quarta-feira, 2 de novembro de 2011

terça-feira, 1 de novembro de 2011

A confusão do acordo ortográfico

Quanto a essa confusão e à adopção, ou não, das novas regras de bem escrever (ortografia) cumpre-me, em forma de clarificação da consciência, registar o seguinte: continuarei - pelo menos até 2015, prazo estabelecido pela lei - a escrever como se escrevia bem antes da nova maneira de escrever bem. E é sempre verdade que com o tempo tudo passa; com tempo a todas as mudanças nos adaptamos, até às mais absurdas.
É muito estranho ler - o que mostra que o acordo não é apenas sobre como escrever, mas também, inevitavelmente, sobre como ler - frases como "notável seleção"; "o projeto de relançar" (a primeira leitura que faço é sempre projêto e só depois, ah, projecto com o "e" aberto); "aspeto cultural"; "maldito inseto", etc.
Mais estranho ainda é o facto de haver várias listas de palavras:
i) a lista das palavras que se pode escolher como escrever - pode-se escrever, por exemplo, "acupuntura" ou "acupunctura" "caráter" ou "carácter";
ii) a lista das palavras que não mudam - por exemplo "adepto"; "dúctil",
iii) a lista das palavras que mudam em Portugal mas não no Brasil - "aceção" em Portugal, "acepção" no Brasil;
iv) A lista de palavras que mudam em Portugal e que o Brasil admite: "cético" em Portugal; "céptico" admite-se no Brasil,
v) entretenha-se o leitor fazendo cruzamentos com outros países de língua portuguesa.

Notas:
1) a Fonte das listas é o artigo hipercrítico de Fernando Venâncio, "acordo ortográfico - visita guiada ao reino da falácia", revista Ler, nº105, Setembro de 2011, pp.36-40 e 88-89.
2) Aqui n'O Germe continuarei a escrever como sempre escrevi. As citações serão transcritas tal e qual como o autor as escreveu. Na escola, pelo menos até 2015, escreverei como sempre e aos alunos será dada toda a tolerância que a lei permite.
3) O NÃO que a seguir se lê vem da Iniciativa legislativa de cidadãos (ILC): aqui
Iniciativa Legislativa de Cidadãos contra o Acordo Ortográfico. Leia, assine e divulgue!







(LFB)


