"Parece que antigamente o Instituto Benjamenta gozava de melhor fama e maior afluência. Numa das quatro paredes da nossa sala de aulas está uma grande fotografia onde podemos ver as figuras de muitos rapazes de um ano lectivo anterior. A nossa sala de aulas é de resto muito despida. Para além da mesa comprida, de dez a doze cadeiras, de um grande armário de parede, de uma mesa mais pequena, de um segundo armário pequeno, de uma velha mala de viagem e de um par de objectos insignificantes, não tem outros móveis. Sobre a porta que conduz ao mundo desconhecido e misterioso dos aposentos interiores está pendurado, como decoração, um sabre da guarda, de aspecto bastante aborrecido, que é cruzado pela bainha respectiva. Ambos são coroados pelo capacete. Esta decoração tem uma função de ilustração ou de prova elegante dos regulamentos que aqui vigoram. Quanto a mim, não queria nem dado este ornamento provavelmente adquirido num ferro-velho decadente. De duas em duas semanas, o sabre e o capacete são baixados para serem limpos, uma tarefa simpática mas também muito estúpida. Para além destes adornos, nas paredes da sala de aulas estão ainda pendurados os retratos do imperador e da imperatriz já mortos. O velho imperador aparenta uma incrível tranquilidade e a imperatriz tem um ar simples e materno. Muitas vezes nós pupilos lavamos a sala de aulas com sabão e água morna que deixam depois tudo com um aroma e brilho de limpeza. Temos de fazer tudo nós mesmos, e para este trabalho de criada de quarto todos nós pomos um avental, e com este adereço feminino todos nós, sem excepção parecemos muito cómicos. Mas estes dias de arrumação são divertidos. Polimos alegremente o soalho, areamos os utensílios, incluindo os da cozinha, e para isso temos trapos e panos de pó com fartura, passamos a mesa e as cadeiras por água, limpamos as dobradiças das porta até ganharem brilho, bafejamos e esfregamos os vidros das janelas, cada um tem a sua pequena tarefa, cada um faz alguma coisa. Nestes dias em que limpamos, esfregamos e lavamos, fazemos lembrar aqueles duendes dos contos de fadas que, como é sabido, cumpriam todas as tarefas mais rudes e árduas apenas por uma sobrenatural bondade do coração. O que nós alunos fazemos, fazemos porque temos de o fazer, mas a razão por que o fazemos, nenhum de nós a conhece. Obedecemos sem pensar no que esta obediência inconsciente um dia nos trará, e trabalhamos sem pensar se é certo e justo que trabalhemos."
Robert Walser, Jakob Von Gunten, Relógio D´Água, 2005, pp. 36-37
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