quinta-feira, 15 de dezembro de 2005

Outro livro

"Se eu tivesse sido conselheiro de Deus no momento da criação, muitas coisas estariam mais bem ordenadas" (p.29)

(Afonso X, Rei de Castela em 1252, conhecido como O sábio, devido às suas colecções de leis e de música)

que ando a ler é o livro de Susan Neiman, O mal no Pensamento Moderno, (Gradiva, 2005. Originalmente editado em inglês com o título Evil in Modern Thought, Princeton U.P. 2002). É um livro (premiado) de filosofia académica e como tal defende um conjunto específico de teses. A saber: i) a filosofia nos séculos XVIII e XIX foi guiada pelo problema do mal; ii) o problema do mal diz respeito à inteligiblidade do mundo como um todo; iii) a distinção entre o mal natural (os desastres naturais) e o mal moral (o mal humano) é uma distinção histórica; e iv) existem dois pontos de vista sobre o problema do mal: um que defende que a moral implica tornar o mal compreensível (de Rousseau a Hannah Arendt) e outro que defende que a moralidade implica não tornar o mal compreensível (de Voltaire a Jean Améri) (p.22).
Contudo, não deixa de ser um livro que vem mesmo a calhar. Em primeiro lugar, porque é um livro sobre o mal publicado no pós 11 de Setembro; acontecimento que veio recolocar e obrigar a repensar a questão do mal radical. E depois porque o livro se baseia noutro acontecimento importante para os estudos sobre o mal, o grande terramoto de Lisboa do qual se celebra este ano os 250 anos. O livro de Neiman começa com a ideia esclarecedora de que o século XVIII usou a expressão "Lisboa", tal e qual como hoje usamos a expressão "Holocausto".
Um dos focos de interesse do livro é o da discussão, sempre incompleta, das implicações filosóficas acerca da natureza humana que o horror nazi arrastou consigo (outros livros surgirão aqui sobre este tema). Como foi o Holocausto possível? Quem foram os responsáveis? Qual a natureza da responsabilidade? Como explicar a conivência do povo alemão (e, em geral, de muitos europeus ) com o extermínio de milhões de pessoas?
Se alguém quiser ler o livro, mas não quiser passsar por alguns momentos mais chatos de história da filosofia iluminista - hiperbolizados pela fraca tradução, o que é pena que ainda aconteça numa editora prestigiada com a Gradiva (não fosse a fraca tradução e a revisão bastante deficiente este livro até poderia ser escolhido para o melhor livro de filosofia traduzido em 2005. E não fosse também o facto de este ano ter sido publicado pela F.C.Gulbenkian em edição cuidada (mas, incompreensivelmente, sem o índice analítico que tanto jeito dá aos investigadores) o livro de Michael J. Sandel O Liberalismo e os Limites da Justiça (o original é de 1982) - passe imediatamente para o quarto e último capítulo onde a filosofia contemporânea entra em jogo.
(LFB)

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