Dulce Maria Cardoso

"(...) Só damos valor ao que não temos?
Ou isso ou uma coisa mais grave que é procurar fontes de infelicidade. Talvez tenhamos alguma vocação para isso. Se estivermos muito bem com o presente, não há mais nada a acrescentar. Na verdade, o bem-estar - e depois podemos falar da felicidade e de outros conceitos - é quase o antipensamento, e também quase a antivida. Tinha uma ideia mitificada da metrópole porque havia de tudo e era tudo melhor na metrópole. Coisas absurdas. Nós tínhamos as férias da escola de acordo com as da metrópole. Portanto, lá no tempo da cacimbo - com o tempo mais fresco - estávamos em casa, e no tempo quente estávamos nas aulas. Era tudo muito absurdo. Havia pessoas com alcatifa em casa, com lareira. Continuavam a fazer feijoadas, as pessoas ficavam todas encarnadas. Imitávamos a metrópole mas também tínhamos a sensação de que éramos portugueses de segunda.
(...)
Os retornados eram pessoas com mais espírito de iniciativa?
Não era tanto a iniciativa, pelos casos que depois fui conhecendo. Era mais o desespero, a fome. A fome desinquieta e desassossega muito.
A fome é uma força motriz?
Exatamente. Mais do que qualquer outra ideia. Depois temos a mania de romantizar. «Ah, a aventura.» Não é nada disso. São mesmo filhos para alimentar. Quando viemos para cá, é claro que a vida correu bem às pessoas que lá pertenciam aos serviços do Estado. Mas essa realidade não a conheço bem porque foram as pessoas que não ficaram nos hotéis. Para os retornados que conheço, de que posso falar e que foram os mais injustiçados, não foi assim. Os bem-sucedidos seriam bem-sucedidos em qualquer parte do mundo porque eram pessoas muito fortes e capazes. A maior parte não foi muito bem-sucedida, só que dos fracos não reza a história.
(...)
Vê-se mais como testemunha ou como interveniente, enquanto escritora?
Testemunha. Não gosto muito de ser protagonista.
Quando usei a expressão «interveniente» era no sentido de ser alguém que com essa proposta de reflexão pretende mexer de alguma forma no que a rodeia.
Não no sentido de o mudar. Quer dizer, vai-se mudando sempre. Cada ato nosso muda qualquer coisa. Acho, basicamente, que a história da civilização é a história da luta entre o bem e o mal. É a coisa maior que nos distingue. E depois temos este problema grave: o bem é antipensamento. Ou seja, não é dramático, não se consegue fazer o raio de uma ficção só com o bem porque é altamente monótono. Portanto, o mal aparece-nos com a sedução toda e aquilo é fantástico. Toda a nossa organização social são milénios a tentar proteger-nos do mal. O «não matarás», «não roubarás» e essas coisas todas são apenas uma maneira de vivermos em conjunto protegidos do mal que sabemos que há em nós. É aquela velha frase de S. Paulo: «Perdoa-me por não fazer o bem que quero mas o mal que não quero.» Por isso, é interessante pensar que se retirássemos o mal do mundo não tínhamos nada. Não tínhamos arte, romances, não tínhamos civilização sequer, como a concebemos.
Isso justifica um elogio do mal, quanto mais não seja pela necessidade cultural que temos dele.
Sim, não podemos prescindir dele. Eu, uma otimista, acho que haverá um dia em que poderemos prescindir dele, das suas formas mais puras pelo menos.
(...)
Há aqui uma homenagem e há também isto: o império, que teve cinco séculos, ruiu. Foi assustador ver o bicho em movimento. Aquela velha máxima que diz que nada se ganha, nada se perde, tudo se transforma, e que gostamos tanto de aplicar à matéria, nas coisas afetivas e sociais não funciona. Perdem-se coisas e ganham-se coisas.
(...)
Correu mal porque era já tarde demais, e depois porque não houve vontade política para que corresse melhor.
Não houve vontade política por parte dos protagonistas políticos da altura?
Exatamente. E quando digo isto nem falo dos colonos brancos. Estou a falar dos que ficaram. Deixámos um país já em guerra entre os movimentos de libertação. Nós, Estado português, favorecemos uma parte. Demos a independência a um. Que ainda lá está. Aquilo foi tão bem dado que nunca mais saiu de lá. Ao menos deixámos uma coisa duradoura. Agora, consigo perceber o racismo que havia lá e muitos negam. Mas só me interessa pensar nestas coisas fazendo uma ponte com o presente. É relativamente fácil prendermo-nos àquilo que já não podemos mudar e criticar, culpar, quando neste momento estão a acontecer coisas muito semelhantes, embora não da mesma magnitude. Embora se possa dizer que a morte de um homem é tão trágica como a morte de cem milhões. Pode dizer-se que isto é uma versão lírica. Estamos viciados numa questão de escala. Neste momento Portugal passa por uma situação muito semelhante.
Está a falar de impor sacrifícios a um grupo social em nome de uma mudança histórica qualquer?
Sim. Em nome de um objectivo. Não pode ser. Cada um de nós vale a mesma coisa. Nós não somos peças de uma engrenagem em que uns vão para carne picada para salvar os outros. Não se pode dizer que há democracia enquanto existir sequer esse conceito ou essa possibilidade. Vamos ter um cartão de pobre, não é?
É o tipo de assistencialismo que lhe faz recordar o assistencialismo do IARN?
Sim. Era terrível. Havia retornados que preferiam ter fome a apresentarem-se com o cartão.
Isso é muito sensível, no seu romance, sobretudo na questão das roupas.
Sim. Havia aquela coisa de que os pobres não têm de ter gosto, não têm de parecer bem, precisam é de estar tapados. A pessoa em situação de pobreza fica sem necessidade alguma: de poder escolher o que come, de poder vestir-se. Continuamos a fazer o mesmo.
(...)
Voltou a Angola?
Não. E não penso voltar.
É uma recusa?
É, por várias razões. Já pareço aqueles políticos que têm sempre várias razões. Por um lado, acho perigoso mexer numa série de memórias.
Perigoso para a sua saúde pessoal?
Sim. Não sei como reagiria. Em termos pessoais não me interessam picos de emoção. Canalizo tudo para o que escrevo e depois gosto de uma coisa mais apaziguada. Mas é também porque o regime de Angola não é um regime aconselhável. Custa-me - para dizer o mínimo - perceber que Angola se tornou uma oportunidade de dinheiro e que toda a gente esteja contente porque vem para cá dinheiro angolano. Aquele dinheiro é criminoso. Temos de ter consciência disso. Não é uma sorte eles estarem a investir em Portugal, é uma vergonha. Isto tem de ser dito. Só pobres sem qualquer dignidade - como nos tornámos - podem achar isto bem. O Presidente de Angola está sempre nas listas dos homens mais corruptos do mundo. E nós fazemos negócios com ele e dizemos que é uma sorte? Mas em que raio de povo nos tornámos? Nós não somos isto. Os portugueses não são isto, o que é outra coisa.
(...)"

