"O que é a educação para Kafka? Em primeiro lugar, é um pacto secreto com o destino; o destino ao qual se oferece toda a espécie de iguarias, como a do talento bem aproveitado. A inteligência é, para Kafka, uma maneira de ser poupado por essa terrível força que sacode e destrói tudo quanto é vivo. A voz do pai, incluída no tremendo ruído do mundo em acção, é parte dessa força que é preciso adular, convencer, talvez iludir. A educação é uma arte de demorar a morte, de a tornar convencional em vez de fatal.
Kafka é um homem educado; o personagem central de O Processo é um homem educado. Vejamos como ele procede: «Ainda fatigado dos seus cuidados precedentes e já lasso daqueles que viriam, ele levantou-se para receber o primeiro dos seus visitantes.» Kafka sabe quanto é importante a mesura. Ela aplaca a cólera que se traduz pelo mais fugaz dos gestos humanos. Ele sabe imensamente dessa rede obscura em que se debatem os pensamentos reservados e que não é possível domesticar. Então a inteligência desponta, cresce, cobre o horizonte humano, não como uma luz brilhante, mas com um véu prodigioso. A inteligência desconcerta o destino; não sabemos se, de certa maneira o provoca."
Agustina Bessa-Luís, Kafkiana, Babel, 2012, p. 50-51