segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

O inquérito educativo

"Enfim, a hipnopedia, a maior força moralizadora de todos os tempos. (...)

- Até que o espírito da criança seja essas coisas sugeridas e que a soma dessas coisas sugeridas seja o espírito da criança. E não apenas o espírito da criança, mas igualmente o espírito do adulto, e para toda a vida. O espírito que julga, deseja e decide, constituído por essas coisas sugeridas. Mas todas essas coisas sugeridas são aquelas que nós sugerimos, nós!

- Com entusiasmo, o Director quase gritou. - Que o Estado sugere. "

(Huxley, A., Admirável mundo Novo, (tr.M.H.L.) Livros do Brasil,p.44. Os itálicos estão no texto original e são muito significativos)

Vivemos também o tempo dos inquéritos. Ninguém sabe nada sobre nada, por conseguinte, só realizando inquéritos vagos e preenchidos à pressa é que podemos saber o que se deve fazer. Na maioria dos casos, decide-se a posteriori, sem ter em conta o que quer que seja e na esperança de que os inquiridos fiquem com a ligeira sensação que contam para alguma coisa. Noutros casos, o que se faz é, vagamente, aquilo que a maioria dos inquiridos deseja, o que, como é de ver, nem sempre é o melhor.

Os dirigentes educativos regionais, como era esperado, andam sem norte e a bater pano (e os nacionais como andarão? Antes, diziam-me que na RAA um professor estava melhor do que 'lá fora', de repente, parece que é ao contrário...). Paulo Portas gritou a necessidade de repor a autoridade dos professores e logo chegaram às escolas pedidos de parecer sobre o tema. Muitas sugestões e indicações foram dadas pelas escolas. Resultado: nada e, dado o significado de autoridade docente, outra coisa não seria possível.

Fala-se de desburocracia. Resultado: os directores de turma deixaram de controlar as faltas dos professores do conselho de turma, coisa que já há anos é considerada absurda; embora muitos professores o fizessem, como noutras acções do mesmo género, de bom grado. Pensar que a imensidão de burocracia que submerge as escolas é aliviada com uma medida particular revela bem o rumo desta política educativa. Mas de imediato tal medida é anunciada em jornais e telejornais como medida exemplar de desburocratização.

A RTP-Açores e os jornais anunciaram, em voz pretensamente neutra, que no início do ano lectivo, todos os professores tiveram acções de formação sobre avaliação. Resultado: um professor dito formador passa um dia inteiro a ler em powerpoint o texto que todos os formandos têm nas suas mãos na vã esperança - e contra todas as boas regras didácticas e pedagógicas - que toda aquela massa de orientações, sugestões, critérios e grelhas fique, em triex (3X quer dizer: leitura em voz alta do texto projectado que é lido pelo leitor e ouvinte; espécie de hipnopedia), gravada nas cabeças vagamente atentas e prisioneiras da e na última sexta-feira antes do início das aulas.

No dia-a-dia, proliferam comissões que planeiam inquéritos sobre os mais variados assuntos mas que não têm tempo para perceber até que ponto são inúteis.

Ninguém parece olhar à sua volta. E esse é o grande objectivo político.

Todos projectam o seu futuro longe de tudo isto. E o futuro nunca foi problema político.

LFB

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