena. Para além disso, a técnica é autónoma no que diz respeito à moralidade, à política e por aí adiante.(...)
Ao descrever o sistema como autónomo, não quero dizer uma autonomia capaz de se direccionar e de se reproduzir a si própria sem a intervenção humana. O que acontece é que o sistema determina quem deve tomar as decisões e quem deve agir. As únicas acções e decisões permitidas são aquelas que promovem o crescimento da técnica. O resto é rejeitado e rapidamente esquecido. Aqueles que tomam as decisões não são nem peritos em arte, nem cépticos, nem críticos, nem pessoas livres de obrigações. Desde a infância que se acostumaram à técnica: sentem que apenas a técnica é importante e que apenas o pensamento progressivo é válido: aprenderam técnicas para o seu trabalho e para o seu lazer. Deste modo as suas decisões suportam sempre a autonomia da técnica.
Aqui surge um problema. A técnica, como qualquer sistema, deveria ter a sua auto-regulação, o seu feedback. Contudo, não é nada disto que acontece. Por exemplo, se se observa um conjunto de efeitos negativos causados por um grupo de técnicos, deveríamos não apenas reparar os danos mas ir até à origem das técnicas envolvidas e modificar a sua aplicação na origem - no caso dos fertilizantes, por exemplo, ou relativamente a certos métodos de trabalho, ou produtos químicos. Mas esta acção nunca é tomada. Preferimos que os revezes e os problemas se desenvolvam (sob pretexto de que não estão completamente demonstrados) e preferimos criar novas técnicas para "reparar" os problemas. De facto, isto implica um feedback positivo. Não há nenhum tipo de auto-regulação no sistema da técnica. Isto não quer dizer que não seja um sistema. Mas significa que estamos a lidar com um sistema que perdeu o controlo - um sistema incapaz de se auto-controlar. Por isso, contrariamente ao que possamos acreditar, não podemos esperar nenhuma racionalidade. Isto, posso dizer, será o principal perigo, a principal questão quando nos pensamos como estando dentro do sistema. Este é um primeiro conjunto de consequências.
Um segundo conjunto de consequências é que, contrariamente ao que normamente fazemos, já não podemos entender a técnica em si mesma. E isto porque ela existe apenas em termos do todo. Contudo, isto é o que sempre fazemos quando, por exemplo, pensamos na televisão. Perguntamo-nos: "quais os efeitos da televisão? poderá alguém escapar ao impacto da televisão? Poderá alguém controlar a televisão?" A reacção é sempre totalmente elementar: "eu não estou nem um bocadinho viciado em televisão. Eu posso desligar o meu televisor sempre que quiser. Eu sou completamente livre." Respondemos como se a a televisão fosse um fenómeno separado, como se fosse independente do sistema. O mesmo se pode dizer do automóvel. (...)
Contudo, se quisermos compreender a televisão, temos que colocá-la dentro do sistema da técnica, isto é, temos que relacioná-la com a publicidade, com o facto de que o mundo se está a tornar cada vez mais num mundo visual, com o facto de estarmos constantemente a aprender que apenas as imagens correspondem à realidade ou com o facto do consumismo crescente. É este o mundo em que estamos constantemente obrigados a manter-nos actualizados acerca de tudo o que acontece. De maneira nenhuma sou livre de ver, ou de não ver, televisão porque amanhã de manhã as pessoas falarão comigo sobre tal e tal programa, e eu não quero ficar à margem do grupo.
Do mesmo modo, faço parte de um mundo no qual as operações técnicas requerem um certo conhecimento. Não posso entrar num meio ou num trabalho se não possuir conhecimentos, e uma boa parte destes conhecimentos são transmitidos pela televisão. Por conseguinte, na realidade, eu não sou independente do meu televisor. Ele pertence-me e eu estou integrado numa totalidade que é a sociedade dominada pela técnica, daqula a televisão é uma parte e eu sou absolutamente não livre nas minhas escolhas, nas minhas decisões.
Aparentemente, posso decidir não ver um certo filme ou um certo programa. Mas tenho eu a certeza de que posso decidir isso? Eu sou também uma pessoa que passa o dia num trabalho técnico, dessinteressante, repetitivo e tudo menos absorvente. À noite o que faço eu para relaxar e aliviar a tensão nervosa crescente que experienciei durante o dia? Televisão. Por isso, num certo sentido, eu vejo televisão ao fim do dia como recompensa e isto é também causado pelo facto de eu viver neste meio. Logo, sou absolutamente dependente no que diz respeito à televisão e de nada serve tentar compreender os efeitos da televisão como um fenómeno isolado. O verdadeiro problema é a situação dos seres humanos na totalidade da sociedade dominada pela técnica."


