"Perguntei há pouco tempo a Kraus se ele de vez em quando não se aborrece. Ele lançou-me um olhar de condenação e reprimenda, pensou um pouco e disse: «Aborrecer-me?» Não és lá muito inteligente, Jakob. E deixa-me que te diga que fazes perguntas tão ingénuas como pecaminosas. Quem é que se aborrece neste mundo? Talvez tu. Eu não, digo-te já. Estou aqui a aprender de cor passagens do livro. E agora? Tenho tempo para aborrecer-me? Que perguntas tão idiotas. Os aristocratas talvez se aborreçam, não Kraus, e tu também te aborreces, porque, se não te aborrecesses, não te teria ocorrido essa ideia e não terias vindo fazer-me essa pergunta. Podemos ocupar-nos sempre com alguma coisa, se não por fora, então por dentro, podemos murmurar. É claro que fazes troça de mim por eu murmurar, mas ouve bem e diz-me lá se sabes o que é que eu murmuro? Palavras querido Jacok. Murmuro e repito palavras constantemente. E é muito saudável, posso dizer-te. Desaparece daqui com o teu aborrecimento. Só se aborrecem aqueles que acham que lhes deve cair do céu alguma coise que os anime. Onde há mau humor, onde há nostalgia, aí encontrarás o aborrecimento. E agora sai daqui, não me perturbes, deixa-me estudar e vai tu fazer alguma coisa. Empenha-te em alguma tarefa que já não te sentirás aborrecido."
Robert Walser, Jakob Von Gunten, Relógio D´Água, 2005, p. 85.
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