Entrevista de Carlos Vaz Marques a Dulce Maria Cardoso, revista Ler, número 106, Outubro 2011, pp. 29-32.

RUY BELO (1933-1978)

ALGUMAS PROPOSIÇÕES COM CRIANÇAS

A criança está completamente imersa na infância
a criança não sabe que há-de fazer da infância
a criança coincide com a infância
a criança deixa-se invadir pela infância como pelo sono
deixa cair a cabeça e voga na infância
a criança mergulha na infância como no mar
a infância é o elemento da criança como a água
é o elemento próprio do peixe
a criança não sabe que pertence à terra
a sabedoria da criança é não saber que morre
a criança morre na adolescência
Se foste criança diz-me a cor do teu país
Eu te digo que o meu era da cor do bibe
e tinha o tamanho de um pau de giz
Naquele tempo tudo acontecia pela primeira vez
Ainda hoje trago os cheiros no nariz
Senhor que a minha vida seja permitir a infância
embora nunca mais eu saiba como ela se diz

Ruy  Belo, Homem de Palavra(s) (1970).

sábado, 29 de outubro de 2011

terça-feira, 25 de outubro de 2011

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Novilíngua (2)

Secretário de Estado da Solidariedade Social ao Público:
"Por esse motivo, acrescentou, 'a sociedade portuguesa, através destas instituições, dos voluntários profissionais do sector e dos portugueses com a sua generosidade, são os parceiros' com que o Estado conta para que 'em conjunto' possam 'ultrapassar os obstáculos sociais que existem pela frente'.'" 


[Artigo 3º] A qualidade de voluntário não pode, de qualquer forma, decorrer de relação de trabalho subordinado ou autónomo (...).
[Artigo 6º] O princípio da complementaridade pressupõe que o voluntário não deve substituir os recursos humanos considerados necessários à prossecução das actividades das organizações promotoras, estatutariamente definidas. 

quinta-feira, 20 de outubro de 2011


Termos & Condições

                           (DO)

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Prioridades

I.

II.
"Cerca de 43 milhões de pessoas estão em risco de carência alimentar na Europa e não têm meios para pagar uma refeição completa e 79 milhões vivem abaixo do limiar de pobreza, indicam dados do Programa Europeu de Apoio Alimentar. As instituições em Portugal temem os efeitos dos cortes que o programa vai sofrer. (...) Os alimentos distribuídos pela Segurança Social às instituições vêm deste programa europeu que, em 2012, terá um orçamento para Portugal de 4,5 milhões de euros, menos 15,5 milhões que em 2011." (daqui)

III.
"(...) atribuição do prémio de 100 mil euros por jogador se Portugal ganhar 'a essa potência do futebol que é a Bósnia Herzegovina (...)'." (daqui)


De acordo com os melhores especialistas, o Sol não deixará de nascer amanhã.
(DO)

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Os filósofos e o nazismo (4)

