sexta-feira, 10 de junho de 2011

Jorge Semprun (1923-2011)

"Por vezes, a confiança que eu sentia por ter passado pela morte desaparecia, deixando, contudo, um efeito diabólico. Essa passagem tornava-se então a única realidade concebível, a única experiência verdadeira. Desde então tudo tinha sido apenas um sonho, quando muito uma aventura fútil, mesmo quando agradável. Apesar das minhas acções diárias e da sua eficácia, apesar da evidência dos meus sentidos, que me permitiam orientar-me num labirinto de perspectivas -  numa multiplicidade de pessoas e de coisas - a impressão precisa e esmagadora de viver apenas num sonho acabava sempre por surgir. De ser eu próprio um sonho. Antes de morrer em Buchenwald, antes de ser levado pelo fumo sobre o Ettersberg, tinha sonhado com essa vida futura, com essa incarnação enganadora. (16)

Apesar do fumo mefítico e do odor pestilento que se agarrava constantemente ao edifício, as latrinas do Pequeno Campo eram um lugar de convívio, uma espécie de refúgio onde se podiam encontrar compatriotas e amigos do bairro ou da clandestinidade; era um local para trocar notícias, uns poucos fragmentos de tabaco, memórias, risos e um pouco de esperança - em resumo, alguma vida. No pequeno Campo, as revoltantes latrinas eram um lugar de liberdade: os SS e os Kapos evitavam, naturalmente, o edifício e o seu fedor nauseabundo, tornando-o assim no único local de Buchenwald onde a pessoa se sentia o mais livre possível da tirania inerente ao funcionamento do mundo concentracionário." (p. 39)
(tr. do inglês, LFB)
[Uma entrevista a Semprun, realizada em 2005 por Carlos Vaz Marques (TSF), pode ser ouvida aqui)

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