"Os professores portugueses são no conjunto dos países da OCDE dos que mais horas de aulas dão por ano. Do estudo exaustivo da OCDE, "Education at a Glance 2012, OECD Indicators", o Expresso deu eco resumido. Poucos ligaram.
Os dados lá estão acessíveis neste documento de 570 páginas. Desalentam o brio luso. E desmentem o anátema que tem sido lançado sobre a situação de privilégio dos docentes portugueses. Ficam bastante acima da média europeia em excesso de trabalho. Ou, se quisermos ser mais precisos, estão bastante em baixo. Mais deprimidos ainda é possível.
Trabalham com turmas maiores e permanecem muito mais tempo na escola. A situação tem vindo a agravar-se desde 2000. Para além disto, que não é pouco, vêem a progressão na carreira interrompida há anos, assistem de fúria contida à extorsão dos subsídios, e vêem-se às dezenas de milhar no desemprego.
As escolas entretanto foram alindadas com os dinheiros públicos da Parque Escolar. Mas muitas viram as obras suspensas, por falência dos empreiteiros ou porque o orçamento foi ultrapassado ou cortado. Outras, bastante degradadas, nem puderam iniciar obras prometidas e orçamentadas. Foram expelidas para as calendas gregas.
E mesmo nas mais modernaças, onde entra luz a rodos, o ambiente no seu interior é soturno e de cortar à faca, dizem-me antigos colegas.
Os professores são submergidos com trabalho burocrático inglório. A sua opinião nada conta. São-lhes exigidos relatórios e mais relatórios que ninguém lê e cujo único fito parece ser o de arranjar papelada para uma futura inspecção do Ministério da Educação certificar que vai tudo maravilhoso.
Para as questões didácticas e pedagógicas, as verdadeiramente importantes, não há tempo. E cada vez menos vontade. A desmotivação é persistente. E só por excesso de auto-mutilação profissional, e sacrifício familiar, a esmagadora maioria dos professores não deixa de acorrer com afecto e zelo aos seus alunos.
O Ministério da Educação exige de um professor que seja um burocrata. Não um pedagogo. Que preencha formulários a eito, que planifique milimetricamente as aulas, que avalie com balança de precisão, como quem pesa a dose, o que é vago, impreciso e inquantificável. No fundo que se desenrasque e tente encher o olho a quem, entediado, passe os olhos por cima de umas linhas e de uns excelsos quadros em excel. Em última instância, que endromine através de uma grelha, de um escala de valores pseudo-científica, de um jargão administrativo, o "eduquês", que um homem sensato promovido a ministro de um governo medíocre agora não pode arrasar.
Com esta sanha administrativa as vítimas são as mesmas de sempre, os alunos oriundos de meios socio-culturais desfavorecidos que chegam mal à escola. E mal por ela passam, divertidos, a caminho de um lugar vazio. Mas muitos outros que investem o melhor do seu esforço para irem acabar a passar códigos de barras em grandes superfícies, tarefa para a qual se qualificaram em universidades de prestígio e outras nem por isso.
É este o futuro que nos vão vendendo, barato, baratinho. Uma marca branca para usar até à idade madura ou até cair de maduro. E quem lá chegar que se amanhe."
Jornal Expresso, 20 de Dezembro de 2012
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