Gravações do Trio Fragata no bandcamp

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

«nunca li outro livro que me fizesse lembrar tanto a Bíblia como O Castelo»

"Ao mesmo tempo que Rosenzweig estava a escrever Compreendendo o Doente e o Saudável - Uma visão do Mundo, do Homem e de Deus (Understanding the Sick and the Healthy, na tradução inglesa)", Franz Kafka estava a trabalhar no Castelo. Neste livro um agrimensor, K, recebe uma chamada para trabalhar num castelo; ao chegar à aldeia que é dominada pelo castelo descobre que o castelo lhe é inacessível, que nem mesmo os oficiais de mais baixa patente podem ser contactados e que a sua crença de que foi chamado não pode ser verificada. Os aldeões, que vivem sem colocar questões e estão protegidos por um sentido ingénuo de segurança, olham para K como um estranho: «não precisamos de um agrimensor, os limites das nossas terras estão bem definidos». K permanece isolado quer do castelo quer da aldeia. O seu conhecimento afasta-o das pessoas que nada sabem, mas ele não consegue trazer esse conhecimento para a vida porque a vida real, eterna e significativa está no castelo e inalcançável para o homem que tem saber. A situação trágica do homem resulta do facto de ter comido da árvore do conhecimento e de não ter comido da árvore da vida" (...) Com a expulsão do Paraíso o homem perdeu o seu nome (os heróis de Kafka usam apenas a letra inicial), perderam a linguagem (não há verdadeira comunicação), perderam o seu amor (apenas o sexo permanece); o tempo que poderia ser agora o do homem, não é outra coisa senão eternidade paralizada, distorcida e confusa. Homem (K), Mundo (aldeia) e Deus (castelo) existem, mas as suas existências não estão correlacionadas.
Rosenzweig percebeu que Kafka estava lidar com um problema bíblico genuíno e afirmou: «nunca li outro livro que me fizesse lembrar tanto a Bíblia como O Castelo». Rosenzweig encontra o homem exactamente onde Kafka o deixou. À questão bíblica de Kafka, o escritor existencialista, Rosenzweig, o pensador co-existencialista, fornece a resposta bíblica, pois ele admite a ideia bíblica de revelação (amor). Assim o homem encontra o seu lugar ao lado do seu companheiro, no mundo e perante Deus. Ele fala e falam com ele. É chamado pelo seu nome e nomeia os seres à sua volta. Ultrapassou a sua desconfiança sobre o tempo, aprendeu a esperar (o homem, diz Kafka, foi expulso do paraíso por impaciência) até que «compreende no tempo certo,» até que o tempo se torne um espelho da eternidade."

Nahum Glatzer, introdução ao livro de Franz Rosenzweig, Understanding the Sick and the Healthy - A view of World, Man, and God, (com uma introdução de Hilary Putnam), Harvard U.P.,1999, p.31-32. (tradução livre LFB)


Esta citação/tradução surge do facto de eu, após ter começado a ler o muito recente livro de Putnam, Jewish Philosophy as a Guide to Life: Rosenzweig, Buber, Levinas, Wittgenstein, (Indiana U. P. 2008) do qual espero apresentar aqui algumas notas e traduções, ter pegado de novo no pequeno livro de Rosenzweig que é, entre muitas outras coisas importantes, uma refutação da ideia de que "a filosofia pode fornecer conhecimento das essências" (Putnam, 17).

(LFB)

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