sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Europe was depressed

"E quando os nazis perderam a guerra, os países vencedores organizaram um tribunal internacional e os advogados ponderaram sobre a designação a dar à solução final da questão Judaica e aos vários planos para a exterminação dos Ciganos, Eslavos, etc., e inventaram o termo genocídio. Os historiadores concluíram que, no século vinte, ocorreram cerca de sessenta genocídios, mas nem todos entraram na memória histórica. Os historiadores afirmaram que a memória histórica não era parte da história e que a memória tinha sido transferida da esfera histórica para a esfera psicológica, e isto instituiu um novo modo de memória onde a questão já não era a memória dos acontecimentos mas sim a memória da memória. E a psicologização da memória fez surgir nas pessoas um sentimento de que tinham, de algum modo, uma dívida para com o passado, mas o quê ou a quem não era óbvio. A solução final da questão Judaica foi mais tarde designada de Holocausto ou shoa, porque os judeus afirmaram que não era exactamente genocídio, mas algo que ia além do genocídio, algo que ia além da compreensão humana, e afirmaram que era algo especificamente judeu, e muitas pessoas sentiram que os judeus se estavam a apropriar do genocídio e afirmaram que as vítimas de qualquer genocídio percepcionam a sua experiência como algo que vai além da compreensão humana, e que os judeus estavam a confundir a realidade histórica com a sua representação e logo paradoxalmente ajudaram a garantir a imagem que a maioria das pessoas tem do holocausto ao vê-lo como uma cena dramática retirada de um filme. E alguns rabbis afirmaram que os judeus não tinham morrido nos campos de concentração por acidente ou erro, mas que se tratava da reincarnação das almas que tinham pecado noutras vidas, porque apenas algumas almas permaneceram tementes a Deus e imaculados durante a sua vida na terra. E os historiadores afirmaram que a sociedade Ocidental tinha mudado de uma compreensão tradicional da história como um contínuo de memória para um conceito de memória que é projectado numa descontinuidade histórica. E ainda outros rabbis afirmaram que Deus durante o Holocausto se tinha retirado de cena, mas não era um castigo, como tal, mas sim o retorno da terra ao seu estado original, antes de Deus ter imposto ordem e quando havia trevas sobre a face do abismo. E uma jovem mulher judia sobreviveu à guerra porque na estação do caminho de ferro do campo de concentração de Struthof tocou, no violino, uma ária de Merry Widow. E os historiadores afirmaram que a idade da identidade tinha finalmente chegado ao fim, porque a historiografia tinha entrado na era epistemológica. (32)

Os sexólogos afirmaram que a Barbie foi a primeira ferramenta que serviu para inculcar uma identidade feminina nas meninas, e o seu sucesso provou existência da sexualidade infantil. Depois de se descobrir que as meninas gostariam de ter um filho do seu pai, a sexualidade infantil gerou muita discussão... (46)

E nos anos setenta o número de pessoas com depressão aumentou e no fim do século um em cada cinco europeus estava deprimido. Os sociólogos afirmaram que a neurose e a depressão espelhava a transformação cultural, no século vinte, da sociedade Ocidental. E a neurose espelhava uma sociedade dominada pela disciplina e pela hierarquia e pelos tabus sociais e que era uma expressão patológica do sentido  de culpa. (65)

Depois da guerra, nas cidades os cavalos tornaram-se escassos e o exército e a maioria dos estábulos das cidades fecharam ou foram reconstruídos como jardins de infância porque a arquitectura dos estábulos adequava-se às necessidades dos jardins de infância. (72)

E os médicos americanos recomendavam que as pessoas, para manterem a forma, respirassem ar fresco e praticassem desportos e andassem de bicicleta. A sugestão de andar de bicicleta destinava-se sobretudo aos homens americanos pois a bicicleta era de algum modo inadequada para as mulheres, e os médicos afirmaram que, para uma mulher, uma bicicleta era sobretudo um parceiro sexual e que o esfreganço do celim contra os lábios e o clitóris excitava as mulheres e incitava-as a práticas sexuais perversas. Como forma de prevenção desses comportamentos concebeu-se um celim especial com um furo no meio, mas era bastante desconfortável." (95)

 Patrick Ouředník, Europeana - a Brief History of the Twentieth century, Dalkey Archive Press, 2005. (Tr. dos excertos de LFB)


Um livro que consiste numa visão do século XX lançada no papel como uma catadupa de frases conjuntivas, sem capítulos e sem nenhum tipo de discussão deixa algo a desejar do ponto de vista do rigor e da verdade (nenhuma fonte bibliográfica é apresentada). Mas como exercício literário (talvez seja por isso que o livro está inserido na colecção de literatura oriental europeia) e como apresentação de opiniões e de factos, em 122 páginas, do avassalador século XX não está nada mal. Acrescente-se o humor e a ironia de algumas descrições e tem-se uma visão descontraída desse tempo. E a tradução do checo para o inglês foi premiada!

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