Gravações do Trio Fragata no bandcamp

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Aharon Appelfeld

"...Ele levantou a sua mão para se despedir. Não tivesse sido esse gesto, e eu duvido que o tivesse morto. Mas esse gesto, mais do qualquer outra coisa que ele tenha dito, recordou-me a camaradagem de Nachtigel para com os seus jovens subordinados no campo, e o cuidado paternal com que ele os banhava. Tratava-os com se fosse um pai e, em pouco tempo, tornava-os tão cruéis quanto ele próprio. Andando, o velho afastava-se. Abri a mala, tirei a pistola e apontei directamente para as suas costas. O primeiro tiro atingiu-o mas ele não colapsou. O segundo tiro atirou-o ao chão e ele caiu de braços estendidos. Embrulhei de novo a pistola e voltei a colocá-la na mala. Rapidamente saí dali para fora."
Appelfeld, Aharon, The Iron Tracks, Schockem Books, 1998 (tr. J.M.G.), p 179.

A história contada neste livro é a de um sobrevivente dos campos de concentração que deambula de comboio pela Áustria do pós-guerra em busca do nazi que assassinou os seus pais, um tal de Nachtigel.
O autor do livro vive em Israel e é ele próprio um sobrevivente dos campos de concentração. A sua escrita, a julgar pelas traduções inglesas (em português que se saiba não há nada traduzido), é escorreita, límpida e de uma simplicidade deslumbrante.

Para além de ter escrito muitos livros de ficção, é também autor de um magnífico livro autobiográfico intitulado A table for One - Under the Light of Jerusalem, escrito originalmente em inglês. Appelfeld conta aqui como muitos dos seus livros foram criados nos cafés entretanto desaparecidos, ou transformados, de Jerusalém.

Sobre os cafés como lugar de escrita:

"O que é que um café tem que o torna um lugar tão especial para uma pessoa se concentrar? Talvez aqui tenha que ser dito que hoje em dia a maioria dos cafés não são cafés, antes grandes espaços atafulhados de pessoas e invadidos por música violenta. Não espere encontrar aí tranquilidade alguma, ou algo misterioso, ou aquela conexão dissimulada com as pessoas que nos rodeiam. Tornaram-se apenas num ponto de encontro, de transacção, um lugar onde impacientemente se espera. Este tipo de cafés não é convidativo, nem foram concebidos para uma pessoa se sentar prolongadamente. Gostaríamos de sair dali o mais depressa possível. Os cafés verdadeiros são convidativos, tentam-nos com café fresco e um bolo acabado de sair do forno; oferecem-nos a oportunidade de passar uma ou duas preciosas horas connosco próprios"
Apellfeld, A table for One, Toby Press, 2007, p. 8.

(LFB)

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