quinta-feira, 8 de agosto de 2013

em território estranho

"«Meu querido! Meu querido!» murmurava ela, mas não tocava em K., como se desfalecesse de amor deitou-se de costas e estendeu os braços, o tempo não tinha fim agora que encontrara o seu amor feliz, começou não tanto a cantar mas a suspirar uma pequena canção. Depois assustou-se porque K. permanecia em silêncio, perdido nos seus pensamentos, e como uma criança começou a puxá-lo para perto de si: «Vem, aqui em baixo sufocamos», avançaram abraçados alguns passos - aquele corpo miúdo ardia nas mãos de K. - numa espécie de torpor dos sentidos, de que K. tentava constantemente livrar-se mas em vão, bateram surdamente contra a porta de Klamm e deitaram-se depois por entre as pequenas poças de cerveja e todo o lixo que cobria o chão. Passaram aí horas, horas de uma respiração a dois, de um bater de coração a dois, horas em que K. nem por um momento deixou de sentir que se perdia em território estranho ou que aí avançava mais do que qualquer outro homem antes de si, um território tão estranho que o próprio ar não tinha em comum sequer uma partícula com o ar da sua cidade, quem nele errasse morreria asfixiado por esta estranheza, e no entanto não poderia senão avançar, chamado por seduções absurdas, e perder-se cada vez mais. E assim, pelo menos de início, não foi com um susto, mas aliviado como se despertasse, que ouviu uma voz que chegava da sala de Klamm, grave, indiferente e autoritária, e chamava por Frieda."
                 Franz Kafka, O Castelo, relógio d´Água Editores, (tr. I.C.S.), 2006, p.44