Mais tarde, ocorreu-me que este estado mental, que era bastante agradável, se assemelhava sob vários aspectos à sensação induzida pelo fumar de marijuana: a forma como os sentidos se tornam especialmente apurados, e a mente parece esquecer tudo para além do objecto da sua atenção, incluindo o desconforto físico e o passar do tempo. Hoje, uma das áreas mais interessantes das neurociências é o estudo do "sistema canabinóide" do cérebro, um conjunto de receptores no sistema nervoso que são activados por um grupo de compostos invulgares chamados canabinóides. Um desses compostos é o THC, o princípio activo da marijuana; outro é a recentemente descoberta anandamida, um neurotransmissor fabricado pelo cérebro (o cientista que o descobriu designou-o através da palavra do Sânscrito que significa "felicidade interior"). Quer sejam fabricados pela planta ou pelo cérebro, os canabinóides tem o efeito de intensificar a experiência sensorial, incapacitando a memória de curto prazo e estimulando o apetite. Os cientistas não sabem ainda ao certo qual a utilidade deste sistema dentro da lógica evolutiva. Alguns investigadores consideram a hipótese de os canabinóides, como os opiáceos, desempenharem um papel ao nível dos processos cerebrais de alívio da dor e recompensa; outros acreditam que estas substâncias ajudam a regular o apetite ou as emoções.
A experiência da caça sugere outra teoria. Será possível que o sistema canabinóide seja precisamente o tipo de adaptação favorecido pela selecção natural numa criatura que dependesse da caça para a sobrevivência. Uma substância química produzida pelo cérebro que apura os sentidos, concentra a atenção, nos permite esquecer tudo o que extrapola a tarefa a que nos estamos a dedicar (incluindo desconforto físico e a passagem do tempo), e ainda abre o apetite parece ser a ferramenta farmacológica perfeita para o homem caçador. Faculta, simultaneamente, o motivo, a recompensa e a disposição adequados à caça. Não ficaria nem um pouco surpreendido se descobrisse que aquilo que senti no bosque naquela manhã, agachado contra uma árvore, a observar avidamente a floresta que me rodeava, se devia a uma onda de anandamida produzida pelo meu cérebro."
(Pollan, M., O Dilema do Omnívoro, (tr.), D. Quixote, 2009, pp.346-347)
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