Gravações do Trio Fragata no bandcamp

quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

Love and Love Affairs

"In the 1920s, while I was living at the Residencia, there was a strange suicide in Madrid that fascinated me for years. In the neighborhood of Amaniel, a student and his young fiancée killed themselves in a restaurant garden. They were know to be passionately in love; their families were on excellent terms with each other; and when an autopsy was performed on the girl, she was found to be a virgin.
On the surface, then, there seem to be no obstacles; in fact, the "Amaniel lovers" were making wedding plans at the time of their deaths. So why the double suicide? I still don't have the answer, except that perhaps a truly passionate love, a sublime love that's reached a certain peak of intensity, is simple incompatible with life itself. Perhaps it's too great, too powerful. Perhaps it can exist only in death.
As a child, I felt intense love, divorced from any sexual attraction, for both boys and girls. As Lorca used to say, "Mi alma niña e niño" - I have an androgynous soul. These were purely platonic feelings; I loved as a fervent monk would love the Virgin Mary. The mere idea of thouching a woman's sex or breasts, or that I might feel her tongue against mine, repelled me.
These platonic affairs lasted until my baptism in the tradicional Saragossa brothel, but these platonic feelings never gave way interely to sexual desire. I've fallen in love with women many times, but maintained perfectly chaste relationships with them. On the other hand, from the age of fourteen until the last few years, my sexual desire remained powerful, stronger than hunger, and usually far more difficult to satisfy. No sooner would I sit down in a railway carriage, for example, than erotic images filled my mind. All I could do was succumb, only to find them still there, and sometimes even stronger, afterwards."
             Buñuel, My Last Sigh, the Autobiography of Luis Buñuel, Vintage, 2013, pp.146-147.              

The Phantom of Liberty


quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

Emily Dickinson, Will there really be a «Morning»?

Will there really be a «Morning»?
Is there such a thing as «Day»?
Could I see it from the mountains
If I were as tall as they?

Has it feet like Water lilies?
Has it feathers like a Bird?
Is it brought from famous countries?
Of which I have never heard?

Oh some Scholar! Oh some Sailor!
Oh some Wise Man from the skies!
Please to tell a little Pilgrim
Where the place called «Morning» lies!

                
                  *

Será que a manhã virá?
Que há isso chamado Dia?
Se fosse alta como elas,
Das montanhas vê-lo-ia?

Terá pé como os Nenúfares?
E penas de Passarinho?
Virá de célebres terras
Que o nome não adivinho?

Que um Mestre, que um Marinheiro,
Um Sábio que os astros leia,
Diga a um pobre Peregrino,
Onde a manhã se recreia!

            80 Poemas de Emily Dickinson, (Tradução e apresentação de Jorge de Sena), Ediçoes 70, 1978 pp. 194-5.              

Bob Dylan, One More Cup of Coffee


terça-feira, 23 de dezembro de 2014

Rembrandt, Bathsheba with King David Letter & Hendrickje Bathing


Por sugestão de Pedro Citati, Israel e o Islão - as Centelhas de Deus, Livros Cotovia, 2005, p. 232, onde se pode ler:
"Hannah Arendt e Heinrich Blücher percorriam, frequentemente, as ruazinhas que atravessam a place Saint-Sulpice e o Sena e iam até ao Louvre. Admiravam um quadro de Rembrandt: Betsabé com a carta de David. Blücher não tinha lido a Bíblia, ou tinha-a esquecido. Não se lembrava de que o rapidíssimo olhar e a carta de David à sua súbdita tinham arrastado consigo as mais tremendas desgraças de Israel - a morte de Uriah, marido de Betsabé, em combate, a maldição de Javé e do profeta de Javé, a morte do filho de David, a violência contra Tamar, irmã de Absalão, cometida por Amom, o assassínio deste, às mãos de Absalão, o pranto de David no monte das Oliveiras, Absalão que viola a cuncubina do pai, a derrota de Absalão na batalha, a sua morte, com os cabelos emaranhados na enorme árvore de terebinto, o seu corpo atirado para uma cova na floresta, o lamento de David: "Meu filho! Absalão, meu filho! Filho meu, Absalão! Tivesse eu morrido em teu lugar, Absalão meu filho." Não sabia quantas maldições e catástrofes tinha causado o breve e rápido coito entre David e a mulher que Blücher julgava ser Frau Rembrandt. No quadro, ele admirou apenas o corpo de Betsabé, nu, sensual, que os anos mal tinham desgastado; imaginou o seu banho de Vénus, a sua arte de amante, de deusa, de esposa fiel, de prostituta sagrada. Pensou que Betsabé era Hannah e David era ele - "o homem da luta e do sofrimento, o revolucionário" que combatia o nazismo." (p.232).

