Uma resposta está no livro Um Mundo Iluminado - Uma leitura dos clássicos à procura de um sentido num mundo secular, escrito por Hubert Dreyfus e S. D. Kelly, tr. F.G., Lua de Papel, 2011.
Para começar, devemos procurar resquícios das experiências do sagrado que iluminaram o nosso passado. Encontraremos essas centelhas do sagrado relendo os grandes clássicos. Homero, Ésquilo, Dante e Melville são os principais privilegiados. David Foster Wallace serve para introduzir a análise crítica do "nosso niilismo contemporâneo". Através dessas leituras propõem-se os autores reconstruir algum sentido glorioso que oriente e ilumine as nossas vidas.
Mas por que está o mundo tão deprimente? Segundo os autores, o grande mal foi a modernidade com a sua ideia de indivíduo capaz de descobrir leis em si próprio e para si próprio: "a nossa concentração em nós mesmos enquanto seres isolados e autónomos teve o efeito de banir os deuses" (243). Aquilo que hoje precisamos é de desenvolver "competências para responder aos múltiplos sentidos do sagrado que permanecem, ignorados, nas margens do nosso mundo desencantado" (244).
Para começar, devemos procurar resquícios das experiências do sagrado que iluminaram o nosso passado. Encontraremos essas centelhas do sagrado relendo os grandes clássicos. Homero, Ésquilo, Dante e Melville são os principais privilegiados. David Foster Wallace serve para introduzir a análise crítica do "nosso niilismo contemporâneo". Através dessas leituras propõem-se os autores reconstruir algum sentido glorioso que oriente e ilumine as nossas vidas.
Mas por que está o mundo tão deprimente? Segundo os autores, o grande mal foi a modernidade com a sua ideia de indivíduo capaz de descobrir leis em si próprio e para si próprio: "a nossa concentração em nós mesmos enquanto seres isolados e autónomos teve o efeito de banir os deuses" (243). Aquilo que hoje precisamos é de desenvolver "competências para responder aos múltiplos sentidos do sagrado que permanecem, ignorados, nas margens do nosso mundo desencantado" (244).
É no desporto que os autores vêem hoje o sentido de união que antes acontecido nos festivais sagrados. E é a através do discurso de despedida de Lou Gehrig que se explora o lado religioso do desporto contemporâneo.
"Há momentos nos desportos - tanto ao praticá-los como ao assistir a eles - perante os quais acontece algo de tão poderoso que cresce diante de nós como uma presença palpável e nos arrasta como sobre uma poderosa onda. Nesses momentos, não há lugar a um distanciamento irónico face ao acontecimento. é nesses momentos que o sagrado brilha." (215)
Quatro aspectos revelam a presença do sagrado no desporto. 1) "nos momentos realmente extraordinários acontece algo de esmagador"; infelizmente esse momento não dura para sempre, é "passageiro" e "situacional". E não é esta característica de que tudo nos foge das mãos o que está na origem da vida deprimente? Pode ser, mas os autores vêm esse aspecto como algo positivo. 2) Essa característica do sagrado liga-nos com "a concepção do real dos gregos homéricos", liga-nos à physis. A tradução apresentada do termo grego é "sibiliação" (wooshing), "a sibilação do cintilante Aquiles no meio da batalha, ou do erotismo esmagador na presença de um estrangeiro radioso como Páris; a sibilação de uma rocha no mar tumultuoso que impele a mão de Ulisses a agarrá-la. Estes eram os momentos plenos de luz da realidade no mundo de Homero. E a sibilação é o que acontece também no contexto dos grandes momentos do desporto contemporâneo." (222). 3) "o fenómeno physis não é exclusivo do desporto", está presente também noutros momentos como, por exemplo, no discurso de Martin Luther King. 4) Há algo de perigoso no fenómeno em apreciação. É que nesses momentos perdemos o controlo de nós mesmos, deixamo-nos levar, sem escolher o que fazemos. Este é o alerta que vem do iluminismo e ele tem razão de ser pois, segundo os autores, "vai uma distância muito pequena entre erguer-se com o público de um jogo e erguer-se com a multidão de um comício de Hitler." (225). Como remédio contra esses perigos, são-nos receitadas "outras práticas sagradas na nossa cultura". Devemos recuperar "o estilo poiético" que se manifestava "na capacidade do artífice de fazer as coisas surgirerm no seu melhor". Devemos focar-nos nas capacidades poéticas e, desenvolvendo as perícias adequadas, veremos o mundo de outra maneira: "a tarefa do artífice não é criar o sentido mas antes cultivar em si mesmo a capacidade de discernir os significados que já estão aí." (230). Devemos afastar a máquina e regressar ao artesão. É bonito, claro, mas como se faz isso ninguém parece saber. E isso por si só não chega: "Até mesmo os mestres no ofício de construir rodas de carruagens com reverência pela terra foram arrastados pelo poder da retórica de Hitler." O que é preciso é juntar às perícias a "capacidade de ordem superior para responder a distinções importantes entre maneiras perigosas e benignas de se deixar arrastar. A pessoa que adquiriu essa capacidade sabe que nem sempre é adequado fugir das multidões (...) tal capacidade permite-nos cultivar uma forma proeminente do sagrado disponível na cultura de hoje. A meta-poiesis, como lhe poderíamos chamar, consegue resistir ao niilismo, mediante o reapropriar do fenómeno sagrado da physis, mas cultiva a capacidade para resistir à physis quando esta se apresenta na sua forma fanática e odiosa." (233). Uma boa dose de elitismo fica sempre bem!
"Será que enfrentamos, pois, uma vida de actividade moral aborrecida, mas madura, por um lado, e, por outro, uma vida de actos arriscados, e talvez odiosos, mas dotados de sentido? Não, as apostas são ainda mais altas. O abraço metafísico iluminista do indivíduo autónomo não conduz somente a uma vida aborrecida. Conduz quase inevitavelmente a uma vida impossível." (225).
Estamos perante uma posição que rejeita liminarmente a modernidade e a tecnologia - esta facilita-nos a vida
mas torna-nos mais pobres. Simplesmente já não sabemos nada. Deixamos
essa parte para as máquinas. Como solução, é-nos dado o sentido de comunidade na partilha de algo grandioso. Como guias de auto-ajuda oferecem-nos os clássicos e o desporto contemporâneo. Há muito por onde discordar, mas o facto é que as interpretações dos clássicos oferecidas no livro são muito boas e, tirando alguma presença excessiva da filosofia heideggeriana nas páginas centrais do livro, trata-se de um dos melhores ensaios recentemente publicados entre nós. Acresce ainda que a tradução é muito boa.
(LFB)