Gravações do Trio Fragata no bandcamp

terça-feira, 28 de junho de 2011

"Diminuir subvenções estatais e garantir resposta à emergência social"

IPSS que diversifiquem fontes de financiamento serão privilegiadas | Económico.

Tradução: o Estado quer livrar-se da solidariedade social. Como? Cortando no financiamento às Instituições Privadas de Solidariedade Social (IPSS) que não dêem lucro, transferindo simultaneamente (e ainda mais), as suas responsabilidades na área para as referidas instituições.
Perguntas: é razoável esperar que todos os tipos de IPSS dêem lucro? Que "diversifiquem o seu financiamento" numa altura de crise? Que de forma encapuçada o Estado se vá demitindo de apoiar os mais vulneráveis? Que se esperem respostas de qualidade a problemas sociais (com tendência a agravar-se, dado o aumento do desemprego) com financiamentos minguantes?

Tenho, ainda, um grande problema com a 'obsessão da inovação'. Que devamos estar abertos a novos modos de intervir? Claro. A novas populações vulneráveis? Também. Mas e o trabalho de continuidade, coerente e com resultados positivos? Não será isso o que mais interessa quando se trabalha com e para pessoas? Porque é então desprezado em detrimento de uma 'ditadura do novo'? O que é ou deve ser exactamente esse 'novo' no trabalho com os sem-abrigo, para dar um exemplo?
Propõe-se "criação de valor social". Não é já isso que fazem as IPSS - tantas vezes com orçamentos apertados e com sacrifício pessoal de quem lá trabalha -, quando melhoram a vida de pessoas que, não fosse a sua existência, dificilmente teriam acesso, por exemplo, a cuidados básicos de saúde?
Posso estar a escrever asneira, claro. Se estiver, então peço que me expliquem o que deve valorizar a sociedade.
(DO)

quinta-feira, 23 de junho de 2011

O paradoxo da escolha



O que acontece à sociedade quando a 'ideologia da escolha' domina todos os níveis da nossa vida?

domingo, 19 de junho de 2011

John Zorn

Nobreza de Espírito

Nobreza de Espírito - Um Ideal Esquecido"O mundo ocidental atribui superioridade a tudo o que é novo e veloz e mostra progresso. A História é excomungada, como conclui Osip Mandelstam. As tradições não contam; a eternidade e a transcendência já não são reconhecidas. O resultado inexorável desta nova ordem é o de que o significado já não existe porque já não pode ser conhecido. Na melhor das hipóteses, é tido em consideração por um instante, ao critério de cada um. Medida, valor, o que perdura no mundo transitório - tudo desaparece. São substituídos pelo niilismo, o culta da ausência de valores. A verdade é reduzida a uma entidade empírica ou matemática e já não é o ideal ao qual a realidade deve aspirar.A "era moderna" e a arte que produz não podem ser entendidas sem uma consciência da perda dessa eternidade e das relações subsequentes.

À mercê tanto do presente como da mortalidade, um ser humano não pode ser senão apressado, assediado, abandonado num universo sem sentido, perseguido pela falta de tempo. Mas as pessoas, como Sócrates aprende com Diotima, estão apaixonadas pela imortalidade, que as torna receptivas aos "sucedâneos de Deus" - palavras de Nietzsche. O "Império dos Mil Anos" e a "Utopia comunista" são inventados explicitamente como alternativas seculares à eternidade que foi expulsa. A sociedade ocidental tem as mesmas aspirações dos fascistas e dos comunistas. Não é por acaso que os seus pilares mais importantes, os meios de comunicação de massas e a economia social-capitalista, proclamam as virtudes do que é novo, veloz e progressista - tudo ao nível dos bens de consumo - e depois oferecem-nos a liberdade de sermos felizes com as nossas maquinetas. Temos de nos sentir eternamente jovens, ver sempre o que é novo como superior, aceitar que as limitações não existem - e será melhor esquecermos a morte."