e de Michael taylor, Rembrandt's Nose - Of Flesh & Spirit in the Master's Portraits, d.a.p., 2007, p.116, onde se pode ler:

 "Given the context - Protestant Amsterdam in the mid-seventeeth century - it was a provocative work (...). Yet although it depicts a pretty young woman who has became an object of lust, and moreover depicts her with a sensuousness that would move a stone (it his hard to imagine a detail more physical than the red ribbon touching her breast or the contrast between her white thighs and the tawny shadow on her left leg), its eroticism is tragic. For the subject of the painting is Bathsheba being prepared for King David's bed. The old woman washing Bathsheba's feet is a familiar figure in seventeenth-century painting: the wrinkled procuress who acts simultaneously as a broker for a lustful transaction and as a reminder of how time ravages flesh (you might say that she sets the price on flesh and undercuts it at the same time). In Bathsheba's hand is the summons to the royal palace the crone has delivered to her, and it is not a summons she can refuse. The minute King David spied her naked as she was bathing, her body ceased to belong to her (and still less to her husband); the royal "invitation" is merely a confirmation of this. As if to underscore the notion that desire at its rawest is already a kind of possession. Rembrandt´s painting collapses together two separate episodes of the Bathsheba drama: the arousal of King David's lust and the transformation of Bathsheba into his concubine-to-be. What is more, unlike most of Rembrandt's unclothed female figures,which are simply ungainly, this nude and the related Hendrickje Bathing in London are, for all their stockiness, deeply appealing."

Estados de espírito


AMOR DA VIRTUDE

  "A cotovia é uma ave da qual se diz que, sendo levada à presença de um enfermo, se o dito enfermo deve morrer esta ave volta a cabeça para o lado contrário e nunca o olha; e se esse enfermo deve salvar-se, a ave nunca o abandona de vista, o que aliás é causa de lhe passar toda a doença.
   Analogamente, o amor da virtude não olha nunca coisa vil nem triste, e em contrapartida fixa-se sempre em coisas honestas e virtuosas, retorna sempre ao coração gentil, à semelhança dos pássaros nas verdes selvas por cima dos floridos ramos; isto demonstra mais o amor na adversidade do que na prosperidade, fazendo como a luz, que mais resplandece onde encontra mais tenebroso sítio."
                     Leonardo da Vinci, Bestiário, Fábulas e Outros Escritos, Assírio e Alvim, p. 15.                  

quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

o mundo dos meus olhos

Não fora a tinta para o cabelo, e o mundo seria muito diferente!

quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

"há tanto tempo que precisamos de um demónio"


