quinta-feira, 5 de abril de 2012

O sistema eleitoral da RAA

Em pequena entrevista, na última página do Diário Insular (20 Mar 012), o professor Carlos Amaral diz coisas certeiras sobre os problemas graves do sistema eleitoral açoriano:

"Nada obriga a Assembleia regional a crescer - a não ser a nossa vontade. (...) Um travão é absolutamente essencial para garantir um mínimo de racionalidade."


Comentário 1: Que a irracionalidade rege o sistema eleitoral já aqui foi registado. Com um sistema eleitoral onde parece impossível saber que deputado é que representa que eleitor - uma vez que não se vota em pessoas, mas sim em partidos - fica a questão de saber como é que "a nossa vontade" pode ser expressa de forma a impor a racionalidade. Um sistema irracional perpetua eternamente a irracionalidade, ou não?

"O modelo misto [vota-se e, como que por magia, são eleitos os deputados e os governantes, digo eu] que enforma o sistema eleitoral açoriano justificou-se numa determinada conjuntura histórica de arranque do processo autonómico. Há muito porém que deixou de servir."

Comentário 2: a história é quase sempre uma boa forma de justificar o injustificável.

"De duas uma: Ou as nossas ilhas são importantes, ou não são. Se são importantes há que assegurar a sua representação política (...) Se não são, então a única representação política que é necessária é estritamente demográfica (...). Por mim entendo que as ilhas são muito importantes para a nossa identidade como povo. Por isso defendo a reorganização da Assembleia regional em duas Câmaras: um Senado, de representação das ilhas e um Parlamento de representação estritamente demográfica. Por outro lado, entendo ainda que a actividade parlamentar regional não constitui actividade a tempo inteiro (...). Ela é perfeitamente compatível o exercício de actividades profissionais próprias. Ser deputado não pode ser uma profissão. Muito menos permanente! Antes, é actividade de cidadãos. Não de uma classe política, mas de todos os cidadãos, alternadamente."

Comentário 3: Está muito bem. Mas é toda uma visão da política que está errada. O lugar de deputado é a tempo inteiro (ainda que se tenha inventado a rotatividade, uma espécie de vou ali e já venho) e é emprego bom, bom, bom.
Para além do mais não se percebe como é que isso resolveria o problema do aumento constante de deputados eleitos. Não é apenas preciso reorganizar as formas de representação é também necessário reformular o sistema artificial de eleição dos representantes. 
E estamos cheios de reformados da política que nunca fizeram outra coisa que não política. E estamos cheios de jovens políticos que nunca farão outra coisa que não política. E há muitos à espera de um lugar. A política não só é profissão, como há, nos políticos, uma consciência de classe que os leva a auto e hetero protegerem-se. Longe vai o tempo em que para se praticar a política era preciso ter dado provas de honestidade, coragem e decência. Sobretudo, já ter resolvido as questões da casa (eco-nomos). Hoje basta ter gravata e um partido do arco como alavanca.

"Os partidos, convém ter presente, são instrumentos ao serviço da sociedade. Não lhes cabe, portanto, "abrir mão" do que não é deles. Não é aos partidos que cabe determinar o que é que os açorianos querem, mas aos próprios açorianos. A não ser, claro, que estes se demitam."

Comentário 4: Ok. Mas essa dos "próprios açorianos" é que parece não ter saída, ou então ser circular. Quem pergunta aos "próprios" o que eles querem? Os partidos. E como é que se faz essa pergunta? E como é que se faz com que os "próprios" compreendam a pergunta? Através dos partidos. É pois mais verossímil ser a sociedade um instrumento dos partidos.
E não me parece que "os próprios" se possam demitir, pois acredito que a política é parte essencial da natureza humana, quer se queira, quer não. Essa parte pode estar adormecida, mas voltará. Aceitam as coisas como são, sabem que os políticos, os partidos, os sistemas, são necessários. Mas não sabem bem porquê. O povo - ou as "nossas gentes" como agora dizem, pois 'povo' tem sabor a democracia popular e a referendos e a deliberações demoradas, tudo coisas boas mas não já - é soberano, mas vá-se lá sabe o que é que isso significa.
Bom era mesmo uma democracia deliberativa, uma democracia onde cada político se sentisse na obrigação de apresentar e discutir com todos as razões para as suas políticas. E isso continuamente e com calma. Acreditar que só porque se foi eleito governante se ganha legitimidade para se fazer o que bem se entender não parece justo nem desejável. E depois há que perguntar: se foi eleito para governar por quatro anos, quem lhe deu legitimidade para contrair dívidas, em nome de todos, por trinta anos?


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