Gravações do Trio Fragata no bandcamp

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

"Resistir muito, obedecer pouco."
(Walt Whitman)


Aproveito que estou em greve (já lá vamos aos motivos) para escrever algumas coisas sobre o estado da educação nos Açores.
Na educação as coisas também estão como César quer.

Desde há vários anos que a política educativa tem sido feita na base do tirar muito com uma mão e, depois do diálogo com os sindicatos (depois da 'luta' como estes gostam de dizer), dar um pouco menos com a outra.

Nas escolas açorianas não há distinção entre professores titulares e professores não titulares, nem há cotas para progressão. E ainda bem, uma vez que tais distinções constituem uma violação do princípio fundamental da igualdade de oportunidades.
Mas tal não significa que por aqui as coisas não estejam mal.
Independentemente do que venha a ser a avaliação nas escolas açorianas, elas estão transformadas (e não é de agora) em espaços de ilusão:

a) a ilusão do sucesso: o que importa é o sucesso (significa passar de ano, quer se saiba quer não, ou mudar de escalão quer se saiba quer não). Mas o sucesso é uma coisa para o Marco Paulo, é uma categoria do espectáculo. Na escola o que importa é saber e agir. E quem não sabe tem que aprender; quer seja aluno quer seja professor;

b) a ilusão da igualdade: somos todos iguais, não há bons nem maus, há é 'dinâmicas' e 'interacção'. E muita ignorância à mistura. O que os professores precisam é de exigir respeito e reconhecimento da sua autoridade educativa. Uma autoridade, por natureza, nunca pode ser igual. Se os professores se afirmassem - não apenas pela via de estarem a ficar mais pobres e sem poder de escapar - mas pela via da autoridade científica; apresentando projectos realizáveis dentro da escola, investigando, melhorando e avaliando as suas práticas, criando espaços internos de discussão, criando, criando, criando uma escola como quem cria uma criança… Acima de tudo mostrando-se capazes de exigir respeito - então poderiam argumentar: alto lá, quem manda aqui somos nós;

c) a ilusão de que qualquer um pode ensinar e os que já ensinam já sabem: ser professor é ser investigador e quem não investiga não pode e, portanto, não deve, ensinar. A investigação faz-se de muitas maneiras; envolve experiência, muita leitura, discussão crítica, escrita e humildade. Nada disto é permitido nas escolas. Não há tempo, dizem. Então o que preciso é mais tempo para se poder ser professor;

d) a ilusão da avaliação: o modelo de avaliação, introduzido à pressa nas escolas, nada avalia. Para além de ter criado num só dia (por artes mágicas a que alguns chamaram 'acção de formação'!) um conjunto de professores avaliadores - pobre ilusão esta de se pensar que qualquer um pode avaliar seriamente qualquer um - baseia-se num "conjunto de evidências" que ou são subjectivas ou são facilmente manipuláveis, ou as duas coisas.Para se avaliar o trabalho de um professor é preciso ter mais conhecimentos (e não só mais experiência), ter feito investigação prolongada no domínio da pedagogia e da didáctica, ter sido avaliado por pessoas com mais sabedoria. Nas escolas há poucas pessoas com este saber, logo a avaliação dos professores não pode ser feita por pares.
A avaliação deveria basear-se em três pilares: i) uma avaliação externa dos professores feita por investigadores doutorados; ii) uma avaliação feita com base naquilo que os alunos realmente sabem ao fim um ciclo - um exame externo aos alunos que permitisse ver o que é que os professores ensinaram ou não ensinaram; e iii) uma avaliação feita com base no trabalho de investigação de cada docente - formação que deveria ser feita no local de trabalho, ao longo do ano escolar e orientada por especialistas, no fim do ano o docente apresentaria à comunidade a sua investigação;

e) a ilusão de que o importante é fazer, sem questionar, aquilo que nos pedem, por muito absurdo que isso seja. Os professores ocupam muito do seu tempo com tarefas burocráticas, repetitivas e, em muitos casos, desnecessárias, só porque sim.
Não, o que realmente importa é garantir a liberdade. Em primeiro lugar, a liberdade do professor enquanto professor: o professor é livre porque sabe. Tem um saber a transmitir, pode decidir o que fazer, como fazer, o que avaliar e deve ser livre no trabalho e na avaliação que faz - livre de politiquices e de pequenos favores, de fazer de conta, de assistir a reuniões entediantes e vazias, livre para recusar tarefas que atentam contra a sua dignidade. Mas a liberdade implica mostrar competência científica, pedagógica e didáctica - são estas as condições essenciais para uma escola séria e para garantir qualidade e independência. Isso consegue-se com estudo e requer manutenção constante e demonstração, demonstração essa que passa pela avaliação objectiva por uma entidade externa, de preferência estrangeira.

Triste país aquele que tem medo de ser livre.

É por tudo isto que hoje faço greve.


(LFB)

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