(Ellul, Jacques, (ed. Willem H. Vanderburg) Perspectives on our age - Jacques Ellul speaks on his life and work, Anansi, 2004, pp.51-54. Tr. LFB)

segunda-feira, 1 de junho de 2009

Os Açores

Os Açores são um pequeno jardim.

quinta-feira, 28 de maio de 2009

O processo

"
... A civilização ocidental é composta de comunidades ligadas entre si por um processo político e pelos direitos e deveres do cidadão, nos termos em que este [estes] é definido por aquele processo. É paradoxal o facto de ser a própria existência deste processo político que nos permite viver sem política. Tendo entregue a tarefa da governação a instâncias definidas, ocupadas sucessivamente por indivíduos que estão ao serviço, e não acima, de quem os elegeu, podemos dedicar-nos ao que nos verdadeiramente importa: os interesses privados, os afectos pessoais e os costumes sociais nos quais encontramos satisfação. Ou seja, a política permite separar a sociedade do estado, retirando assim a política da nossa vida privada. Onde não existe processo político não existe esta separação. Num estado totalitário ou numa ditadura militar tudo é político precisamente porque nada é político. Onde não existe processo político, tudo o que acontece diz directamente respeito a quem está no poder, uma vez que tudo representa para este uma ameaça potencial."

(Scruton, Roger, O ocidente e o Resto, Guerra e Paz, tr. V.F.P., 2006, pp.30-31[infelismente, a tradução e a revisão do livro revelam-se fracas])

segunda-feira, 18 de maio de 2009

Como se percebeu, pela lista das pessoas que votaram a favor e contra a sorte de varas (dos deputados da Terceira só um votou contra - o do Bloco de Esquerda), a discussão não era, afinal, sobre ética animal mas sim mais um episódio do eterno despique entre a Terceira e S.Miguel.

quinta-feira, 14 de maio de 2009

Animais

"Não gostamos de considerar como iguais os animais que por nós foram escravizados."
(Darwin, 1837)

"Todos os animais, excepto o homem, sabem que a principal regra da vida é viver bem (enjoy it) e eles vivem bem tanto quanto o homem e outras circunstâncias o permitem."
(Butler, 1903)

"Quatro pernas bom, duas pernas mau."
"Todos os animais são iguais, mas alguns animais são mais iguais do que outros."
(Orwell, 1945)

O touro às vezes sofre: a prova?

Nesta coisa de toiros a razão parece ter muito menos peso do que a emoção e isto de ambos os lados da discussão.

Os defensores da introdução da sorte de varas andam no parlamento regional meio escondidos (um está mesmo desaparecido) e sem terem a certeza do que vai realmente acontecer. A pressão económica associada ao ímpeto irracional do turismo não parece ter sido suficiente para convencer a maioria. Folia, dinheiro e tradição nunca se deram bem com a avaliação serena de razões.
Do lado dos amigos dos animais, vejamos a opinião do professor Carlos Enes. Para ele, as touradas à corda são "brincar com os toiros". E é bonito ver o povo. Mas as touradas na praça já são uma barbárie. Pergunto eu, que sou um defensor do vegetarianismo (apesar de nem sempre ser vegetariano): como é que o Exmo. professor prova que o sofrimento total dos touros à corda (incluindo transporte, estacionamento e corrida, por vezes bastante sanguinária como se sabe, embora o sangue não seja, necessariamente prova de sofrimento) é menor do que o provocado nas touradas de praça? E, admitindo que é menor - o que não me parece nada claro - por que é que isso tornaria as touradas de corda eticamente aceitáveis? Não pode ser apenas por tradição. Como sabemos os argumentos baseados na tradição são altamente falaciosos. A escravatura já foi tradição e tivemos que acabar com ela. O incentivo ao consumo de álcool por menores é tradição nos costumes das "nossas gentes", mas teremos que acabar com ele. Simplesmente porque é errado.

(LFB)