"... tudo o que é possível produz-se, e só é possível o que se produz, diz K., o grande, o triste, o sábio, que já sabia rigorosamente, ao observar as vidas particulares, o que aí vinha, quando loucos  criminosos olhassem racionalmente para o mundo, e se, por seu lado, o mundo os olhasse racionalmente, isto é, que ele lhes obedeceria. E não digam, pude dizer, provavelmente, que esta explicação não passa de uma explicação tautológica dos factos pelos factos, porque sim, é uma explicação, mesmo se, sei, vos é difícil aceitar que vulgares malfeitores nos governem, difícil, ainda, se os tratais como vulgares malfeitores e sabeis que o são, e, todavia, a a partir do momento em que um louco criminoso acomete qualquer coisa, não num asilo de doidos ou num estabelecimento prisional, mas numa chancelaria ou num qualquer quartel-general, já vos preocupais em sondar nele o que tem de interessante, a originalidade, o extraordinário, não vos arriscais a dizê-lo, mas, no fundo, é isso: procurais a grandeza para não vos sentirdes tão pequenos, para não verdes tão absurda a vossa história universal, pude dizer, provavelmente, sim, para se poder continuar a lançar um olhar racional sobre o mundo e que o mundo lance também sobre vós um olhar racional. E é perfeitamente compreensível, mais, perfeitamente respeitável, que a vossa diligência não seja ««científica», nem «objectiva», como gostaríeis de acreditar, mas não: é puro lirismo de moralista, na medida em que se deseja restabelecer uma ordem do mundo racional, isto é, que se possa viver, e, por estas pequenas e grandes portas, os proscritos do mundo insinuam-se, de novo, no mundo, pelo menos aqueles que o desejam e que acreditam que o mundo será, de futuro, um lugar construído pelos homens, mas isso é outra história, pude dizer, provavelmente, mas o problema é que é assim que nascem as lendas, esse género de obras líricas «objectivas», esse género de romances «negros» científicos que nos ensinam, por exemplo, que esses grandes homens tinham um sentido táctico excepcional, não é?, como se todos os paranóicos e todos os maníacos não induzissem em erro e não semeassem a dúvida no espírito de quem os rodeia e dos seus médicos com o seu sentido táctico excepcional, e, depois, que a situação social era assim, que a política internacional era assado, que a filosofia, a música e outras larachas artísticas corromperam a maneira de pensar das pessoas, mas, sobretudo, e bem vistas as coisas, o grande homem, diga-se claramente o que é, era um grande homem, havia nele qualquer coisa de sedutor, de cativante, para sermos breves e concisos: qualquer coisa de demoníaco, aí está, um traço demoníaco ao qual não se pode, iniludivelmente, resistir, e mais, não se lhe quer resistir, porque nós vamos à procura, justamente, de um demónio, há tanto tempo que precisamos de um demónio para os nossos negócios sujos, para satisfazer os nossos desejos sujos, mas um demónio, que levaria às costas tudo o que há de demoníaco em nós, como um Anticristo a Cruz de ferro, e que não nos deslizaria descaradamente entre as garras para se enforcar prematuramente, como Stavroguine. Sim, divinizais aqueles que considerais uns loucos criminosos vulgares, mal açabarcam o ceptro e o globo, divinizai-los mesmo amaldiçoando-os, enumerais as circunstâncias objectivas, dizeis em que é que eles tinham objectivamente razão em que é que, pelo contrário, não tinham subjectivamente razão, o que se pode compreender objectivamente, e não se pode compreender subjectivamente, que intrigas aconteciam nos bastidores, que interesses entravam em jogo, e sois incansáveis em explicações, somente para salvar as vossas almas e tudo o que se possa salvar, para ver a uma luz grandiosa e teatral dos acontecimentos mundiais o banditismo vulgar, o crime e a exploração, em que todos participamos ou participámos, de uma maneira ou de outra, pude dizer, provavelmente todos os que estamos aqui, sim, para recuperar farrapos do grande naufrágio no qual tudo se quebrou, sim, só para não ver os séculos que por todo o lado pasmam à vossa volta, à vossa frente, atrás, por baixo, o nada, o vazio, isto é, a nossa situação real, para não ver que servis, e a natureza do poder, a natureza particular de cada poder particular, o qual poder não é necessário nem supérfluo, mas somente uma decisão, uma decisão tomada, ou não, nas vidas particulares, que nem é diabólico, nem sofisticado, e não tem essa grande e subtil classe do fascínio, não, é simplesmente vulgar, ignóbil, criminoso, estúpido e hipócrita, e, inclusive no momento das suas maiores realizações, limita-se a ser organizado, pude dizer, provavelmente, sim, fundamentalmente, nada sério, porque, depois que as oficinas da morte abriram aqui e ali, e em tantos lugares, desde então, acabou, e há já um bom pedaço de tempo que não se pode levar seriamente nada a sério, pelo menos no que respeita à imagem do poder, de não importa que poder. E deixai, enfim, de repetir, pude dizer, provavelmente, que Auschwitz não se explica, que Auschwitz é fruto de forças irracionais, inconcebíveis para a razão, porque o mal tem sempre uma explicação racional, pode bem acontecer que Satã em pessoa, tal como Iago, seja irracional, mas as suas criaturas, sim, são seres perfeitamente racionais, podemos deduzir todos os seus actos, qual uma fórmula matemática, podem-se explicar por qualquer coisa, pelo interesse, cupidez, preguiça, vontade de poder, concupiscência, cobardia, esta ou aquelas satisfação dos instintos, ou, em última instância, em desespero de causa, uma qualquer loucura - paranóia, mania depressiva, piromania, sadismo, masoquismo, megalomania demiúrgica ou de outra espécie, necrofilia, que sei eu, por numerosas perversões, e talvez todas de uma só vez; em contrapartida, pude dizer, provavelmente, agora, ouvi-me bem, o que é realmente irracional e não tem verdadeiramente explicação, não é o mal, pelo contrário, é o bem."


Imre Kertész, Kaddish para uma criança que não vai nascer, (tr. E. R.), Presença, 2004, pp. 37 a 40.