sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

“Teodiceia – Onde estava Deus? Onde estava o homem?

O holocausto coloca, de forma nítida, sérias questões à credibilidade da religião e do humanismo. A teologia judaica ultra-ortodoxa justifica o holocausto como um acto de Deus, como um castigo por causa dos pecados cometidos pelo povo Judeu contra o seu Deus. FIica por explicar que as crianças tenham sido punidas pelos pecados dos seus pais – uma contradição nos ensinamentos do judaísmo – e que milhões de judeus devotos tenham sofrido pelas transgressões dos outros. Esta perspectiva, ainda que popular entre os ortodoxos radicais, é rejeitada pela maioria dos investigadores.
Outros (Rabbi Joseph D. Soloveichik) defendem que, na medida que em a intervenção de Deus na história não pode ser de forma alguma compreendida ou explicada em termos humanos, a questão não é o que Deus fez, ou não, ou porque o fez, mas sim saber se o homem obedece aos mandamentos divinos. Auschwitz é, deste ponto de vista, o resultado da traição do homem perante Deus.
Outro ponto de vista judeu (Rabi Eliezer Berkowitz) vê a contradição entre o livre-arbítrio e a constante presença de Deus como uma possível explicação para a retirada de Deus da sua própria criação (o “Esconder a Face”). Elie Wiesel sente-se dividido perante a impossibilidade da presença de Deus e a sua ausência de Auschwitz. Emil Fackenheim, numa série de análises penetrantes, aceita a presença de Deus na história, mas limita-a de acordo com a vontade divina. O surgimento de Israel no mundo do pós-holocausto é um sinal de esperança no retorno à presença de Deus, e a ordem resultante de Auschwitz é a preservarção do povo judeu. Richard Rubenstein vê o holocausto como uma ferramenta usada pelas forças do mal da sociedade para eliminar populações supérfluas num mundo frio e desprovido da presença Divina. Alexander Donat retira conclusões ateístas: Um Deus que permite - pela sua presença ou pela sua ausência - o assassinato de milhões de crianças inocentes é um Satanás e, por conseguinte, não pode existir.
A credibilidade do Cristianismo, na esteira do Holocausto, tem sido questionada, entre outros, por Franklin H. Littell e A. Roy Eckardt. Como pode o assassinato do povo escolhido (Messiah’s people), no meio da Cristandade e por apóstatas baptizados, ser justificado? Os mártires da Luta da Igreja contra o nazismo e os Justos Entre as Nações são apenas uma nota de rodapé ao Holocausto que, para alguns teólogos Cristãos é a principal crise teológica da presente geração. Do lado católico, John Pawlikowski, Rosemary Ruether entre outros, lutam com o problema da responsabilidade Cristã pelo Holocausto.
Littell, Eckardt, Pawlikowski e eu, temos sugerido a implementação um “sistema de alarme antecipado” que sirva para detectar, na democracia Ocidental, tendências anti-democráticas; sinais de racismo, de intolerância, de preconceito, sinais esses que conduzem ao genocídio. O Holocausto tornar-se-ia assim um sinal tremendo de aviso; um tema a invocar quando se quer evitar ser ou um perpetrador ou uma vítima. Tornou-se, entretanto, dolorosamente evidente que, de facto, não é necessário nenhum sinal de aviso prévio, uma vez que em todos os genocídios recentes, ou em acontecimentos similares, o aviso tem sido dado, bastante tempo antes de as tragédias acontecerem, pelos observadores, pelos mass media, pelos militares e pelos políticos. O que parece ser necessário não são avisos prévios - que têm existido - mas acção preventiva atempada e realizada por uma comunidade internacional ciente das suas responsabilidades.”

(Bauer, Yehuda, A History of the Holocaust (revised edition), Watts, 2001, pp.366-367. Tradução LFB)
Bauer é um dos maiores investigadores do tema e um bom retrato da sua longa vida pode ser lido aqui.

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