(Riemen, Rob, Nobreza de Espírito, (tr.) Bizâncio, 2011, pp. 51-52)

o lixo e arte

segunda-feira, 13 de junho de 2011

A caça, os canabinóides e a evolução do cérebro

"Chegava-me à mente tanta informação sensorial que parecia abafar o zumbido habitual da consciência. Era um estado muito semelhante à meditação, embora não fosse necessário qualquer esforço ou exercícios mental para esvaziar a cabeça. Os simples actos de olhar e escutar, de sintonizar os meus sentidos na frequência do Porco, ocupavam todos os quadrantes do meu espaço mental e prendiam-me ao presente. Devo ter perdido a noção do tempo, pois os vinte minutos passaram num ápice. (...)
Mais tarde, ocorreu-me que este estado mental, que era bastante agradável, se assemelhava sob vários aspectos à sensação induzida pelo fumar de marijuana: a forma como os sentidos se tornam especialmente apurados, e a mente parece esquecer tudo para além do objecto da sua atenção, incluindo o desconforto físico e o passar do tempo. Hoje, uma das áreas mais interessantes das neurociências é o estudo do "sistema canabinóide" do cérebro, um conjunto de receptores no sistema nervoso que são activados por um grupo de compostos invulgares chamados canabinóides. Um desses compostos é o THC, o princípio activo da marijuana; outro é a recentemente descoberta anandamida, um neurotransmissor fabricado pelo cérebro (o cientista que o descobriu designou-o através da palavra do Sânscrito que significa "felicidade interior"). Quer sejam fabricados pela planta ou pelo cérebro, os canabinóides tem o efeito de intensificar a experiência sensorial, incapacitando a memória de curto prazo e estimulando o apetite. Os cientistas não sabem ainda ao certo qual a utilidade deste sistema dentro da lógica evolutiva. Alguns investigadores consideram a hipótese de os canabinóides, como os opiáceos, desempenharem um papel ao nível dos processos cerebrais de alívio da dor e recompensa; outros acreditam que estas substâncias ajudam a regular o apetite ou as emoções.
A experiência da caça sugere outra teoria. Será possível que o sistema canabinóide seja precisamente o tipo de adaptação favorecido pela selecção natural numa criatura que dependesse da caça para a sobrevivência. Uma substância química produzida pelo cérebro que apura os sentidos, concentra a atenção, nos permite esquecer tudo o que extrapola a tarefa a que nos estamos a dedicar (incluindo desconforto físico e a passagem do tempo), e ainda abre o apetite parece ser a ferramenta farmacológica perfeita para o homem caçador. Faculta, simultaneamente, o motivo, a recompensa e a disposição adequados à caça. Não ficaria nem um pouco surpreendido se descobrisse que aquilo que senti no bosque naquela manhã, agachado contra uma árvore, a observar avidamente a floresta que me rodeava, se devia a uma onda de anandamida produzida pelo meu cérebro."

(Pollan, M., O Dilema do Omnívoro, (tr.), D. Quixote, 2009, pp.346-347)

sexta-feira, 10 de junho de 2011

Pat Metheny

Jorge Semprun (1923-2011)

"Por vezes, a confiança que eu sentia por ter passado pela morte desaparecia, deixando, contudo, um efeito diabólico. Essa passagem tornava-se então a única realidade concebível, a única experiência verdadeira. Desde então tudo tinha sido apenas um sonho, quando muito uma aventura fútil, mesmo quando agradável. Apesar das minhas acções diárias e da sua eficácia, apesar da evidência dos meus sentidos, que me permitiam orientar-me num labirinto de perspectivas -  numa multiplicidade de pessoas e de coisas - a impressão precisa e esmagadora de viver apenas num sonho acabava sempre por surgir. De ser eu próprio um sonho. Antes de morrer em Buchenwald, antes de ser levado pelo fumo sobre o Ettersberg, tinha sonhado com essa vida futura, com essa incarnação enganadora. (16)

Apesar do fumo mefítico e do odor pestilento que se agarrava constantemente ao edifício, as latrinas do Pequeno Campo eram um lugar de convívio, uma espécie de refúgio onde se podiam encontrar compatriotas e amigos do bairro ou da clandestinidade; era um local para trocar notícias, uns poucos fragmentos de tabaco, memórias, risos e um pouco de esperança - em resumo, alguma vida. No pequeno Campo, as revoltantes latrinas eram um lugar de liberdade: os SS e os Kapos evitavam, naturalmente, o edifício e o seu fedor nauseabundo, tornando-o assim no único local de Buchenwald onde a pessoa se sentia o mais livre possível da tirania inerente ao funcionamento do mundo concentracionário." (p. 39)
(tr. do inglês, LFB)
[Uma entrevista a Semprun, realizada em 2005 por Carlos Vaz Marques (TSF), pode ser ouvida aqui)