quarta-feira, 6 de março de 2013

uma procissão pelas ruas que chamavam um auto-da-fé

A Inquisição representava no reino um poder superior ao do próprio rei. Todos os bispos portugueses, nomeados pelos reis, saíam dos quadros do tribunal do Santo Ofício, o poder jurídico da Inquisição. (...) O combate às ideias protestantes e a perseguição aos judeus foram os principais motivos que levaram o rei a solicitar ao Papa a instauração do Santo Ofício em Portugal. Teve tribunais permanentes que funcionaram em Lisboa, Évora e Goa e outros provisórios em Coimbra, Lamego e Tomar. Como nas origens, o poder da Inquisição estava concentrado na ordem dos Dominicanos; a igreja do convento dos Dominicanos no Rossio, em Lisboa, era a referência visível desse poder, em cujas paredes eram pintado os retratos dos judeus condenados. O palácio da Inquisição ficava no antigo Paço dos Esaus, que fora residência de embaixadores (Vieira chamava-lhe a Fortaleza do Rossio); transformou-se em tribunal civil no tempo de D. João VI e o edifício foi demolido no final do século XIX, para dar lugar ao actual Teatro D. Maria.
Quando uma pessoa suspeita, depois de um processo, era condenada pelo tribunal do Santo Ofício à pena capital, a vítima era entregue (relaxada) ao pode civil que confirmava a execução; esta consistia em ser queimada viva em público depois de uma exibição de carácter expiatório sob a forma de uma procissão pelas ruas que chamavam um auto-da-fé. Montavam-se palanques de lenha à volta de pilhares aos quais eram amarrados os condenados e metia-se fogo à lenha; a morte era lenta  e os condenados sofriam os piores tormentos e vexames. Os principais visados pelo tribunal eram os cristãos-novos, continuamente denunciados por práticas judaizantes; como a condenação implicava a confiscação dos bens e estes detinham grandes fortunas, a acção predadora do tribunal tornou-se um negócio muito lucrativo. Em 1540 teve lugar em Portugal a primeira execução pelo fogo na Ribeira Velha.
Muitos viajantes estrangeiros que assistiram a autos-da-fé descreveram o espectáculo a que assistiram como um acto de crueldade e de brutalidade com o qual delirava uma população ignorante e embrutecida. Em França a Inquisição foi proscrita em 1560, quando era regente do reino Catarina de Médicis. O Marquês de Pombal (1699-1782), ministro ditatorial do rei D. José, reduziu consideravelmente a influência e o poder do Santo Ofício, não sem antes se servir dele para condenar como herege um velho jesuíta iluminado, o padre Malagrida, que fora missionário no Maranhão e acabou garroteado e queimado em público aos 72 anos, em 1761. Sete anos depois deste último auto-da-fé a discriminação baseada no sangue foi proscrita em Portugal, desaparecendo a distinção entre critãos-novos e cristãos velhos e treze anos depois a pena de morte era abolida em Portugal, o primeiro país do mundo que decretou esta medida. Quando o poder real afirmou a sua autoridade. (...)
A inquisição vigorou durante mais ou menos tempo em todos os países católicos à excepção da Inglaterra onde nunca existiu. Em França, o grande processo que lembra o famigerado tribunal foi o de santa Joana Darc em 1431. Durante os quase três séculos em que vigorou em Portugal, a Inquisição levou à fogueira cerca de 1500 pessoas e condenou a diversas penas mais de 25 000. Desconhece-se o número das que morreram nas prisões. Grandes vultos da cultura portuguesa foram vítimas do tribunal da inquisição como Damião de Góis, Garcia de Orta, o padre António Vieira, António José da Silva - o judeu, etc.

(António de Abreu Freire, Padre António Vieira - História de um homem corajoso contada às crianças e lembrada ao povo, Sá da Costa Editora, 2009, pp.109-111)

Sem comentários: