"Eutanásia é
simplesmente implementar uma decisão no sentido de terminar a vida de
um indivíduo antes de isso ser necessário – uma decisão para terminar
uma vida quando ela podia continuar.
Eutanásia voluntária ocorre quando essa decisão coincide com os desejos do próprio indivíduo e ele aprova essa decisão e todos os aspectos da sua implementação.
Eutanásia involuntária ocorre quando tal decisão é implementada contra os desejos expressos do indivíduo.
Eutanásia não-voluntária ocorre sempre que tal decisão é feita sem o consentimento do indivíduo seja qual for a razão para a ausência desse consentimento. (…)
A eutanásia involuntária será sempre errada. A eutanásia não-voluntária, por outro lado, será errada a não ser que pareça certo que o indivíduo em causa prefira morrer em vez de continuar a viver sob as presentes circunstâncias e seja impossível saber se o indivíduo em causa partilha esta visão. Estes são casos raros e extremos. Há duas circunstâncias nas quais poderá ser razoável decidir que um indivíduo preferiria a morte às actuais circunstâncias de vida. Uma é a de bebés severamente deficientes que enfrentam uma vida curta e dolorosa e cuja deficiência é irremediável (por ex. casos de espinha bífida aguda). A outra circunstância poderá ser a de alguém que está a ser torturado mortalmente e nós não a podemos salvar – tudo o que podemos fazer é pôr termo ao seu sofrimento.
Por outro lado, a eutanásia voluntária, tal como o suicídio, nunca será moralmente errada, ainda que, como qualquer outra escolha humana, possa resultar de um mau aconselhamento. Quando alguém deixou genuinamente de valorizar a vida e prefere a morte a continuar a existir então a decisão de pôr termo à sua vida não pode ser considerada moralmente errada, nem as pessoas que a ajudem a realizar essa acção deverão ser objecto de condenação moral. (…)
Sempre que o problema da eutanásia é debatido, ou sempre que surge como tema da ética em geral ou da ética médica em particular, a questão é sempre a de saber se a eutanásia voluntária é ou não justificável e se, por isso, deveria ou não ser permitida. Este é um problema pequeno e relativamente simples quando comparado com os problemas que o uso generalizado e desastroso da eutanásia não-voluntária coloca a muitas sociedades. O seu uso continuado e irrestrito poucas vezes é revisto ou criticado e, em muitas das suas aplicações, é perfeitamente legal. Por isso o problema moral respeitante à eutanásia que é urgente discutir não é o da eutanásia voluntária, que diz respeito a um pequeno número de pessoas e é claramente algo que a sociedade deveria permitir. O problema é o massivo número de casos de eutanásia não-voluntária que a sociedade já permite e pratica e que, de forma igualmente clara, deveria ilegalizar ou, nos poucos casos moralmente aceitáveis, regulamentar e supervisionar.
Há dois tipos de casos que requerem uma urgente reflexão. O primeiro diz respeito a um conjunto de práticas que se inserem na prestação de cuidados de saúde, onde se tomam decisões para encurtar vidas que poderiam continuar ou ser prolongadas, e onde os indivíduos em causa não são informados ou consultados. Regra geral estes casos não são referidos (ou talvez nem sequer pensados) como casos de eutanásia; os seres humanos têm o hábito de designar as suas acções sob a descrição mais agradável possível. Contudo, se esses casos forem examinados, eles todos partilham das características centrais da eutanásia. Três exemplos devem ser suficientes.
Já discutimos a prática comum do ‘tratamento selectivo’ onde bebés severamente deficientes não são alimentados nem as suas infecções são tratadas para que eles não sobrevivam. Isto pode, ou não, ser moralmente justificado – só as circunstâncias particulares de cada caso o dirão – mas não deixa de ser eutanásia.
A prática, nos hospitais, de recusar a reanimação a uma grande variedade de doentes que sofreram paragem cardíaca, ou outra qualquer crise, é conhecida e reconhecida como generalizada.
Nos casos em que os pacientes não são consultados sobre se quereriam ser ou não reanimados em caso de sofrerem uma crise, e não são reanimados quando seria possível fazê-lo ou pelo menos tentá-lo, então a sua morte é uma consequência dessa negação e faz parte do programa de eutanásia do hospital. De novo, tal programa pode ou não estar justificado; o que é perturbador é que não se reconheça a sua existência e que essas decisões sejam muito pouco escrutinadas.
Nos tratamentos dados a doentes terminais, em particular àqueles que sofrem de cancro ou de outras doenças extremamente dolorosas, pode chegar-se a um ponto em que a administração de drogas analgésicas apressa a morte. O sucesso no controlo da dor já só pode ser atingido à custa do encurtamento da vida. Nos casos em que o doente não é avisado de que o tratamento da dor apressará a sua morte estamos, também, perante casos de eutanásia não-voluntária. (…)"
(Tradução e adaptação de LFB a partir de Harris, J., The Value of life – An Introduction to Medical Ethics, Routledge, 1992, pp.7-9, 88-85)
Eutanásia voluntária ocorre quando essa decisão coincide com os desejos do próprio indivíduo e ele aprova essa decisão e todos os aspectos da sua implementação.
Eutanásia involuntária ocorre quando tal decisão é implementada contra os desejos expressos do indivíduo.
Eutanásia não-voluntária ocorre sempre que tal decisão é feita sem o consentimento do indivíduo seja qual for a razão para a ausência desse consentimento. (…)
A eutanásia involuntária será sempre errada. A eutanásia não-voluntária, por outro lado, será errada a não ser que pareça certo que o indivíduo em causa prefira morrer em vez de continuar a viver sob as presentes circunstâncias e seja impossível saber se o indivíduo em causa partilha esta visão. Estes são casos raros e extremos. Há duas circunstâncias nas quais poderá ser razoável decidir que um indivíduo preferiria a morte às actuais circunstâncias de vida. Uma é a de bebés severamente deficientes que enfrentam uma vida curta e dolorosa e cuja deficiência é irremediável (por ex. casos de espinha bífida aguda). A outra circunstância poderá ser a de alguém que está a ser torturado mortalmente e nós não a podemos salvar – tudo o que podemos fazer é pôr termo ao seu sofrimento.
Por outro lado, a eutanásia voluntária, tal como o suicídio, nunca será moralmente errada, ainda que, como qualquer outra escolha humana, possa resultar de um mau aconselhamento. Quando alguém deixou genuinamente de valorizar a vida e prefere a morte a continuar a existir então a decisão de pôr termo à sua vida não pode ser considerada moralmente errada, nem as pessoas que a ajudem a realizar essa acção deverão ser objecto de condenação moral. (…)
Sempre que o problema da eutanásia é debatido, ou sempre que surge como tema da ética em geral ou da ética médica em particular, a questão é sempre a de saber se a eutanásia voluntária é ou não justificável e se, por isso, deveria ou não ser permitida. Este é um problema pequeno e relativamente simples quando comparado com os problemas que o uso generalizado e desastroso da eutanásia não-voluntária coloca a muitas sociedades. O seu uso continuado e irrestrito poucas vezes é revisto ou criticado e, em muitas das suas aplicações, é perfeitamente legal. Por isso o problema moral respeitante à eutanásia que é urgente discutir não é o da eutanásia voluntária, que diz respeito a um pequeno número de pessoas e é claramente algo que a sociedade deveria permitir. O problema é o massivo número de casos de eutanásia não-voluntária que a sociedade já permite e pratica e que, de forma igualmente clara, deveria ilegalizar ou, nos poucos casos moralmente aceitáveis, regulamentar e supervisionar.
Há dois tipos de casos que requerem uma urgente reflexão. O primeiro diz respeito a um conjunto de práticas que se inserem na prestação de cuidados de saúde, onde se tomam decisões para encurtar vidas que poderiam continuar ou ser prolongadas, e onde os indivíduos em causa não são informados ou consultados. Regra geral estes casos não são referidos (ou talvez nem sequer pensados) como casos de eutanásia; os seres humanos têm o hábito de designar as suas acções sob a descrição mais agradável possível. Contudo, se esses casos forem examinados, eles todos partilham das características centrais da eutanásia. Três exemplos devem ser suficientes.
Já discutimos a prática comum do ‘tratamento selectivo’ onde bebés severamente deficientes não são alimentados nem as suas infecções são tratadas para que eles não sobrevivam. Isto pode, ou não, ser moralmente justificado – só as circunstâncias particulares de cada caso o dirão – mas não deixa de ser eutanásia.
A prática, nos hospitais, de recusar a reanimação a uma grande variedade de doentes que sofreram paragem cardíaca, ou outra qualquer crise, é conhecida e reconhecida como generalizada.
Nos casos em que os pacientes não são consultados sobre se quereriam ser ou não reanimados em caso de sofrerem uma crise, e não são reanimados quando seria possível fazê-lo ou pelo menos tentá-lo, então a sua morte é uma consequência dessa negação e faz parte do programa de eutanásia do hospital. De novo, tal programa pode ou não estar justificado; o que é perturbador é que não se reconheça a sua existência e que essas decisões sejam muito pouco escrutinadas.
Nos tratamentos dados a doentes terminais, em particular àqueles que sofrem de cancro ou de outras doenças extremamente dolorosas, pode chegar-se a um ponto em que a administração de drogas analgésicas apressa a morte. O sucesso no controlo da dor já só pode ser atingido à custa do encurtamento da vida. Nos casos em que o doente não é avisado de que o tratamento da dor apressará a sua morte estamos, também, perante casos de eutanásia não-voluntária. (…)"
(Tradução e adaptação de LFB a partir de Harris, J., The Value of life – An Introduction to Medical Ethics, Routledge, 1992, pp.7-9, 88-85)
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