terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Zappa (1940-1993) and Havel (1936-2011)

"Em Janeiro de 1990, menos de um mês depois de Václav Havel ter sido eleito presidente da Checoslováquia, mas muito antes de ele e outros democratas estarem seguros no poder; mesmo antes da polícia secreta Comunista passar a estar sob controlo democrático (...), num período em que rumores de golpes Comunistas contra-revolucionários pontuavam todas as conversas telefónicas e num momento em os bravos estudantes que deram início à Revolução de Veludo retornavam, silenciosamente, à conformidade induzida pelo medo; num momento em que os exaustos Praguenses se recusam a assinar mais petições radicais, só no caso de - no sinistro momento dos trémulos primeiros meses  da Revolução do Bloco Oriental, eis que o distinto Frank Zappa visita Praga.
Zappa estava a caminho do parlamento checoslovaco para se encontrar com o Presidente Havel, um fã de longa data de Bongo Fury e outros álbuns. No bolso levava sugestões sinceras - turismo, telefones celulares e uma coisa chamada tecnologia magnetohidrodinâmica - para salvar a Checoslováquia de décadas de estagnação económica. Cinco mil fãs (na estimativa do próprio Zappa) esperavam-no no aeroporto. Repórteres televisivos de Praga aguardavam-no equipados para gravar a histórica chegada. E por mera sorte, os jornalistas dão de caras com outra distinta personagem americana - o embaixador americano dos Estados Unidos, que estava de partida. O embaixador não era nem mais nem menos do que Shirley Temple Black, a princesa infantil e com covinhas dos filmes, que agora estava crescida. Que excitação!  Americanos reais, saídos directamente de Hollywood.  Os repórteres correram para a embaixadora dos Estados Unidos e pediram-lhe que comentasse a iminente chegada do Sr. Frank Zappa.
De um ponto de vista americano, isso era um bizarro - ou, de qualquer modo, um estrangeiro - momento na Revolução do bloco oriental. Nenhum americano, no seu perfeito juízo, sonharia sequer fazer perguntas a Shirley Temple sobre Frank Zappa. Os americanos sabem que os Estados Unidos são um país dividido, em guerra consigo próprio desde meados dos anos sessenta, senão antes, lascado em cultura e contra-cultura, direita e esquerda. À excepção de que persistem, como uma guerrilha que se ulcerou na selva até à segunda ou terceira geração, quem poderá dizer, de facto, que divisões são essas? (...)
A transmissão televisiva da chegada sensacional de Frank Zappa ao aeroporto, no meio da revolução, passou, conjuntamente com imagens sobre o que a embaixadora dos Estados Unidos conseguiu dizer, nessa noite na TV de Praga. Como me foi infinitamente recontado por todos os checos que encontrei nessas revolucionárias e assustadoras semanas, a Sra. Black ficou horrorizada, mesmo humilhada. A cabeça afastada da câmara. A face enfiada nas mãos. Mortificação televisiva! A música do Sr. Zappa aparecia como um sol distante que nunca tinha lançado um raio de luz na praia solitária da Sra. Black. A embaixadora dos Estados Unidos voluntariou-se afirmando que sabia algo sobre a filha do Sr. Zappa: Moon Unit. A Checoslováquia estava consternada. As pessoas não tinham outra forma de classificar o comportamento rude da embaixadora dos Estados Unidos a não ser classificando-o de ignorância cultural, vinda de alguém a quem faltava a autoconfiança para gabar-se, perante toda a Europa Central, de um dos mais finos filhos da América, o brilhante Zappa, uma figura mundial no campo da música popular."


(Paul Berman, A Tale of two Utopias - The political Journey of the generation of 1968, Norton, 1996, pp. 195-197. Tr LFB.)




Sem comentários: