Gravações do Trio Fragata no bandcamp

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

10 anos passados sobre o 11 de Setembro - textos essenciais (2)

"A bordo de um paquete que largara de Alexandria, Egipto, rumo a Nova Iorque, num camarote de primeira classe, Sayyid Qutb, um escritor e pedagogo franzino, de meia-idade, vivia uma crise de fé. ‹‹Quando estiver nos Estados Unidos, deverei limitar-me a comer e a dormir, como os outros bolsistas? Ou será que devo procurar ser especial?» eram questões que punha a si próprio. «Devo permanecer fiel às minhas crenças islâmicas e resistir às muitas tentações pecaminosas, ou devo ceder às inúmeras tentações que me rodeiam?» Estava-se em Novembro e 1948. O vulto do Novo Mundo, triunfante, rico e livre, erguia-se ameaçador no horizonte. Deixava para trás de si o Egipto desfeito em farrapos e lágrimas. O viajante nunca estivera ausente do seu país natal. A saída também não fora iniciativa sua.
Sayyid era um solteirão de ar severo, de cabelos e olhos escuros, franzino e baixo, com uma testa alta e inclinada para trás e um bigode espetado e farfalhudo, um tanto mais estreito que o seu nariz. Os olhos denunciavam uma natureza autoritária e facilmente propensa à arrogância. (...)
Sob muitos aspectos, era um ocidental - na forma de vestir, no gosto pela música clássica e pelos filmes de Hollywood. Tinha lido traduções das obras de Darwin e de Einstein, de Byron e de Shelley; mergulhara na literatura francesa - Victor Hugo, em especial. Contudo, e ainda antes de partir nesta viagem, manifestava já alguma preocupação relativamente ao assédio da civilização ocidental a todos os níveis. Apesar da sua erudição, via o Ocidente como uma entidade cultural única. As diferenças entre capitalismo e marxismo, cristianismo e judaísmo, fascismo e democracia eram insignificantes perante a única grande fronteira que existia no pensamento de Qutb: o islão e o Oriente, de um lado, e o Ocidente cristão do outro.
No entanto, os EUA apareciam isolados das aventuras colonialistas que pautaram as relações da Europa com o mundo Árabe. (...) Qutb (cujo nome se pronuncia kâ-teb), à semelhança de muitos árabes, sentiu-se chocado e traído com o apoio dado pelo Governo dos EUA, no pós-guerra, à causa sionista. No momento em que Qutb zarpava do porto de Alexandria, o Egipto, em conjunto com os exércitos de cinco outros países árabes, encontrava-se na fase final da derrota na guerra que levou à criação de Israel como Estado judaico no seio do mundo árabe. Os árabes ficaram estupefactos não apenas com a determinação e a perícia dos soldados israelitas, mas também com a incompetência das suas próprias tropas e com as decisões desastrosas dos seus líderes. A vergonha que se seguiu a essa experiência iria moldar o universo intelectual árabe de uma forma mais profunda do que qualquer outro acontecimento na história contemporânea. « Sinto ódio e desprezo por esses ocidentais!», escreveu Qutb na sequência do apoio dado pelo presidente Harry Truman à transferência de 100 000 refugiados judeus para a Palestina. «Por todos eles, sem excepção: ingleses, franceses, holandeses e, por fim, os americanos, em quem tantos confiaram.» 
(pp.19 -21)

Quando MCKillop chegou ao Ground Zero, ficou chocado com a montanha imensa de escombros que ainda ardia. As equipas de salvamento escavavam dia e noite, esperando encontrar sobreviventes, mas aquele cenário retirara qualquer esperança a MCKillop. (...)
De certa forma, os mortos do Trade Center formavam uma espécie de parlamento universal, representando 62 países e quase todos os grupos étnicos e religiões do mundo - um corrector de bolsa ex-hippie, o capelão católico homossexual do quartel dos bombeiros da cidade de Nova Iorque, um jogador de hóquei japonês, um chefe de cozinha equatoriano, uma coleccionadora de bonecas Barbie, um calígrafo vegetariano, um contabilista palestiniano... A diversidade de formas em que esta pessoas assumiram a sua ligação à vida dava testemunho da exortação do Corão, que sustenta que tirar uma única vida destrói um universo. A Al-Qaeda dirigira os seus ataques aos Estados Unidos da América, mas acabou por atingir toda a humanidade.
 (pp. 366-367)

 (Wright, Lawrence, A Torre do Desassossego - O percurso da Al-Qaeda até ao 11 de Setembro, tr.E.V.C., Casa das Letras, 2007)

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