"Ainda que não seja mencionado, Johann Gottlieb Fichte era, de facto, o pensador mais próximo de Hitler e do nacional-socialismo, tanto em termos de tom, como em termos de espírito e de brio. Ao contrário de Schopenhauer, homem dado à interioridade e herdeiro da tradição livresca, ou do débil e prostrado Nietzsche, Fichte era impertinente e desafiador. Em 1808, e numa Berlim ocupada pelas tropas francesas, Fichte apelou à sublevação dos Alemães contra a opressão estrangeira nos seus memoráveis Discursos à Nação Alemã. Na véspera da batalha decisiva contra Napoleão, em Leipzig, Fichte apareceu a liderar os seus alunos, armado e pronto a lutar. Consta que era um orador hipnótico, capaz de deixar as audiências "presas" às suas palavras. "À acção! À acção! À acção!", terá ele apelado um dia- "Que é por isso que estamos aqui."
Tal como Fichte, Hitler apelava ao "derrube da elite política" através da sublevação popular. Fichte falava em termos de uma Volkskrieg, ou guerra do povo. E, tal como Fichte, Hitler ambicionava a unificação da dividida nação germânica. Ao pôr em causa o diálogo político próprio da democracia parlamentar e ao apelar ao diálogo directo com o povo germânico, Hitler assumia uma posição próxima da retórica fichtiana e evocava os Discursos à Nação Alemã.
Mais pródigo de consequências, Fichte foi um dos obreiros da ideia da excepcionalidade alemã. Defendia que os Alemães eram únicos entre os povos da Europa. O seu idioma não tinha origem no latim mas sim numa distinta língua teutónica. E os Alemães não só falavam de uma forma distinta dos demais europeus, como pensavam, acreditavam e agiam de modo também distinto. Fichte defendia que só uma língua alemã purificada, não corrompida nem pelo francês nem por quaisquer outros estrangeirismos, poderia dar expressão pela a um pensamento germânico puro. Todos os esforços desenvolvidos pelas diferentes organizações nazis para expurgarem a língua alemã dos elementos que lhe eram estranhos assentavam neste preceito fichtiano, que Hitler consubstanciava sempre que se punha a divagar em torno da palavra Führer. "O título de Führer é de entre todos o mais belo, porque emerge directamente do nosso próprio idioma", chegou a afirmar, fazendo notar com satisfação que apenas a nação alemã se podia expressar em termos de "meu Führer."
Fichte era também decididamente um anti-semita. ele acreditava que os judeus seriam um "Estado dentro do Estado" e, como tal, tinha-os como uma ameaça permanente à unificação alemã. Propunha que a Europa se livrasse dessa ameaça através de um Estado judeu na Palestina. Ou, em alternativa: "Cortando-lhes as cabeças numa noite e colocando-lhes sobre os ombros outras novas, que não deveriam conter uma única ideia judaica."

(Ryback, Timothy, A Biblioteca privada de Hitler - Os livros que moldaram a sua vida, (tr. I.L.S.) Civilização editora, 2011, pp.133-134)

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Hoje de manhã, na rádio, uma desconhecida deputada pelos Açores à Assembleia da República afirmava que todos os açorianos anseiam pela continuidade do modelo actual de programação da RTP Açores.
Eu, sendo açoriano, venho afirmar que não só não anseio pelo continuidade da RTPA como me parece que nenhum governo deveria ter qualquer poder sobre as televisões; o que equivale a dizer que a televisão deveria ser privatizada. Não é isso que está para acontecer, mas sim a redução para quatro horas de programação realizada nos Açores, o que é mais do que suficiente.
O grande problema para os políticos açorianos não é, como agora apregoam, o governo "lá de fora" estar a pôr em causa o valor imprescindível da RTPA para a prestação do serviço público dos meios de comunicação. Se assim fosse, seria natural vê-los também procurar saber qual o nível de audiências da RTPA. E assim esclarecer as pessoas sobre o valor real desse dito serviço público. Mas ninguém quer saber do nível de audiências da RTPA, e isso talvez se deva ao facto de  ninguém ver a RTPA - a não ser a população mais isolada, mais pobre e mais envelhecida e, por isso, mais facilmente influenciável que, desejando saber qual o tempo que irá fazer amanhã, acaba por ver as últimas inaugurações e as últimas ideias brilhantes dos cesarianos sempre com umas cores a dançar em pano de fundo.
O grande problema é que um dos mais eficazes instrumentos de controlo político deixará de estar disponível para os governantes exercerem a sua manipulação. Sobre isto basta ver o tratamento indigno que foi dado, por parte dos governantes açorianos e por parte dos jornais locais, aos representantes da Entidade reguladora para a comunicação Social quando, ainda há bem pouco tempo, cá estiveram a dizer que havia intromissões políticas no tratamento dos noticiários televisivos.
Até hoje a RTPA tem servido para veicular as mensagens do partido no governo e para mascarar os problemas da sociedade. Veja-se como ex-funcionários da RTPA foram parar a assessores do governo. Tem servido para - com a desculpa do serviço público e do valor cultura açoriana para os próprios açorianos - passar muito dinheiro para o bolso de poucos, alguns deles reformados da própria RTPA. Agora que o dinheiro está a acabar, uns dirão que já não querem mais, que é tempo de dar lugar aos mais novos. Outros, clamarão pelas virtudes da TV pública. Por mim, podem reduzir já a emissão que ninguém dará por isso.

(LFB)

segunda-feira, 10 de outubro de 2011