terça-feira, 24 de março de 2015

István Farkas, Cielo de tormenta (1927)




Por sugestão de Imre Kertész, Um Outro - Crónica de Uma Metamorfose, Presença, 2009, onde se pode ler:

"István Farkas é um das figuras maiores da pintura europeia; quanto ao «fim trágico» quer dizer que foi morto em Auschwitz.
(p.89)

«Pode viver-se num só dia o horror do inferno; há mais do que tempo»
(Wittgenstein)
Nunca poderei saber como vou viver este horror, a agonia de A., como - no fim de contas - nem sequer posso saber nada de essencial sobre mim mesmo. O meu presente é, de momento, um tempo consagrado às recordações: no futuro, hei-de julgar o meu presente actual, e, portanto, uma insidiosa falsificação infiltra-se como um veneno manhoso em todos os meus pensamentos, em todas as minhas acções. O que eu tenho, ainda assim, que registar: a traição que o ser vivo comete em todos os instantes, a humilhação bem conhecida, e invencível, da sobrevivência. Cedo ou tarde, encontramo-nos na situação em que se luta por uma sobrevivência que o caos do moribundo ameaça engolir. Primeiramente, toma-se conhecimento da doença mortal de um próximo; em seguida, aceita-se a ideia; mais tarde, resignamo-nos, e entrega-se nas mãos dos especialistas. Num certo sentido, tornamo-nos assassinos e poucos poderão evitar este destino, salvo, talvez, os solitários, as pessoas sós. Mas também eles tiveram, talvez, um pai ou uma mãe que lhes falavam do fundo do seu balde do lixo. Tenho ainda que anotar que as situações que dão origem a tais práticas e, decorrentes destas práticas, a tais ideias, se devem ao modo de vida moderno. A morte - mais precisamente, o morrer - é um problema já antigo, mas era, digamos, um problema natural. As situações modernas rimam sempre um pouco com Auschwitz; Auschwitz resulta sempre um pouco das situações modernas."
(pp. 94-95)