Num texto lamentável publicado na revista do
Diário insular do último fim-de-semana (3 de Outubro), Rogério Sousa (RS) profere afirmações inqualificáveis sobre vários aspectos educativos e até sobre si próprio, mas o que aqui quero deixar expresso é a resposta a um repto que RS faz aos leitores para apresentarem alguém "no uso da sua razão" que defenda que saber a tabuada de cor é fundamental para a aprendizagem. O próprio RS nunca soube, 'usa a calculadora e pronto'. E e só faltou acrescentar que se considera um génio.
Como o nosso país esta cheio de gente como RS, aqui fica a opinião de dois matemáticos especializados em questões pedagógicas que defendem que é importante saber a tabuada de cor e que a calculadora não deve substituir o cálculo mental:
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Nas últimas décadas, há um recurso crescente a calculadoras no ensino básico. Os danos que isto provoca são imensos. Conheço alunos do ensino secundário que a usam para calcular 3 vezes 15. (...) Qual é o mal disto? Os cálculos contêm princípios, e os princípios são assimilados apenas com a prática (...) Nenhum auxiliar constitui uma via régia para a matemática, muito menos a calculadora. Não há saltos na matemática. Uma criança que não aprendeu os cálculos básicos não pode avançar na matemática. Um desvio na matemática só pode levar a um lugar - à ignorância da matemática (...)"
(Ron Aharoni, A matemática para pais - Um livro para adultos sobre a matemática das crianças, Gradiva, 2008.)
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Ora esses automatismos, como saber a tabuada de cor, são hoje desvalorizados.
Infelizmente não temos nenhum estudo estatístico que nos permita saber o que se passa hoje nas escolas. Não sabemos em quantas se estuda ainda a tabuada e em quantas isso não acontece. O que sabemos é que as orientações do Ministério da Educação vão, em muitos desses domínios, no sentido completamente errado. O que temos de fazer para melhorar o ensino da matemática, e este documento fala muitas vezes nisso, é privilegiar as questões básicas em cada nível de escolaridade.Partir do princípio de que, em matemática, se não se compreendem as bases, depois não se consegue evoluir.
Exactamente. O que é preciso estabelecer é que os alunos do 1.º ciclo têm de completá-lo sabendo somar e diminuir, multiplicar e dividir, sabendo trabalhar com fracções. Depois têm de começar a trabalhar na álgebra. O que este documento recomenda é que em cada momento se encerrem etapas e se passe à etapa seguinte. Exactamente o contrário de uma teoria conhecida pelo “ensino em espiral”, em que os conhecimentos básicos eram sempre revisitados porque não estariam consolidados.
O professor Castro Caldas tem um estudo em que mostra que as crianças que decoram a tabuada e aprendem automatismos numa fase precoce desenvolvem fisicamente certas partes do cérebro.
Muitos pensam que têm de fazer musculação para desenvolver os músculos, mas não necessitam de fazer exercícios mentais para desenvolver o cérebro…
Uma das conclusões desse estudo é exactamente que as capacidades do cérebro podem ser desenvolvidas. Pode-se decorar uma coisa sem importância nenhuma – os cem primeiros algarismos do número pi, por exemplo – que isso é bom. A dicotomia que se criou há uns 30 anos que considera um horror decorar a tabuada, ou as estações de comboio, e que o importante é apenas perceber, é uma dicotomia que tem sido muito prejudicial. O que é bom é decorar e compreender, e ambas se reforçam. Mais: às vezes é útil decorar alguns automatismos sem os perceber, só os vindo a entender mais tarde. Não é preciso que a criança saiba o que é a corrente eléctrica para nós lhe ensinarmos que não pode colocar os dedos na tomada. No ensino há muitas coisas assim.
(Nuno Crato, em entrevista ao jornal Público, Abril de 2008.)