Quem ainda não sentiu os dissabores da política democrática que Salazar expressou quando disse que 'detestava a política do fundo do seu coração; todas aquelas promessas incoerentes e barulhentas, as exigências impossíveis (...) o oportunismo que não se preocupa nem com a verdade nem com a justiça, a busca inglória da fama não merecida, (...) a distorção dos factos, todo aquela fervorosa e barulhenta excitação'?
(Huizinga in The Times, 16 November 1961, citado em Crick, In defense of Politics, Continuum, 5ª ed. 2005)
César tornou-se uma daquelas pessoas perigosas para quem a política é sempre uma coisa desagradável, uma coisa palaciana.
Recentemente, aquando da apresentação e discussão do programa de governo regional - após o novo presidente da Assembleia Regional (F. Coelho) ter dito que afinal se deveria votar o programa, contradizendo aquilo que havia dito na noite anterior onde teimou que, tendo o governo maioria e não havendo moções, o programa não teria de ser votado pela Assembleia -, gerou-se um mal-estar entre partidos da oposição e o partido do Governo Regional. Aqueles - na noite em que não puderam votar contra o novo orçamento - gritaram que era uma injustiça anti-democrática, uma coisa nunca vista, que não podia ser. O surpreendente foi que, no dia seguinte - quando Coelho deu o dito por não dito - estes mesmos indignados votaram contra mas não abriram bico, nem declarações de voto, nem protestos, nada, até hoje silêncio absoluto sobre o assunto. Segundo as notícias, o seu silêncio teria sido trocado pelo adiamento sine die da proposta da maioria para reduzir os custos da Assembleia. As subvenções dos grupos parlamentares seriam reduzidas e, por consequência, haveria menos pessoas a entrar na assembleia. Na rádio (RDP -Açores) ainda houve alguma informação e indignação, nomeadamente de Álvaro Monjardino quando disse que, a ser verdade, 'o pacto de silêncio' era gravíssimo. NA RTP-Açores apenas uma breve referência à mudança de posição de Coelho, mas nada de imagens da votação contra, nada de perguntar à oposição porque estava tão calada. De seguida 10 minutos sobre o Estatuto dos Açores e o Presidente da República (note-se que isto se passou há sensivelmente três semanas e nada de novo tinha acontecido quanto ao Estatuto). César, questionado pela RTP Açores sobre o comportamento de Francisco Coelho, disse que não tinha tempo para "intrigas palacianas."
Ontem, depois de saber que Cavaco Silva promulgara o malogrado Estatuto, César volta a classificar o desentendimento entre partidos e Presidente como "intrigas palacianas".
Para um residente no palácio de Sant'Ana, a sinceridade não poderia ser mais genuína.
(LFB)